domingo, 12 de fevereiro de 2012

O homem é inocente!

Reinaldo José Lopes

A catástrofe que acabou com os mamíferos gigantes da América pode não ter sido a chegada de humanos, mas uma mudança radical de seus ambientes.
Faz mais de um século que o primeiro e maior crime ambiental da história foi atribuído a um culpado: nós, Homo sapiens – ou melhor, os primeiros membros da nossa espécie que puseram os pés na América há milhares de anos. Esses pioneiros teriam mandado desta para uma melhor dezenas de gêneros de mamíferos gigantes, criaturas que faziam das grandes planícies do continente um cenário de safári africano – com dentes- de -sabre no lugar dos leões e tatus do tamanho de um Fusca no dos búfalos. No espaço relativamente curto de poucas gerações, os gigantes teriam sido exterminados, e esse holocausto ganhou até um nome sinistro em inglês: overkill.
O exame mais cuidadoso das pistas deixadas por esses bichos e pelos homens que conviveram com eles, no entanto, está ajudando a traçar um quadro bem diferente. No Brasil, por exemplo, o mais provável é que ninguém tenha caçado os gigantes, conhecidos pelo nome coletivo de mega fauna. Mesmo na América do Norte, não mais que três espécies desses animais viraram comida de gente – uma delas, até mesmo, existe ainda hoje. E novas evidências sugerem que, longe de ter sido uma hecatombe geral e quase instantânea, o sumiço dos mega mamíferos foi um processo longo, que se estendeu por vários milhares de anos e de forma diferente em cada espécie.
Mais uma peça desse quebra-cabeça foi adicionada há pouco pelo bioantropólogo Walter Neves e pelo geólogo Luís Beethoven Piló, do Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos da USP. A dupla datou com precisão restos  fossilizados do temível Smilodon populator, o dente- de- sabre que dominou o cerrado brasileiro durante a Era do Gelo, e verificou que o bicho ainda estava vivo há meros 9,1 mil anos. Isso significa uma convivência de 2 mil anos ou mais com o povo que habitou Lagoa Santa, no centro de Minas Gerais (de onde veio o fóssil do grande felino). Uma preguiça gigante Catonyx cuvieri, também datada pelos dois, é só um pouco mais antiga (9,9 mil anos), mas o cavalo americano Equus neogeus desapareceu há uns 16 mil anos, antes, portanto, que humanos dessem as caras em Lagoa Santa.
“As pessoas tinham a idéia de que essas espécies formavam um conjunto, que desapareceu ao mesmo tempo, mas vemos que não é possível garantir isso”, diz Luís. As escavações recentes em Lagoa Santa têm reforçado, aliás, outro dado intrigante sobre a mega fauna brasileira: não há nenhuma evidência de que os bichos gigantes tenham sido caçados por ali. As pessoas preferiam comida bem mais prosaica, como capivaras e veados, além de recursos vegetais, embora o porquê disso ainda permaneça obscuro, mas já coloca em xeque o mito de “homem caçador”.
A visão dos primeiros americanos como especialistas em apagar grandes mamíferos deve muito ao que se sabe sobre a chamada cultura Clovis (assim chamada por causa do sítio arqueológico de mesmo nome no Novo México, nos Estados Unidos), que passou a dominar a América do Norte há cerca de 11,5 mil anos. Até o fim dos anos 80, acreditava-se que os caçadores Clovis, com sua tecnologia de pontas de lança cuidadosamente trabalhadas, tinham sido os primeiros a entrar no continente, vindos da Sibéria. Para muitos, a bela quantidade de ossos de mamute nos sítios Clovis só podia significar que eles tinham sido os responsáveis pelo fim da mega fauna. “As pessoas acreditavam que os grandes mamíferos da América, por terem evoluído longe dos humanos, eram completamente inocentes quanto ao perigo que representavam”, afirma o arqueólogo Don Grayson, da Universidade de Washington, em Seattle, nos Estados Unidos. Com um continente inteirinho de caça abundante e mansa à disposição, as lanças Clovis teriam varrido a mega fauna do mapa, do Alasca à Patagônia, em poucas centenas de anos.
Mas de lá para cá várias coisas complicaram essa tese. Uma delas é que, no fim das contas, o povo de Clovis não foi o primeiro a ocupar a América – tudo indica que os humanos entraram aqui há mais de 14 mil anos. E, em diversos lugares, eles não parecem ter se especializado em caçar grandes animais, mas adotado uma estratégia “vale-tudo” de sobrevivência, como em Lagoa Santa.
Mesmo assim, Grayson olhou com o máximo cuidado cada um dos sítios Clovis da América do Norte, em busca de sinais de que a matança realmente tinha ocorrido. O resultado foi devastador: dos 76 sítios arqueológicos antes considerados açougues de mega fauna, só havia provas decentes de caça por humanos – ossos diretamente associados a ferramentas, com marcas de corte ou cozimento – em 14 deles. As únicas espécies hoje extintas que eram devoradas nesses lugares eram mamutes e mastodontes – havia também bisões, que andam pelas Grandes Planícies do Canadá e dos Estados Unidos até hoje. Para Grayson, o mais provável é que a mudança climática brusca no fim da Era do Gelo tenha levado os gigantes ao declínio – um por um, em momentos diferentes.
Uma pista de como essa modificação pode ter afetado um dos animais extintos é o estranho e rápido encolhimento dos cavalos que habitavam o Alasca, flagrada por Dale Guthrie, do Instituto de Biologia Ártica desse estado americano. No espaço de poucos milênios, os bichos perderam 12% de seu tamanho, até ir definitivamente para a cova por volta de 12,5mil anos atrás.
O detalhe é que o estrago já estava feito antes dos primeiros registros de ocupação humana no Alasca, mas parece ter seguido de perto a mudança climática e ambiental: “A transição ecológica não foi gradual. Uma mudança dramática na vegetação ocorreu por volta de 13 mil anos atrás”, diz Guthrie. Até então, a área fora uma gigantesca estepe, cheia da grama que é o sonho de qualquer eqüino, mas os cavalos tiveram de enfrentar o aparecimento de florestas e arbustos, plantas para as quais não estavam adaptados. A redução de tamanho pode ter sido uma resposta evolutiva à falta de comida, ou uma mera conseqüência dela, mas o resultado final não podia ser outro: a extinção.
Para outros pesquisadores, um fenômeno parecido acabou com os gigantes brasileiros, que eram animais de ambiente aberto, ao que tudo indica. “O truque é a chuva”, resume o biólogo Mario de Vivo, do Museu de Zoologia da USP. Com o fim da Era do Gelo, a umidade que estava retida na forma de gelo nas calotas polares voltou a cair com força renovada na forma de chuva, transformando o imenso cerrado que então cobria até a Amazônia em áreas de vegetação mais alta e densa. “Os animais que pastavam”, diz Mario, “ficaram sem grama. Os cortadores, que se alimentavam de folhas de árvores esparsas, como as preguiças gigantes, não tinham mais espaço para se mover e, com isso, a maior parte dos carnívoros ficou sem suas presas e também entrou em declínio.”
Por mais sentido que a coisa pareça fazer,  os defensores da tese da matança (overkill, em inglês) não estão nem um pouco convencidos. Muitos argumentam, por exemplo, que não há mais traços da caça da mega fauna apenas porque uma destruição suficientemente rápida dos bichos tenderia a não deixar muitos vestígios, já que as condições de preservação dos ossos – a céu aberto, na maior parte dos casos – não seriam ideais. E que os mamíferos gigantes tinham sobrevivido a uma coleção de mudanças climáticas antes – por que “escolher” justo a que coincidiu com a chegada dos seres humanos para se extinguir? É isso que os advogados de defesa dos primeiros americanos vão ter de explicar, em detalhes, daqui para frente. “No fim das contas, cada espécie teve sua própria história única”, avalia Guthrie.
Dente- de- sabre
Nome científico: Smilodon populator
Região de origem: Lagoa Santa (Minas Gerais)
Os felinos conhecidos coletivamente como dentes- de- sabre formavam um grupo diversificado, mas o maior deles foi mesmo o S. populator do cerrado brasileiro, com cerca de 400 quilos e 1,2 metro de altura.
Toxodonte
Nome científico: Toxodon platensis
Região de origem: Desde o Nordeste brasileiro até Uruguai e Argentina.
Pense num hipopótamo com pêlo e você tem uma boa imagem do que eram os toxodontes. Herbívoros semi-aquáticos, eles evoluíram no isolamento de milhões de anos da América do Sul.
Gliptodonte
Nome científico: Doedicurus clavicaudatus
Região de origem: Argentina
Esse parente gigante dos tatus, com 4 metros de comprimento e 1,5 metro de altura, era um verdadeiro tanque em termos de armadura corporal, com uma sólida carapaça e uma cauda que mais parecia uma maça medieval, cheia de espinhos córneos.
Macrauquênia
Nome científico: Macrauchenia patachonica
Região de origem: Argentina
Esse bicho esquisitíssimo lembra vagamente um lhama com tromba, mas na verdade pertence ao grupo dos litopternos, animais de casco que evoluíram isolados na América do Sul, quando o continente ainda era uma ilha. Provavelmente comia folhas de árvores.
Preguiça gigante
Nome científico: Megatherium americanum
Região de origem: Rio Grande do Sul
Ao contrário de seus pequenos parentes modernos, a preguiça gigante ou megatério era um bicho de solo, podendo chegar a 7 metros de comprimento. É possível que ela fosse bípede por parte do tempo, agarrando aos troncos das árvores de cujas folhas e ramos se  alimentava.
Cavalo americano
Nome científico: Equus neogeus
Região de origem: Lagoa Santa (Brasil)
Essa espécie de cavalo provavelmente se parecia bem mais com um pônei de hoje: robusto, troncudo e resistente. Além dos ambientes abertos do Brasil Central, eram muito comuns na Argentina e no Uruguai  atuais.
Mastodonte
Nome científico: Haplomastodon waringi
Região de origem: Bahia, Rio Grande do Norte
Quase todo o Norte e Nordeste do Brasil eram habitados por mastodontes, cujas dimensões eram bastante parecidas com as de um elefante indiano moderno. A dentição do bicho, no entanto, era bastante distinta, denunciando sua evolução em separado.
Paleolhama
Nome científico: Palaeolama niedae
Região de origem: Serra da Capivara (Piauí)
Parentes ligeiramente maiores dos lhamas modernos eram comuns no interior do Brasil durante a Era do Gelo, o que sugere, para alguns pesquisadores, um ambiente sensivelmente mais frio e seco que o de hoje.

 Revista Aventuras na História n° 010

Galé fenícia

Flávia Souto Maior

A costa leste do Mar Mediterrâneo, mais exatamente onde hoje se localiza o Líbano, foi um dos mais importantes pólos de comércio marítimo da Antiguidade. Os fenícios, que ocuparam a região por milênios, atingindo o apogeu no século 8 a.C, eram conhecidos como grandes comerciantes e os melhores navegadores e construtores navais da época.
Com poucas terras para agricultura, mas florestas repletas de cedro, madeira excelente para a fabricação de navios, eles criaram naves, galés ou galeras que dominaram o Mediterrâneo. Num mesmo dia, as galés mercantes podiam ser vistas entregando produtos na Grécia, passando debaixo das pernas do Colosso de Rodes ou costeando a ilha de Ibiza. Algumas chegaram até o Oceano Atlântico, a 4 mil quilômetros de Tiro, a capital fenícia, difundindo técnicas que seriam herdadas pelos grandes nações da Antiguidade: os gregos e os romanos.
Navio mercante
O precursor das grandes navegações.
1. Manobras
A vela das galés era grande e retangular. Quando o barco mercante se envolvia em batalhas navais, ela era retirada para facilitar a dirigibilidade. A direção do navio era controlada por dois lemes com grandes pás assimétricas posicionadas na popa.
2. Força Bruta
Cada galé tinha no mínimo 20 remos, movidos por escravos e prisioneiros de guerra em condições precárias, sem dormir ou alimentar-se. Com velocidade de 5 km/h, os barcos percorriam 90 quilômetros por dia.
3. Olhai por nós
Costumava-se pintar dois olhos na proa, para guiar as embarcações e amendrontar os navios inimigos. Era tradição fenícia usar o “pittuchim”, figura zoomorfa representando a cabeça de um cavalo e a garantia de segurança para a carga do navio.
4. Secos e molhados
As mercadorias transportadas pelas galés (tecidos, cobre, papiro, marfim e madeira) ficavam acomodadas no convés. Potes de cerâmica com perfume, vinho, resina e azeite ficavam no interior do casco.
5. Sintonia fina
O ritmo das remadas era marcado pelo som de uma flauta ou pelas batidas de um tambor. Sincronizando os remadores e evitando a fadiga, a música das galés foi a precursora das marchas dos exércitos.
Galés bélicas: rápidas e temíveis
As galés birremes e trirremes, com duas e três fileiras de remos de cada lado, destacaram-se como as mais importantes naus de guerra da Idade do Ferro (1000 a.C – 476). Algumas tinham quase uma centena de remadores trabalhando dentro de sofisticada arquitetura naval.

Revista Aventuras na História n° 010

Brasil: ser ou não ser império

Ernani Fagundes

Acredite que o Brasil poderia ter se tornado um grande império na América, antes mesmo de os Estados Unidos terem conquistado a independência. Sim, essa possibilidade existiu no século 18. E foi revelada dois séculos depois pelo livro A Devassa da Devassa (Paz e Terra), do brasilianista Kenneth Maxweel. A obra mostra como a relação entre Brasil e Portugal na segunda metade daquele século levou o país a outro destino.
O professor da Universidade de Columbia organizou farta documentação do período de 1750 a 1808 investigando os fatos que causaram a Inconfidência Mineira e suas conseqüências para a política colonial. Nessa obra é possível encontrar desde uma velha idéia portuguesa de 1736 de transferir a corte para o Brasil, onde o rei assumiria o título de “imperador do Ocidente” e indicaria um vice-rei para governar Portugal, até os pormenores sobre o julgamento de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, que assumiu a culpa apenas no terceiro depoimento.
Há também correções históricas importantes como o fato de o governador de Minas Gerais, o Visconde de Barbacena, ter suspendido a “derrama” do ouro, antes mesmo da delação de Joaquim Silvério dos Reis. A interpretação sobre as circunstâncias que levaram a morte Cláudio Manuel da Costa na prisão deixam o leitor inquieto quanto à veracidade do suicídio. Os trechos mais sonolentos da obra, embora ricos em informações, descrevem as relações comerciais entre a colônia, a metrópole e a Inglaterra. E, das coisas que perduram por séculos no Brasil, Maxweel conta sobre o contrabando, a corrupção e o endividamento dos brasileiros em plena corrida do ouro.

Revista Aventuras na História n° 010

As idades da história

Cláudia de Castro Lima

Dez degraus que nos levam às profundezas do passado.
A divisão da história em períodos é um tema controverso. Muitos estudiosos não concordam que seus marcos  sejam acontecimentos políticos, e importância destes como divisores temporais é sempre contestada. Mesmo assim, as idades da história e da pré-história ainda são os degraus mais usados rumo aos tempos imemoriais.
1 milhão a.C. - Pedra lascada
O período conhecido como Paleolítico começa com o aparecimento do homem moderno (homo erectus). Para sobreviver às hostilidades do ambiente, ele aprendeu a usar madeira, ossos e pedra fazendo utensílios como lanças e arpões. Com eles, rasgavam a carne dos animais e conseguiam frutos de árvores e raízes. Nômade, o homem também descobriu como fazer e controlar o fogo.
10 mil a.C. - Pedra polida
Com habilidade na fabricação de armas e ferramentas mais desenvolvidas, como arcos- e- flechas e anzóis, os povos fixam residência perto de lagos e rios. Aprendem a domesticar galinhas e ovelhas, plantam alimentos como trigo,  descobrem a tecelagem e constituem família. A produção de objetos de cerâmica também é datada dessa época, a última dos tempos pré-históricos. Nascia assim a base para o nascimento da civilização.
3500 a.C. - Bronze
A pré-história termina com o surgimento da escrita pelos sumérios e com a criação das cidades. O primeiro período da Antigüidade Clássica é caracterizado por novas formas de organização social e também pela descoberta da metalurgia: cobre, bronze e ouro eram usados para a confecção de utensílios. O poder do indivíduo passa a ser medido pela quantidade de objetos metálicos que possui.
1000 a.C. - Ferro
O homem consegue produzir temperaturas de combustão altas o suficiente para a fusão do ferro, que se torna o principal material para armas e utensílios de casa. Esse período abriga o florescimento de grandes civilizações, como os gregos e romanos, que ditarão a conduta humana nos períodos seguintes.
476 - Alta idade média
A queda de Roma assinala o fim das grandes cidades e o início da ruralização da Europa, num período conhecido como Idade das Trevas. Os bárbaros espalham-se até a Península Ibérica e a Grã-Bretanha, mas, entre eles, cresce o cristianismo, com a aliança dos reinos com a Igreja. Fora da Europa, o islamismo surge e alastra-se, e os árabes experimentam um intenso desenvolvimento cultural.
Século 10 - Baixa idade média
As campanhas militares sancionadas pela Igreja contra os muçulmanos – conhecidas como Cruzadas – marcam esse período, que abriga também o nascimento de pequenas cidades cercadas por fortalezas, os burgos. Nessas vilas, drasticamente afetadas pela peste, nasce um sistema social  diferente da relação entre servos e senhores feudais.
1453 - Moderna
A nova classe dominante, os burgueses, volta-se ao conhecimento clássico (das civilizações da Idade do Ferro), movimento conhecido como Renascimento. A queda de Constantinopla, capital do Império Bizantino, inaugura o período que abriga a Reforma Protestante, o racionalismo e a descoberta da América, três pilares dos tempos futuros.
1789 - Contemporânea
A Revolução Francesa assinala o fim definitivo do regime monárquico. Sob o rótulo do ideal da igualdade, liberdade e fraternidade, triunfa o sistema de divisão do trabalho assalariado. A tecnologia dá um salto gigantesco, que prolonga a expectativa de vida do homem e o torna capaz de viajar até mesmo para fora do planeta. O que será que marcará o fim desse período?

Revista Aventuras na História n° 010

No rastro da peste

Fabio Marton

A peste bubônica, doença que disputa com a malária o pódio da maior assassina de todos os tempos, originou-se no Egito antigo, concluiu um estudo da arqueóloga Eva Panagiotakopulu, da Universidade de Sheffield, Inglaterra. Como a praga foi relatada na China pouco antes que na Europa e seu rato transmissor é originário da Índia, sempre se acreditou que havia surgido na Ásia e foi transmitida até a Europa por caravanas medievais de comércio de seda.
Especialista no estudo de insetos em ruínas arqueológicas, Eva achou vestígios de pulgas e ratos em escavações da antiga cidade de Amarna, no Egito. Segundo ela, ratos das margens do Rio Nilo, que invadiam casas durante cheias, infectaram os ratos pretos, que chegavam da Índia em navios mercantes e voltavam levando a praga ao resto do mundo. Eva apóia-se também num papiro de 1500 a.C., que descreve uma epidemia com sintomas semelhantes à peste, como bulbos com pus. A doença, após aparecer em focos isolados no Império Bizantino (atual Turquia) do século 6, atacou os europeus em 1347, matando 25 milhões de pessoas em cinco anos.

Revista Aventuras na História n° 010

Torre de Pisa: certa por linhas tortas

Tatiana Penido

Se não fosse torta, a Torre de Pisa talvez já tivesse sido esquecida. Conheça a irônica história da construção que deixou de ser um problema arquitetônico para se tornar um dos prédios mais conhecidos do mundo.
No início de 1902, surgiu uma falha em uma das imponentes arcadas da torre da praça São Marcos, em Veneza, na Itália. Arquitetos e engenheiros locais examinaram-na e concluíram que o dano era insignificante. Nada que não pudesse ser reparado durante a manutenção de rotina, pela qual todo o magnífico patrimônio histórico da cidade passa de tempos em tempos. Meses depois, nenhuma providência havia sido tomada e a fissura cresceu a ponto de pequenos pedaços da construção caírem  na praça. Em 14 de julho, segunda-feira, um engenheiro municipal e um inspetor de polícia aproximaram-se da torre e descobriram assombrados que a rachadura percorria toda a construção, desde o solo até o último andar. Prevendo um desastre, ordenaram a evacuação do edifício e de toda a praça. Às 9h47, a fissura arrebentou em um estrondo. Entre gritos da multidão, o teto balançou, os sinos emitiram seus últimos toques e a torre inteira ruiu, desaparecendo numa nuvem de poeira.
A tragédia não deixou mortos nem feridos, mas enterrou um dos símbolos da Itália (que seria reconstruído dez anos depois). O episódio também teve uma conseqüência singular: chamou a atenção para outro monumento, não em Veneza, mas a poucos quilômetros dali, na Toscana. Uma construção de quase 800 anos, legítima representante da arquitetura medieval, que há tempos permanecia num terrível cai- não- cai: a até então decrépita e esquecida torre de Pisa deveria ser salva a qualquer custo.
Construída na praça central da cidade para abrigar os sinos, ao lado da catedral de Santa Maria Maggiore, do batistério e do cemitério de Camposanto, a torre jamais foi perpendicular ao solo. “Ela começou a entortar em 1178, quando apenas três dos sete andares haviam sido erguidos”, afirma o jornalista americano Nicholas Shrady, em seu livro Tilt, a Skewed History of theTower of Pisa (Inclinação, a História Oblíqua da Torre de Pisa, inédito em português). Mesmo assim e apesar de duas longas interrupções, a obra prosseguiu e, ao ser inaugurada em 1370, sua inclinação já era de 1,6 grau, o que equivale dizer que o eixo vertical da torre desviava mais de 1 metro, desde a base ao topo.
Feita de mármore e com 58,36 metros de altura da sua fundação (55 metros se for medida desde o solo), a torre de Pisa era para tornar-se um símbolo de riqueza e poder da cidade e uma provocação aos moradores de Florença e Gênova, concorrentes ao posto de principal porto e centros comerciais no fim da Idade Média. Mas desde o começo foi motivo de piada, controvérsias e mitos. Alguns achavam que os operários que a ergueram conspiraram para entortá-la em protesto pelos baixos salários. Outros, que a inclinação era fruto de uma maldição dos árabes ou genoveses. Os fiéis católicos, porém, diziam ser um fenômeno divino: a torre construída no Campo  dei Miracoli (ou campo dos milagres, em português), teria sido entortada por Deus. A mais curiosa, porém, era a teoria de que William de Innsbruck, um dos pioneiros do projeto da torre, intencionalmente a criara torta para lembrar  de seu próprio desvio físico: William era corcunda.
Descoberto apenas no século 20, o real motivo para a inclinação é bem mais trivial: o pesadíssimo campanário de mais de 14 mil toneladas foi construído sobre um terreno pantanoso e instável. Mas, desde 1298, quando os mandatários de Pisa formaram a primeira comissão para estudar a tortuosa postura da torre, nenhuma das tentativas de salvá-la cogitou torná-la reta. O que se queria era evitar que ela tombasse.
No século 19, a torre parecia ter atingido o equilíbrio. As medições indicavam que há 300 anos ela permanecia imóvel. Diante da notícia, arquitetos e historiadores defendiam que o desvio do campanário era proposital e nisso estaria o brilhantismo de sua arquitetura. Nesse período, o poeta inglês Percy Bysshe Shelley e sua mulher, a romancista  Mary Shelley, instalaram-se em Pisa procurando inspiração nas ruínas e na tranqüilidade do lugar. Formou-se um pequeno círculo de escritores românticos, que chegou a contar com o também poeta inglês Lord Byron que, em Pisa, escreveu um de seus poemas mais famosos, o satírico Don Juan. “A torre passou a ser destino de peregrinações meio turísticas, meio místicas. Era a época do ela é torta, mas nós a amamos”, diz Shrady. Para receber a quantidade crescente de visitantes, a cidade e especialmente o Campo dei Miracoli precisava de uma revitalização. Foi encarregado da tarefa o arquiteto italiano Alessandro della Gherardesca, em 1838.
Expoente da arquitetura neo-gótica da Toscana, Gherardesca arejou a torre, retirando as estruturas supérfluas que a circulavam. Foram removidos os muros que a separava dos pomares ao leste e o gradil ao redor dela. Escavar a base da torre para desenterrar a base das colunas sob o solo, no entanto, mostrou-se uma má idéia. Os trabalhos atingiram um lençol freático e a base da torre foi inundada.
Gherardesca foi demitido. Em 1934, sob os auspícios do ditador Benito Mussolini, decidiu-se por uma grande obra de retenção: foram perfurados 361 buracos na base do edifício e injetadas 90 toneladas de cimento para solidificar a fundação. Nos oito meses que se seguiram, a torre permaneceu em constante movimento, oscilando para sudeste, norte e depois oeste. As mudanças eram medidas em frações de milímetros, mas, após meses de agitação, o campanário parou na posição em que estava antes.
O descanso durou pouco. Em julho de 1944, durante a Segunda Guerra Mundial, militares americanos forçaram tropas alemãs a recuar até Pisa. A cidade tornou-se palco da batalha e a torre foi interditada. Os americanos desconfiavam que ela fosse utilizada como posto de observação e abrigo de franco-atiradores alemães. Por pouco, não foi alvo de um bombardeio aliado. O conflito deixou a praça do Campo dei Miracoli em ruína, o cemitério de Camposanto foi parcialmente destruído. Em meio à paisagem arrasada, a torre pendente permaneceu de pé.
Em 1988, novo susto. A torre foi interditada à visita pública, quando uma equipe internacional anunciou que estava prestes a cair. Foram tomadas medidas emergenciais, como o reforço das estruturas com fibras de aço e a instalação de um contrapeso formado por 97 blocos de chumbo, com 10 toneladas cada um, colocados em sua face norte.
As obras detiveram a queda, mas o resultado estético foi bem menos satisfatório. Com a instalação de sensores especiais para a medição do vento, da temperatura, radiação solar, atividade sísmica, movimentação horizontal, da variação dimensional na vertical e da largura das fissuras transformaram a torre de Pisa no mais monitorado edifício do mundo. Um prédio inteiro na UTI.
Em 1995, começou a instalação de cabos subterrâneos a 40 metros da superfície. Enquanto o solo era perfurado, injetava-se nitrogênio líquido para congelar a água ao redor e prevenir inundações. Tudo corria bem até as brocas alcançarem o lado sul da torre. De repente, o prédio desviou-se 4 milímetros para o sul e os trabalhadores correram para colocar mais cabos de sustentação. Com a torre mais próxima do que nunca do colapso, as obras foram suspensas.
Em 1997, após um terremoto que devastou a cidade de Assis, a 200 quilômetros de Pisa, as mais brilhantes mentes da engenharia e toda a tecnologia disponível foram reunidas contra a torre que há 800 anos testava a perícia, a paciência e os nervos dos especialistas.
Restava uma alternativa: a chamada técnica de extração de solo criada pelo engenheiro inglês John Burland, do London Imperial College, utilizada com sucesso para salvar a Catedral Metropolitana da Cidade do México, após o terremoto de 1985. A prática consiste em escavar o solo abaixo da fundação trazendo a construção de volta à posição original. O processo é caro, demorado e arriscado. Por três anos foram criados modelos digitais e feitas análises do terreno. Foram construídas maquetes da torre usando alumínio e concreto e realizados testes até a equipe aprender a extrair o solo controlando de forma milimétrica o movimento das torres em escala. O fechamento da torre havia custado à cidade perdas incalculáveis em turismo. Era hora de agir. Brocas especialmente projetadas para o trabalho perfuraram o lado norte do terreno a 5 metros de profundidade e o solo começou a ser extraído. Um mês depois, a torre havia se movido 5 milímetros e, pela primeira vez na sua história, na direção certa.
Mais de 60 toneladas de terra foram extraídas do subsolo e a estrutura retornou 40,6 centímetros até a marca em que estava antes da infeliz reforma de Gherardesca, e com a qual, atualmente, repousa em paz. Reaberta ao público em junho de 2001, a torre ostenta sua e admirável (e segura) inclinação de 5,5 graus para o sul.
Cai- não- cai
Em mais de 800 anos, a torre deu muito susto, mas continua de pé.
Você conhece o ditado: nasce torto, morre torto. Nesse caso, no entanto, o fato de ser torta é que atraiu a atenção e a simpatia do público para a Torre de Pisa. Sua particular inclinação tem garantido, também, os esforços de autoridades, técnicos e políticos para salvar, preservar e manter de pé o campanário medieval. Torre que nasce torta, não morre nunca.
1173
Iniciam-se as obras de construção da Torre de Pisa.
1178
A torre começa a entortar quando apenas três andares foram erguidos.
1228
Guerras entre Pisa e Florença interrompem a construção da torre.
1254
Florença derrota Pisa. A cidade é obrigada a pagar uma grande quantia aos vencedores.
1272
Os trabalhos são retomados.
1278
A torre chega à altura que tem hoje, mas ainda não está pronta, quando as obras param novamente.
1284
Gênova vence Pisa na batalha de Meloria: 5 mil pisanos morrem e 11 mil são presos.
1298
Formada a primeira comissão de especialistas para estudar a inclinação da torre.
1370
A torre é oficialmente inaugurada. Sua inclinação é de 1,6 grau.
1564
Nasce, em Pisa, Galileu Galilei. Ele é batizado à sombra da torre.
1787
Alessandro Da Morrona, arquiteto italiano, mede a inclinação da torre em seis braços e meio (cerca de 3,8 metros).
1817
Edward Cresy e George Ledwell Taylor, engenheiros ingleses, também medem a torre: 12 pés e 7 polegadas, ou 3,84 metros.
1838
O arquiteto Alessandro della Gherardesca escava sob a torre e inunda suas fundações.
1934
Um mega plano do ditador Benito Mussolini propõe salvar a torre. Ele injeta toneladas de cimento sob as estruturas para tentar estabilizá-la. A torre não se mexe 1 milímetro.
1943-1945
Durante a Segunda Guerra, a cidade é bombardeada, o domo da igreja, o batistério e a torre sobrevivem. Mas o cemitério de Camposanto é atingido por granadas.
1989
Em 17 de março, uma antiga torre em Pavia cai e mata quatro pessoas.
1990
O governo italiano decide interditar a torre para a visitação.
1995
Em setembro, durante obras de retenção, a torre inclina 5 milímetros em uma única noite e chega mais perto do que nunca do colapso.
1999
Os engenheiros começam o delicado processo de extração de terra que promete ser a solução para estabilização da Torre de Pisa.
2001
Em 16 de junho, o mundo todo celebra a restauração da torre.

Revista Aventuras na História n° 010

Invenções: como fazíamos sem...

Bárbara Soalheiro

Conforto e praticidade eram palavras quase enigmáticas para alguém que tenha nascido no começo do século 19. Saiba o que nossas bisavós faziam para se virar sem geladeira, talheres, móveis ou privadas.
Se há um cômodo imprescindível em uma casa, esse é o banheiro, certo? Não se você tiver nascido há mais ou menos 200 anos. Até a metade do século 19, nem os palácios mais luxuosos tinham privadas ou banheiras. E não era só isso que faltava. Objetos tão indispensáveis para nós, como geladeira, máquina de lavar ou camas, só se difundiram a partir do século 20. Sem esses aparatos, a rotina há até bem pouco tempo era difícil, regrada e malcheirosa.
... Banho
O costume de banhos é a prova de que não são exatamente os tempos que determinam as tradições, mas o caráter de cada povo. Já no século 19 – enquanto os europeus fugiam da água como se ela fosse praga –, os banhos públicos eram um dos programas favoritos dos japoneses. Na Europa medieval, as casas tinham tinas com água e eram usadas para a limpeza de algumas partes do corpo. A idéia de banhar-se com freqüência era tão absurda  que, quando Pedro Álvares Cabral chegou ao Brasil, em 1500, ficou espantado ao ver que os índios entravam na água mais de dez vezes por dia. Até o século 19, acreditava-se na Europa que banhos facilitariam a entrada de germes, já a água quente dilatava os poros. Só no fim do século 18 é que os médicos começaram a recomendar que as pessoas se lavassem com maior freqüência. Mesmo assim, as recomendações restringiam-se a algumas partes do corpo, como as mãos e o rosto. As banheiras com escoamento de água chegaram às Américas por meio de Benjamin Franklin em 1790. Mas os banhos demoraram a tornar-se uma rotina. Quando a rainha Victoria chegou ao Palácio de Buckingham, em 1837, não havia banheira no lugar e até 1870 pouquíssimas casas dispunham do aparato.
... Geladeira
Estocar carnes e frutas era uma tarefa árdua até o século 19. Na Europa, para aumentar a validade desses alimentos, os homens salgavam as carnes, secavam as frutas e deixavam-nos em um quartinho escuro, longe da luz e do calor. Já no Brasil, a abundância de frutas frescas tornava o estoque desnecessário. Quanto às carnes, em vez de guardá-las em locais escuros, os brasileiros deixavam-nas expostas ao sol. O costume deu origem à carne-de-sol, tão comum no Nordeste do país. No século 18, os ricos europeus criaram as primeiras geladeiras: um buraco em alguma parte da casa, cheio de gelo ou neve e palha. Havia até mesmo um profissional, responsável por buscar a neve nas montanhas, os “geladeiros”. Eles recolhiam neve no inverno e estocavam em poços escavados em partes altas das cidades, para vender no verão. “A comida durava de um inverno a outro”, diz Raffaella Sarti, professora de história da Universidade de Urbino, na Itália. Foi só no século 19 que apareceram as primeiras geladeiras. O inventor americano Jacob Perkins patenteou, em 1834, a primeira máquina refrigeradora que usava éter em um ciclo de compressão de vapor (mais tarde, o líquido foi substituído por amônia e hidrogênio). As geladeiras eram restritas aos ricos até a metade do século 20, quando começaram a se popularizar.
... Móveis
As casas européias comuns, até o século 16, pareciam salões de festas: sem divisões de cômodos e com os pouquíssimos móveis que existiam até então. As roupas e os raros objetos pessoais da gente comum eram guardados em cestos. No século 19, esses cestos foram substituídos por baús, que também serviam de assentos. Mesas e cadeiras só tornaram-se comuns durante o século 18. As camas, que existiam desde a época grega, eram um luxo para poucos e, aqui no Brasil, chegavam a fazer parte do dote de moças. Pobres e ricos dormiam no chão, sobre um pouco de palha, mas visitantes tinham que ser recebidos em leitos. No Brasil, sob influência dos costumes indígenas, escravos e empregados dormiam em redes feitas de palha.
... Calefação
A falta de calefação nunca foi um problema brasileiro, mas para os países europeus, obrigados a enfrentar invernos rigorosos, era necessário arrumar maneiras de manter os ambientes e o corpo quentes. Antes do surgimento da eletricidade e do gás, as pessoas usavam lenha, carvão e palha para esquentar as casas. Os mais pobres chegavam a usar esterco, que queimava muito bem, mas obviamente exalava um cheiro detestável. A lareira foi inventada no século 12, na Itália, enquanto em países do norte da Europa as pessoas dormiam perto dos fogões a lenha. Ricos usavam um tipo de cobertor de metal, que era recheado com brasas e colocado entre os lençóis antes que a pessoa fosse dormir. Os mais pobres dormiam, muitas vezes, nos estábulos e nas estâncias com animais, para esquentar-se.
... Sabão e máquina de lavar
Sabão foi um produto caro durante séculos. Para lavar roupas, mulheres utilizavam uma mistura de água com urina, já que essa continha amoníaco que clareava a roupa. No século 13, a indústria de sabão chegou à França, vinda da Itália e da Espanha, com sabões feitos de gordura de cabra e cinza de plantas. Depois de muito tempo, a gordura animal foi substituída por azeite de oliva. Mas, na hora de lavar roupa, sabão não era o único problema em um mundo sem água corrente. Era quase impossível lavar qualquer coisa em casa. O mais comum é que mulheres fossem até os chafarizes, no centro da cidade, ou até os rios (um costume ainda comum no interior do Brasil). No século 19, apareceram as primeiras lavadoras manuais, que lavavam e escorriam a roupa. E foi só no século 20 que apareceram as lavadoras elétricas. Mais precisamente, em 1910, quando o americano Alva Fischer patenteou uma máquina com um motor que fazia girar um tambor onde se colocava água e sabão.
... Privadas
Pode parecer estranho, mas os maiores beneficiados com a invenção de privadas não foram aqueles com vontade de usar o toalete, mas os transeuntes das ruas das capitais. Antes de o utensílio ser inventado, homens e mulheres faziam suas necessidades em baldes e despejavam o conteúdo nas ruas. Em Paris, para alertar os que passavam, gritavam “Água vá!” antes de jogar fezes e urina pela janela. No Rio de Janeiro ou em Salvador, nem isso. Os nobres tinham lacaios ou escravos para segurar os urinóis e as latrinas. Mas muita gente virava-se como podia. Crianças, por exemplo, iam até a porta de casa e faziam xixi na rua, tranqüilamente. Em 1597, John Harington inventou o primeiro WC (water closet ou armário de água) de que se tem notícia: um assento de madeira, uma caixa -d’água e uma válvula de descarga. Ele instalou sua obra prima para a rainha Elizabeth I no palácio de Richmond. O aparelho era caro e a maioria das pessoas tinha de esperar pela fila em banheiros públicos. Na segunda metade do século 19, começaram a funcionar os sistemas de encanamento subterrâneos que permitiam o escoamento dos dejetos. “As galerias subterrâneas são os órgãos da cidade grande e vão trabalhar da mesma maneira que os órgãos humanos, mas sem serem reveladas”, teria dito o prefeito francês Georges-Eugène Haussmann em 1858.
... Fósforos
O palito de madeira com cabeça química não parece uma invenção das mais modernas. Mas é. Até o acendedor de fogão alimentado com álcool, criado em 1823, surgiu antes. Foi em 1827 que o químico John Walker criou os fósforos de fricção. Mas o uso do instrumento só popularizou-se depois da segunda metade do século 19, quando o sueco Johan Edvard Lundstrom patenteou palitos mais seguros. Antes disso, acender o fogão dava um trabalho pré-histórico e, exatamente por isso, era uma tarefa de empregados. Além de um bocado de material extremamente seco (palha, feltro ou outro retalho) e de duas pedras, eram necessários paciência e destreza. O interessado em ver qualquer coisa pegar fogo tinha de esfregar as pontas dos pedaços de pedra bem perto do material que servia de pavio. Depois de muitas tentativas, alguma faísca prendia-se ao material seco. Nessa hora, era preciso aumentar o volume de palha e torcer para que o fogo se espalhasse. Com tanto trabalho, não é de se estranhar que, já no século 20, o inglês Maurice Baring tenha escrito, por meio de seu personagem Jean François, a Balada do Paraíso Imaginário, com o verso Remember this, the worst of human ills: life without matches is a dismal thing (Lembre-se disso, a pior doença humana: a vida sem fósforos é uma coisa fúnebre). Achou que a pior parte de um guisado era descascar as cebolas?
... Cuecas e calcinhas
Até o século 19, a maioria das mulheres não usava nenhum tipo de roupa íntima. Quando vestiam algo por baixo da roupa comum, eram peças largas. As roupas íntimas ajustadas ao corpo, como conhecemos hoje, são um invento bastante recente. No século 18, calcinhas eram consideradas vestes de prostitutas e atrizes (palavras que, na época, eram quase sinônimo). Já a cueca é um costume antigo: desde o século 6, influenciados pelos celtas, homens vestiam cueca de diversos tipos, justa, larga, curta ou comprida. No século 14, as favoritas eram compridas e usadas por cima da roupa comum, demarcando a genitália. Quando os espartilhos se popularizaram, a partir do século 18, eram tão apertados que faziam as mulheres desmaiar. Em, 1859 um jornal parisiense relata a morte de uma jovem, da qual todas as rivais admiravam a cintura fina e conta que, durante a necrópsia, se verificou que o fígado estava perfurado por três costelas. “Eis como se pode morrer aos 23 anos, não de tifo nem de parto, mas por causa de um espartilho”, concluía o artigo.
... Máquina de costura
A primeira máquina doméstica foi a de costura. A idéia de que um aparato mecânico podia realizar uma tarefa tão “manual” e enfadonha dava a ela um caráter quase milagroso. A primeira patente de uma máquina de costura foi concedida em 1790, ao americano Thomas Saint, mas historiadores acreditam que ela nunca tenha saído do papel. A mais famosa máquina de costura foi patenteada pelo alemão Isaac Singer, em 1857 (tanto que seu sobrenome virou sinônimo do instrumento por muitos anos). Alguns modelos, movidos por um motor a gás, eram barulhentos e até perigosos. Ainda assim, eram preferíveis ao trabalho de coser à mão. Isso tudo num tempo que comprar roupas prontas era coisa para os ricos.
... Talheres
Facas, garfos e colheres utilizam um mecanismo tão simples que parecem terem sido inventados em um passado remoto. E foram. Mas seu uso só popularizou-se da maneira como utilizamos hoje durante o século 18. Ou seja, até bem pouco tempo atrás, os participantes de qualquer refeição (desde os almoços triviais até grandes banquetes) usavam as mãos para pegar a comida do prato. A falta de talheres influenciava também o cardápio nas mesas nobres. “Durante os séculos 18 e 19, as pessoas comuns comiam espaguete com as mãos. Quando o garfo foi inventado, massa virou comida para a realeza também, porque agora eles podiam comer sem perder a dignidade”, diz a americana Linda Stradley, especialista em culinária. Talvez tenha sido por isso que os italianos se interessaram logo por talhares. Já no século 16, eles eram os únicos na Europa que comiam com garfos e facas individuais. Na Inglaterra e França, as mesas só tinham duas ou três facas. Todos serviam- se da mesma travessa, usando as mãos. As sopas eram colocadas em uma mesma tigela, de onde bebiam duas, três ou mais pessoas. Talheres eram tão raros que apareciam em testamentos e garfos chegavam a ser malvistos pela Igreja. “Deus em sua sabedoria deu ao homem garfos naturais – seus dedos. Assim, é um insulto a Ele substituí-los por garfos de metal”, diziam os padres no século 18, segundo James Cross Giblin em From Hand to Mouth (Da Mão à Boca, sem versão em português). Apesar de ter aparecido mais cedo, guardanapos também estiveram de fora das refeições por muitos séculos. Até o ano 1400, mais ou menos, homens e mulheres assoavam  o nariz ou limpavam a boca nas próprias mãos. As mesmas mãos que serviam da travessa coletiva.
... Relógio
Desde tempos remotos, o homem mede o tempo pela observação da natureza e dos planetas. Mais tarde, surgiram os relógios de sol, de areia e de água. É claro que nenhum deles marcava o tempo com muita precisão, mas a rotina de nossos antepassados tampouco exigia esse tipo de rigor. O calendário agrícola, com o calendário religioso, regia a vida nas sociedades. Foi no século 13 que apareceram os primeiros relógios mecânicos. No século 16, Galileu criou o modelo de pêndulo. Só com a revolução industrial, no século 18, e com as jornadas de trabalho rígidas é que relógios individuais passaram a ser fabricados. Mesmo assim, o uso massivo só popularizou-se durante o século 20.
O jeito brasileiro
Cada povo ou país se virava como podia antes que os aparelhos modernos se espalhassem pelo mundo. Saiba como nós, brasileiros, vivíamos sem...
... Ferro elétrico
Se lavar roupas já dava trabalho, imagine deixá-las tão esticadas quanto mandava a moda do século 19. Antes da eletricidade, a maioria dos ferros tinha uma cavidade onde se colocavam brasas quentes. Outros, nem isso, e era preciso esquentá-los direto no fogo, repetindo a operação sempre que esfriava. Para deixar a roupa mais lisa, usava-se farinha de mandioca e água para fazer uma espécie de grude fino que ficou conhecido como goma (daí a expressão “engomar a roupa”). Depois de seca, a peça era mergulhada em uma bacia que continha água e um pouco da goma e colocada ao sol novamente. Algumas mulheres também espalhavam cera de vela para dar mais brilho aos vestidos.
... Geladeira
Quando o escritor brasileiro Mário Souto Maior chegou com um refrigerador a querosene em Bom Jardim, interior de Pernambuco, a cidade parou para ver. “Foi uma loucura. Todo mundo ia lá em casa só para olhar o aparelho”, afirma Carmem Souto Maior, viúva de Mário. Ela não se lembra bem da data, mas foi só a partir da década de 30 que as famílias brasileiras começaram a comprar geladeira importada dos Estados Unidos. A principal mudança na casa foi o tamanho da despensa. “Antes, ela era enorme. Havia várias mantas de carne-de-sol e cestas cheias de ovos. Muita coisa estragava e o estoque tinha de ser maior”, diz Carmem. A outra vantagem do refrigerador foi variar o cardápio. “Finalmente, dava para guardar a carne crua. Antes, o melhor jeito de conservar era assando. E eu não agüentava mais comer carne assada!”
... Telefone
Antes de os aparelhos de telefone se popularizarem, o que só ocorreu a partir da metade do século 20, transmitir recados era penoso e demorado. Quem podia, contratava um contínuo, uma espécie de office-boy do século passado. “Quando ficava trabalhando em casa, sem aparecer na repartição, o ministro queria o contínuo perto de si, pronto para receber, introduzir ou mandar embora os visitantes, ou levar à secretaria, rapidamente, qualquer ordem de sua excelência. Naquele tempo não havia telefone”, escreveu Arthur de Azevedo no conto As Barbas de Romualdo. O primeiro aparelho telefônico brasileiro foi instalado na residência de dom Pedro II, em 1877, apenas um ano depois de a invenção ser patenteada pelo escocês Alexander Graham Bell.
... Ventilador
O calor dos trópicos deve ter sido a maior motivação para a patente que Américo Cincinatto Lopes registrou no Rio de Janeiro, em 1883: um ventilador doméstico. De acordo com o livro A Vida Cotidiana no Brasil Nacional, editado pelo Centro de Memória da Eletricidade, da Eletrobrás, o registro de Lopes chegou seis anos antes do projeto de ventilador portátil que George Westinghouse desenvolveu nos Estados Unidos. Antes disso, o jeito mais comum de refrescar-se nas casas e ruas brasileiras era usando leques ou outros materiais para abanar. Ambientes muito grandes e fechados tornavam-se um problema para arquitetos. Quando construíram o Teatro da Paz, na capital do Pará, em 1868, os responsáveis tiveram de desenvolver um sistema de ventilação especial. Sem isso, seria impossível ver ou apresentar qualquer espetáculo no teatro cheio de gente em uma cidade tão quente quanto Belém. Assim, criou-se um ventilador manual que era movido sobre o forro. As saídas de ar foram localizadas embaixo das cadeiras. Também por causa do calor, os assentos não podiam ser de couro ou tecido e, por isso, foram feitos de palha.

Revista Aventuras na História n° 010

No tempo das Carreteiras

Álvaro Oppermann

Quando carros eram chamados de MINHA VIDA ME ULTRAPASSA
Carros híbridos, cortados ao meio e montados em fundos de quintal pelas pessoas que os dirigiam, as carreteiras surgiram na Argentina e cruzaram o Rio do Prata no fim da década de 40. A mania espalhou-se nos anos 50 e 60 pelo Sul e Sudeste do Brasil, atraindo a atenção da incipiente indústria automobilística brasileira. Na foto à direita, a bandeirada para o vencedor dos 500 Quilômetros de Porto Alegre, em 1962.
EM QUALQUER ROTA QUE EU FAÇA
Algumas provas cortavam o país em circuitos de mais de 2 mil quilômetros, como a Grande Prova Getúlio Vargas, que começava em São Paulo, passava por Uberaba (MG) e pelo Rio de Janeiro, terminando novamente na capital paulista. Corridas assim demoravam mais de 20 horas para terminar, e contavam com várias trapaças dos participantes para enganar os adversários. Outras provas foram precursoras  das corridas em autódromos, como a da foto acima, do Grande Prêmio Rio Grande do Sul, realizado no autódromo paulistano de Interlagos, em 1951.
MINHA COR É CICATRIZ
A segurança dos carros deixaria qualquer um de cabelo em pé. Ao lado de dutos de gasolina e com as mãos enfaixadas devido às bolhas criadas por horas no volante, os pilotos perdiam o controle ao desviar cavalos nas provas noturnas nas zonas rurais. Já a platéia, aglomerada na margem das estradas, era atingida por carros em capotagens como a do uruguaio Ramon Sierra, em 1956, em Porto Alegre.
CORRENDO NÃO TENHO MÁGOA
Os primeiros carros que deram origem às carreteiras eram movidos a gasogênio, gás oriundo da queima de carvão que exigia um enorme espaço no automóvel. Quase sempre veículos Chevrolet e Ford dos anos 30 e 40, as carreteiras eram serradas e depenadas, tornando-se máquinas com motores V8 que chegavam 250 km/h. Seguindo o manual do romantismo, os pilotos eram amadores apaixonados por mecânica e pela alta velocidade.

 Revista Aventuras na História n° 010

Londres, a cidade do cocô

A criação do bonde elétrico em Londres, no fim do século 19, deu um baita alívio aos moradores e ao pessoal da limpeza pública da cidade. Antes, com os bondes movidos a cavalo, Londres ficava atolada, todos os dias, pelas fezes de cerca de 40 mil animais.

Revista Aventuras na História n° 010

Dinheiro não tem cheiro

Julia Moióli

Esse dito popular, presente em vários idiomas, tem quase 2 mil anos de existência. Sua origem está na boca do imperador de Roma Vespasiano, que viveu entre os anos 9 e 79. Relatos do historiador romano Suetônio contam que o imperador espalhou pelo seu território impostos bizarros. Quando restavam poucas coisas para serem taxadas, Vespasiano tributou o uso dos mictórios públicos.
Roma tinha então 144 latrinas públicas. Ao lado dos banhos, elas eram muito populares como locais de bate-papo entre os cidadãos. Quando Vespasiano baixou o imposto, irritou até mesmo seu filho Tito, que resolveu inquirir o pai. Vespasiano, em resposta, teria enfiado no nariz do rebento uma das primeiras moedas provenientes dos banheiros, e perguntado algo como: “Incomoda-se com o cheiro?” O filho não sentia nada. “No entanto, provém da urina”, teria dito o imperador, concluindo: “dinheiro não tem cheiro”.
Apesar de narrada por Suetônio como uma anedota sobre a avareza de Vespasiano, a história mostra a batalha do imperador para equilibrar as contas de Roma, submersa numa guerra civil depois da morte de Nero. Sem ligar para o cheiro do dinheiro, ele botou as contas do império em dia.

Revista Aventuras na História n° 010

Outros quinhentos...

Flávia Souto Maior

Quando você usa essa expressão para separar uma história de outra, está seguindo uma tradição ibérica do século 13. Quinhentos era o valor em soldo (moeda antiga de Portugal) que os fidalgos tinham o direito de receber na justiça, caso sofressem algum tipo de injúria. Se a vítima não pertencesse à mesma hierarquia, a indenização a que tinha direito era de apenas 300 soldos. “No direito português antigo, a diferença de tratamento entre nobres e as pessoas do povo era comum”, diz Ignácio Póveda, professor de história do direito da Universidade de São Paulo. Se o mesmo agressor proferisse mais uma ofensa, poderia pagar “outros quinhentos” de multa.
Revista Aventuras na História n° 010

Junho na História

Cláudia de Castro Lima

1494
Representantes de dom João II, rei de Portugal, e os reis Fernando de Aragão e Isabel de Castela, da Espanha, assinam o Tratado de Tordesilhas. O documento dividiu o mundo de uma linha imaginária  traçada de pólo a pólo, a 370 léguas da ilha de Cabo Verde. As terras que ficassem a leste da linha passaram a pertencer a Portugal, enquanto a Espanha se tornou dona das terras ocidentais. O tratado, conseqüência da expansão marítima do século 15, retirou da Igreja o poder de dividir as terras coloniais. Antes, era o papa quem reconhecia a soberania sobre os locais conquistados. Ao descobrir a América, a Espanha requereu a bula. Mas dom João II não concordou com a mudança, que dava à Espanha a parte ocidental de uma linha que saía a 100 léguas de Cabo Verde – o que deixaria Portugal com apenas parte do Atlântico. Como já desconfiava da existência de terras ao sul da América Central, o rei ameaçou uma guerra para mudar a linha imaginária.
Dia 7, na Espanha
79
Sobe ao trono o imperador romano Tito Flávio. Depois de suceder o pai, o imperador Vespasiano , tornou-se popular entre o povo por sua generosidade. Em seu governo, ocorreu a erupção do Vesúvio e o Coliseu foi terminado.
Dia 23, em Roma
1215
O rei inglês João sem Terra, pressionado pelos barões e pelo povo, assina a Carta Magna. O documento, que o impede de aumentar os tributos, é um embrião dos direitos humanos. Proibia, entre outras coisas, a prisão de uma pessoa sem julgamento.
Dia 15, em Surrey, Inglaterra
1728
O capitão  James Cook, exímio navegador e perito em matemática e hidrografia, presencia a passagem do planeta Vênus em frente ao Sol. A viagem foi patrocinada pela Coroa britânica com a justificativa de calcular a distância entre a Terra e o Sol. Mas havia também o interesse em encontrar novas terras na Ásia.
Dia 3, no atual Taiti
1815
O imperador da França, Napoleão Bonaparte, é derrotado na Batalha de Waterloo. Depois de ampliar o domínio francês na Europa, Napoleão começou a decair com a catastrófica campanha da Rússia, em 1812. Seu exército de 72 mil homens foi derrotado por tropas de 68 mil ingleses, belgas e alemães, além de 45 mil prussianos.
Dia 18, em Waterloo, Bélgica
1911
Francisco Madero assume o governo do México. O ditador Porfírio Diaz, unido aos grandes proprietários de terra, havia renunciado pressionado pelos revolucionários, que iniciaram uma rebelião em 1910 comandados por Madero,  Emiliano Zapata e Pancho Villa.
Dia 7, na Cidade do México
1964
O senador pelo estado de Goiás Juscelino Kubitschek tem seus direitos políticos cassados pelo primeiro ato institucional da ditadura militar. Sua idéia era retornar à presidência do Brasil nas eleições previstas para 1965.
Dia 3, em Brasília

Revista Aventuras na História n° 010

Tróia: Homero em Hollywood

Jones Rossi

Chegou a vez da obra que representa o marco inicial de toda a literatura ocidental ser levada ao cinema americano. Os 15 693 versos de Ilíada, de Homero estão nas telas desde 14 de maio, estrelando Brad Pitt como o herói Aquiles. Agradando gregos e troianos, o filme Tróia aliou a exagerada narrativa do épico e o cinemão de Hollywood, com fidelidade histórica à Idade do Bronze (3500 – 1000 a.C.), época em que teria ocorrido a guerra de Esparta contra Tróia. Mas, afinal, o que nisso tudo é fato ou literatura?
O filme conta o triângulo amoroso de Páris, o príncipe de Tróia, apaixonado por Helena, a rainha de Esparta, mulher de Menelau. O troiano rouba a pretendida, levando-a para Tróia. Para recuperar a honra, várias cidades gregas vão combater Páris em busca de Helena. O poema de Homero trata apenas de uma parte do conflito, o décimo ano da guerra. Já o filme mostra o que se chama de ciclo épico, contando toda a história, que vai do casamento de Helena e Menelau até a queda de Tróia.
Por ser escrita 400 anos depois dos fatos que narra, Ilíada foi considerada ficção pura até 1870, quando o arqueólogo alemão Heinrich Schliemann, baseado somente nas descrições do poeta grego, encontrou restos da cidade na colina de Hissarlik, Turquia. Achou ali milhares de artefatos de ouro e prata, além de sinais de guerra, como construções destruídas ou com marcas de incêndios. Desde então, sabe-se que Tróia realmente existiu até por volta de 1250 a.C.
Mas não se pode afirmar o mesmo sobre Homero. Por causa de erros de continuidade e histórias contraditórias em Ilíada e Odisséia, há quem duvide que as duas enormes obras sejam da autoria da mesma pessoa. O poeta, que viveu no século 7 a.C., foi provavelmente um aedo (espécie de repentista) cego e analfabeto. Com um poderoso poder descritivo e narrativo.
Guerra a pé
Para Luiz Alberto Cabral, especialista em língua e literatura grega antiga que analisou cenas de Tróia a pedido de Aventuras na História, o filme pode ter pecado por limar os exageros do seu roteiro original, mas aproximou-se da história. “A variedade de cores era tão grande em Ilíada que Homero compara a marcha dos guerreiros à própria luz do Sol”, diz. As armas usadas no filme são um exemplo de fidelidade histórica que revela muito da Grécia antiga.
Lanças
Para vencer os ágeis carros de guerra de Tróia, os guerreiros valiam-se de lanças compridas e leves, que ofereciam mobilidade e segurança nos ataques
Couraças (Thórax)
Daí veio a palavra tórax do português. Eram parte importante da armadura dos gregos. Feitas de bronze ou até de ouro, poderiam valer uma centena de bois
Calçados
Feitas de couro, as sandálias eram essenciais para a tática grega de guerra. Em vez de lutar em carros de guerra como era comum na Idade do Bronze, a estratégia grega consistia em milhares de homens a pé
Elmos
Um destes capacetes, que eram guarnecidos com crina de cavalo e foram mencionados literalmente em Ilíada, foi encontrado nas primeiras escavações de Tróia
Escudos
Eram redondos e traziam insígnias que variavam de soldado para soldado. O único que usava um escudo retangular e maior era Ajax, o maior guerreiro da Grécia

Revista Aventuras na História n° 010

A São Paulo dos italianos

Lívia Lombardo

Quando o imigrante italiano Umberto Carlini desembarcou em São Paulo, no fim do século 19, encontrou uma cidade sem nada da grandeza e da importância atual. É no meio de muito vinho e muita comida que a família Carlini enfrenta as transformações políticas, sociais e econômicas da São Paulo do século 20. O apogeu e o declínio do café, a industrialização, os movimentos operários, o golpe militar e suas conseqüências são apenas alguns fatos retratados em Sonata da Última Cidade (A Girafa), de Renato Modernell. Um romance admirável que tem como cenário essa enorme cidade de 450 anos.

Revista Aventuras na História n° 010

Museu do Holocausto, em Israel

Em 1953, cinco anos depois da criação do Estado de Israel, uma lei do Parlamento israelense instituiu em Jerusalém o Museu do Holocausto, ou Yad Vashem (expressão retirada do evangelho de Isaías que significa “monumento e nome”). Dedicado à memória do genocídio praticado pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, quando pelo menos 6 milhões de judeus tiveram bens expropriados, foram deportados e mortos, o museu é um enorme arquivo sobre o tema. Além de várias exposições e memoriais, abriga 55 milhões de documentos, incluindo passaportes, registros de confisco de bens, deportações e papéis que incriminam nazistas e colaboradores. Guarda também 2 milhões de páginas de testemunho de sobreviventes em cerca de 20 línguas. Para centralizar e preservar toda a documentação sobre o Holocausto, uma equipe pesquisa arquivos do mundo inteiro, que são levados para Israel. O museu já recebeu visitas de personalidades como o papa João Paulo II e o cineasta judeu Roman Polanski, diretor de O Pianista. Polanski encontrou nos arquivos do museu o registro de seu pai em um campo de concentração. Para todo esse patrimônio histórico, o Museu do Holocausto ocupa uma área de 180 mil metros quadrados (o equivalente a 25 campos de futebol), em que tudo, desde o jardim até uma ambulância, lembra os personagens e as vítimas dessa história.
1. Mapa das mortes
Em 107 paredes de pedra que correspondem, a grosso modo, ao mapa da Europa e do norte da África, estão gravados os nomes e as histórias de 5 mil comunidades judias, a maioria destruída durante o Holocausto. Os nomes em hebraico estão escritos na forma antiga da língua, de 2 mil anos atrás. Os vários tamanhos das letras indicam diferentes comunidades homenageadas.
2. Trem infame
Um trilho quebrado com um vagão quase caindo num abismo foi a forma que o museu encontrou para lembrar todos os judeus que foram tirados de suas casas e de suas famílias e levados aos campos de concentração. O vagão é original da época: foi um dos muitos usados para transportar as vítimas.
3. Operação resgate
Com o fim da guerra e a aproximação da derrota alemã, a Cruz Vermelha sueca conseguiu a permissão do exército nazista para resgatar alguns dos prisioneiros dos campos de concentração. Cerca de 25 mil deles, a maioria mulheres e crianças, foram transportados em 36 ambulâncias suecas. Uma delas está exposta no museu de Jerusalém.
4. Arte e memória
Quadros, esculturas e instalações formam a maior coleção de arte inspirada no Holocausto no mundo. A artista checa Elsa Pollak exibe esculturas que criou com base nas recordações de Auschwitz. Artistas das segunda e terceira gerações de sobreviventes enriqueceram a coleção com obras multimídia.
5. Todos os nomes
Familiares e amigos dos que morreram no Holocausto são convidados a preencher as páginas de testemunho, com informações sobre quando, onde e como morreram. O banco de dados tem cerca de 3,2 milhões nomes registrados e deve estar disponível este ano na internet.
6. Minuto de silêncio
Realizam-se aqui as cerimônias de homenagem aos que morreram durante o Holocausto. No meio da sala, está a chama eterna, um fogo que não foi apagado desde a criação do museu, e uma cripta onde estão enterradas cinzas de vítimas trazidas dos campos de extermínio. Os nomes dos 22 principais campos estão gravados em pedras no chão.
7. Imagem do mal
Fotos, documentos, vídeos e jornais da época contam a história do Holocausto de forma cronológica. Estão retratadas aqui todas as fases da perseguição aos judeus: a política anti-semita da década de 30, os primeiros anos da guerra, o extermínio em massa conhecido como “solução final”, a resistência judaica e a libertação, em 1945.
8. Futuras gerações
As mais de 1,5 milhão de crianças vítimas dos nazistas são lembradas com um memorial em uma caverna. Enquanto anda pelo lugar, iluminado apenas por velas, o visitante escuta o nome, a idade e o local de nascimento de alguns desses meninos e meninas. O museu também promove exposições esporádicas com diários das crianças e brinquedos usados como esconderijos de documentos e dinheiro.
9. Centro de pesquisa
O museu tem uma biblioteca com mais de 72 mil livros e milhares de jornais e revistas sobre o Holocausto, em vários idiomas. O acervo é rico em material visual, com fotos, filmes e depoimentos de sobreviventes gravados em vídeo. Também funciona ali é a sede do Instituto Internacional de Estudos do Holocausto.
10. Árvores da vida
Cerca de 20 mil árvores enfeitam os jardins do museu. Em cada uma, um “não-judeu” que se arriscou para salvar vítimas do nazismo é homenageado com uma placa com seu nome. A primeira delas é dedicada ao alemão Oscar Schindler, que salvou pelo menos 1,2 mil judeus. Em 2003, o embaixador brasileiro na França durante a guerra, Luiz de Souza Dantas, que emitiu centenas de vistos para os judeus perseguidos na Europa, ganhou sua árvore .

Revista Aventuras na História n° 010

Livros em perigo

Fernando Eichenberg

Lutas pelo poder, intolerâncias e guerras religiosas destruíram para sempre parte do conhecimento humano.
Documentos otomanos, tábuas assírias e textos sagrados foram pilhados no ano passado, em Bagdá, no Iraque, no rastro do conflito que tomou o país após a invasão das tropas americanas e inglesas que destituíram e, mais tarde, prenderam Saddam Hussein. A maior parte do estrago foi feita por saqueadores e ladrões baratos que estão colocando no mercado internacional de antiguidades parte desse tesouro. A destruição de livros, no entanto, não é privilégio dos tempos modernos, mas um triste hábito milenar. A lei cega dos conquistadores determina que os subjugados devem mudar de história e de crença: um povo instruído não pode ser governado, diziam tanto as hordas mongóis que invadiram a China no século 12, quanto os nazistas que tomaram a Tchecoslováquia, às vésperas da Segunda Guerra Mundial.
Uma das maiores civilizações da Antiguidade, a egípcia, sofreu com isso mais de uma vez. “Não fosse a inscrição ‘escriba da casa dos livros’ na tumba de um funcionário do faraó Neferikara, que reinou entre 2462 e 2426, poderia se duvidar da existência das bibliotecas egípcias”, afirma Lucien Polastron, historiador francês, autor de Livres en Feu – Histoire de la Destruction Sans Fin des Bibliothèques (Livros em Fogo – História da Destruição sem Fim das Bibliotecas, inédito no Brasil). Segundo ele, as guerras  internas no tempo dos faraós já seguia a máxima “os livros dos meus inimigos são meus inimigos”. Num exemplo disso, o faraó Amenhotep IV, que viveu entre 1353 e 1336, mandou destruir todos os textos sagrados, quando adotou um novo deus e um novo nome: Akhenaton. Ironicamente, depois de sua morte, o mesmo foi feito com tudo aquilo que se escreveu sobre ele.
Séculos depois, o Egito novamente se tornaria centro da cultura mundial. Agora a helênica, espalhada por boa parte do mundo antigo por Alexandre, o Grande. Em sua homenagem, foi reunida em Alexandria uma das maiores coleções de textos já vistas. O incêndio da biblioteca de Alexandria, durante a invasão romana de 48 a.C., permanece até hoje como um exemplo quase mítico da destruição de livros. E mesmo que as estimativas divirjam quanto ao total daquilo que se perdeu (no século 1 a.C. havia cerca de 700 mil volumes no local), o certo é que o prédio abrigou os principais textos da Antiguidade. “Em Alexandria, muitas vezes pela primeira vez, tradições orais foram compiladas em livros”, diz Polestron. No grande incêndio, perdeu-se, por exemplo, as primeiras versões de Ilíada e Odisséia, de Homero, feitas por Zenódoto de Bizâncio (o primeiro dos bibliotecários alexandrinos).
Em 27 a.C., em Roma, o filósofo Marco Terêncio Varrão (116-27 a.C.), chamado de “o mais culto entre os homens da República”, deixou 74 títulos, em mais de 600 tomos, sobre gramática, agricultura e arqueologia. Por razões obscuras, Marco Antônio, fiel escudeiro do imperador Júlio César, ordenou a queima da obra de Varrão, da qual sobraram poucos indícios.
Na China antiga, os dirigentes tinham mentalidade distinta e, por vezes, destruíam as próprias coleções para impedir que fossem tomadas pelo inimigo. Em 544, o imperador Yuan Di queimou os 140 mil livros de sua biblioteca. Diante do fogaréu, ele ameaçou se jogar nas chamas e exclamou: “A cultura desaparece essa noite”.
Ainda mais devastadora, foi a destruição das obras astecas no México. Em 1529, Juan Zumárraga, um dos maiores inquisidores espanhóis no Novo Mundo, mandou queimar tudo o que o conquistador Hernan Cortez não havia destruído. Ao assumir o posto de bispo do México, ele juntou o que havia nos depósitos onde estavam guardados os acervos tomados dos índios e as obras que permaneciam na biblioteca de Anahuac e queimou tudo na praça do mercado de Tlaltelolco. Relatos da época dão conta que o fogo levou três dias para transformar a montanha de papel (e 7 mil anos de civilização) em cinzas. “A perda é ainda mais grave se pensarmos que, ao contrário dos livros da Antiguidade, em que referências cruzadas e outras cópias nos permitiram conhecer seu conteúdo, nesse caso nunca saberemos o que aqueles textos tinham a ensinar”, diz Polastron.
Provando que nenhum conhecimento está a salvo da fúria de seus opositores, os católicos que queimaram os textos ameríndios, também perderam muitos de seus escritos sagrados. O rei inglês Henrique VIII, fundador da igreja anglicana, mandou destruir cerca de 300 mil obras católicas, entre 1536 e 1550. A Revolução Francesa, em 1789, também não poupou os livros, seja na tomada da biblioteca da Bastilha ou na posterior queima de livros, em 1792, diante da estátua de Luís XV.
No século 20, a Segunda Guerra (1940-1945) foi o carrasco maior dos livros. Estima-se em 20 milhões de livros queimados nos bombardeios alemães na Grã-Bretanha, seja pelo fogo ou pela água jorrada pelos bombeiros. Em Florença, em 1944, a biblioteca da Academia de Ciências e Letras foi completamente  destruída.  Na Ucrânia, Hitler impôs a política de “terra arrasada”: aquilo que não pôde ser transportado, foi destruído. O alemães guardaram os quadros do pintor holandês Rembrandt, mas destruíram todas as 19,2 mil bibliotecas do país.
Mais recentemente, o incêndio da biblioteca de Sarajevo pelos sérvios, em 1992, e a queima de livros no Afeganistão pelos talibãs, em 1999, reacenderam o horror da intolerância com a cultura alheia. Para Polestron, essas tragédias têm um agravante: “O livro é uma cópia do homem, queimar o primeiro equivale a matar o segundo”. E pior: é uma tentativa de apagá-lo da história.
Perdidos para sempre
48 a.C.
Os fatos
Incêndio da Grande Biblioteca de Alexandria
O acervo destruído
• Entre 40 mil e 1 milhão de documentos queimados
• Original das escrituras sagradas do Torá, trazido de Jerusalém, datado de 600 a.C.
• As primeiras versões escritas de Ilíada e Odisséia, de Homero
• Os tratados médicos de Hipócrates
• A primeira gramática que se teve notícia, composta por Dionísio de Trácio, no século 2 a.C.
64 d.C
Os fatos
Incêndio em Roma
O acervo destruído
• 109 peças de Plauto (considerado o maior comediógrafo de Roma)
• Hortensius, tratado filosófico de Cícero, e quase toda sua poesia
• Os originais da maior parte de Satiricon, de Petrônio,
• Quase totalidade dos mais de 500 volumes da História Natural de Plínio, O Antigo (sobraram apenas 37)
1258
Os fatos
Tropas mongóis invadem Bagdá
O acervo destruído
• 36 bibliotecas
• Poemas persas, entre eles, alguns dos mais antigos da literatura universal
• Tábuas de barro da Mesopotâmia com mais de 3 mil anos
1453
Os fatos
Tomada de Constantinopla pelos turcos
O acervo destruído
• Textos bizantinos destruídos em 1453 pelos turcos, durante a tomada de Constantinopla
1490
Os fatos
Inquisição na Espanha
O acervo destruído
• Só em Salamanca, 600 obras medievais classificadas de “bruxaria” ou “judaísmo”
1521-1547
Os fatos
Conquista espanhola no México
O acervo destruído
• Milhares de textos sobre astronomia, a sociedade e acontecimentos da história asteca
1536-1550
Os fatos
Henrique VIII brigou com o Papa e mandou destruir textos católicos
O acervo destruído
• 300 mil volumes foram destruídos
1940-1945
Os fatos
Bombardeios e saques A bibliotecas por toda a Europa
O acervo destruído
• Os originais De Humanis Corpori Fabrica (1543), de André Vesálio
• Único volume da edição de 1533 de Pantagruel, de François Rabelais
• Hortus Deliciarum (século 12), de Herrade de Landberg
• Heptateuchon, o livro das sete artes liberais de Thierry de Chartres (1100-1150)

Revista Aventuras na História n° 010

Notícias do passado

Estão neste site edições digitalizadas da maior e mais duradoura revista que o Brasil já teve: O Cruzeiro, que circulou entre 1928 e 1975. Com um acervo digital de 100 edições, a página disponibiliza a publicação em atualizações semanais, muitas vezes de acordo com as efemérides e com o noticiário atual do Brasil, possibilitando ótimas comparações entre o passado e o presente. Há também charges e anúncios publicitários que saíram na revista.


Revista Aventuras na História n° 010

Brechó real de Isabel I

A rainha Isabel I, a mulher que botou a Rússia entre as potências mundiais, curtia trocar de roupa a toda hora. Esse costume chegava a ocorrer três vezes por noite. Em 1762, quando morreu, a gloriosa rainha deixou cerca de 15 mil vestidos de herança.

Revista Aventuras na História n° 010

Autoridades paulistas em maus lençóis

As autoridades paulistas entraram em apuro numa tarde de 1620: o ouvidor-geral português visitaria a vila, e não havia nenhuma cama para acomodá-lo. A solução foi confiscar a cama de um carpinteiro, o único homem da cidade que não dormia em rede ou no chão. Depois da visita, o injustiçado recusou-se a aceitar o móvel de volta. Moveu uma ação de indenização que durou  sete anos. Não se sabe que fim o processo levou.

Revista Aventuras na História n° 010

Os escritores Anne e George

Cláudia de Castro Lima

O que uma adolescente judia, que passou dois anos escondida  dos nazistas, tem a ver com um ex-chefe de Estado do país mais importante do planeta? Tanto Anne Frank quanto George Herbert Walker Bush, mais conhecido como George- pai, nasceram num 12 de junho. Anne, se estivesse  viva, seria mais nova: veio ao mundo em 1929; Bush, em 1924. Mas não é só a data que une a vida dessas duas personalidades. Assim como Anne Frank, George Bush tinha o costume de escrever diários. Lá, ambos falavam sobre seus sofrimentos, mas também faziam questão de ser bem-humorados. Anne contava casos engraçados que passaram em seus esconderijos, e George- pai, as gafes com os outros presidentes do planeta. O diário de Anne Frank virou um livro com tradução para 67 línguas, publicado depois de sua morte num campo de concentração. Já os diários e as cartas do ex-presidente viraram uma autobiografia – cá entre nós, muito menos lida.
Anne e Bush também têm sua vida ligada pelo nazismo, embora de forma diversa. A adolescente e sua família foram perseguidas e sofreram nas mãos dos agentes de Hitler. George Bush, por outro lado, deve parte de sua fortuna a eles: seu pai, Prescott Bush, dirigia um banco que mantinha negócios com figurões nazistas. Assim, enquanto o pequeno George morava em um casarão, Anne escondia-se atrás da empresa do pai, onde ficava em silêncio o dia todo para não ser achada. Lá, sua distração era sonhar em ser escritora – planos que os alemães tornaram póstumo.

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Xadrez e política

Jones Rossi

Talvez você já soubesse que o papa João Paulo II, Che Guevara e Marcel Duchamp fossem exímios enxadristas. Que Fernando Pessoa e Cecília Meireles dedicaram belos poemas ao jogo dos reis. Mas em Tabuleiro da Vida (Senac), o jornalista e vice-campeão brasileiro de xadrez em 1980, Herbert Carvalho, revela histórias muito menos conhecidas dos bastidores do xadrez. Como a ocasião em que, quando fazia uma demonstração de partidas simultâneas em São Paulo, foi preso e acabou no mesmo “xadrez” do atual presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na época líder sindical no ABC.

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sábado, 11 de fevereiro de 2012

Condenados pelo sangue

Lívia Lombardo

Suponhamos que seu pai tenha sido um dos maiores assassinos nazistas. Como você conviveria carregando um nome que é tão repudiado por todos? Tu Carregas Meu Nome (Record) conta como foi a vida daqueles que carregaram sobrenomes como Frank, Hess, Himmler, Bormann, Göring e von Schirach. Os autores, Nobert e Stephan Lebert, relatam casos extremos como o de Niklas Frank, filho do ex-governador da Polônia, que optou pelo caminho do ódio, e o de Grudun Himmler, filha de Heinrich Himmler, chefe da polícia secreta nazista, que tentou seguir os caminhos do pai.
Revista Aventuras na História n° 010
Leandro Narloch

Em Como Nos Tornamos Humanos (Campus), o antropólogo Craig Stanford, da Universidade da Califórnia do Sul, Estados Unidos, apresenta a grande conclusão de suas pesquisas sobre hominídeos na África: foi a capacidade de andar, mais que os atributos de linguagem ou a posse do polegar opositor, que possibilitou a diferenciação da espécie humana. Descrevendo essa habilidade, que teria resultado na caça de animais maiores e, assim, na melhoria da dieta e no processo de aumento do cérebro, o autor fornece um proveitoso panorama das principais teorias e inovações da antropologia física.
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Navio Negreiro: vai pagar quanto, Lloyd·s?

Cynthia Almeida Rosa

Descendentes de escravos americanos processam seguradoras que lucraram com navios negreiros.
No mínimo, 2 bilhões de dólares. Essa é a indenização que um grupo de dez americanos descendentes de escravos exige da Lloyd’s, mais antiga seguradora britânica, por ter feito seguro de navios negreiros antes da abolição da escravatura dos Estados Unidos, em 1860. A empresa não é acusada sozinha: o Grupo FleetBoston (por financiar a transação) e a Companhia de Tabaco RJ Reynolds (por comprar os escravos) também estão no alvo.
O grupo, cujos ancestrais foram transportados de Serra Leoa, Niger e Gana, acusa as três empresas de genocídio, alegando que todas participaram da destruição de comunidades, línguas e culturas diversas. Tem como advogado ninguém menos que Ed Fagan, o homem que arrancou 1,25 bilhão de dólares de bancos suíços que receberam bens confiscados dos judeus vítimas do Holocausto. Para ele, essa é outra causa ganha. Além de uma papelada que registra o seguro realizado para um dos navios, testes de DNA definirão de que regiões da África pertencem cada uma das pessoas que acusam as empresas.
O advogado pode estar otimista demais. A Lloyd’s não é a primeira seguradora a ser acusada de compactuar com a escravidão dos negros. A seguradora americana Aetna já sofreu um processo semelhante. Contra ela, há um documento de 1853, em nome de uma mulher chamada Mary Raby, de Nova Orleans, que pagou 17,25 dólares por um seguro anual – se um de seus escravos morresse, ela receberia 600 dólares. A empresa chegou a pedir desculpas por ter lucrado com a escravidão, mas não foi condenada: o juiz indeferiu a causa por entender que a servidão no passado não tem conseqüências no presente.
O advogado Marco Antônio Zito, presidente da Comissão do Negro e de Assuntos Anti-discriminatórios da OAB de São Paulo, acredita que, no Brasil, esse tipo de ação não ganharia força. “Devemos buscar o resgate social do negro, a igualdade de oportunidades. A grande indenização para o negro brasileiro é sua inclusão”, afirma ele, que é neto de ex-escravos.
Homens ao mar
O costume de segurar a “carga” dos navios negreiros muitas vezes tornava ainda pior a situação dos escravos transportados. Um exemplo é o navio Zong, que em 1871 levava negros da África para a Jamaica. Com várias mortes por falta de comida e água, o comandante da embarcação jogou mais de 130 escravos para fora do navio. Sua idéia baseava-se nos termos do seguro do Zong, segundo o qual mortes naturais não receberiam pagamento, mas por afogamento, sim. Na época, a seguradora contestou o pedido e o caso parar na Justiça. O juiz entendia estar diante de um dilema: “O caso dos escravos seria o mesmo se cavalos tivessem sido jogados para fora do navio”, dizia nos autos do processo. No fim das contas, houve o pagamento da indenização. Por causa da atrocidade, um Museu da Escravidão foi feito no porto de Liverpool, Inglaterra, perto de onde o Zong costumava ancorar.

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