quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

As origens da Luftwaffe (Força Aérea Alemã)

Burlando o Tratado

Com a assinatura oficial do humilhante Tratado de Versalhes, que pôs fim a I Guerra Mundial, não houve outra  alternativa  aos alemães a não ser efetivamente desmantelar e entregar toda a sua Força Aérea. Paralelamente, proibiram a fabricação de todo e qualquer tipo de aeronave e limitaram a frota civil em 140 aviões. Como resultado destas medidas, a indústria aeronáutica alemã virtualmente deixou de existir.
Contudo, os alemães resistiram a esta idéia, vindo a utilizar várias aeronaves na supressão das revoltas comunistas que irromperam no País entre o final de 1918 e meados de 1919.  Cerca de  35 esquadrões foram formados entre os Freikorps (grupos de soldados contra-revolucionários independentes do Exército), o que totalizava algo em torno de 300 aeronaves. A partir de 1922, foi permitida a construção de aviões civis, mas com certas restrições quanto a peso, teto, velocidade e potência
Em 1924 o General Hans von Seeckt (1866-1936), chefe do Estado Maior do Exército, não só tinha assegurado que punhado de oficiais originários do antigo Corpo Aéreo Imperial fosse mantido no novo Reichswehr (que era limitado a 100.000 homens) como também procurou aproximá-los da indústria aeronáutica que começava a ressurgir. Foram estes homens que procuraram incentivar o vôo planado na década de 20 e deram suporte para a criação e expansão da Lufthansa (a principal empresa de vôo comercial da Alemanha). Com isso         buscavam manter vivo o interesse pelo vôo entre as novas gerações.
Mais importante ainda foi o desenvolvimento de um acordo militar secreto com a Rússia, através do Tratado de Rampallo, assinado em 1922. Através deste acordo, além de normalizarem as relações entre os dois países (ambos vistos como párias na comunidade internacional), criou um intercâmbio de cunho aeronáutico muito proveitoso para ambos: enquanto a Alemanha se comprometia a fornecer tecnologia aos soviéticos, estes cederiam as máquinas e o suporte para que os alemães treinassem novos pilotos em território soviético - longe da vigília dos Aliados.
Em 1925 começou a funcionar a base aérea de Lipetz, situada a 483 km a sudoeste de Moscou, equipada com aviões Fokker XIII contrabandeados da Holanda. Lá era feita a reciclagem das Águias Antigas (veteranos da Primeira Guerra Mundial) e o treinamento das Águias Jovens (novos recrutas). Esta base permaneceria aberta até 1933, quando já tinha formado mais de 120 pilotos - a maioria focada para o apoio de tropas terrestres (nenhum foi treinado em técnicas de bombardeio estratégico). Foi também em Lipetz que os protótipos dos novos aviões de combate se submeteram aos testes de armamentos, notadamente os aviões de reconhecimento Heinkel He 45 e He 46, o caça Arado Ar 68 e o bombardeiro Dornier Do 11. Em todos esses casos, as armas e porta bombas tiveram de ser retirados dos aparelhos antes de voarem para a URSS, mas essas peças foram embarcadas para Lipetz em separado e repostas lá.
Por volta de 1926 os alemães tiveram permissão de treinar um máximo de dez pilotos por ano para o exército, ostensivamente com a finalidade de colher dados meteorológicos e proporcionar apoio aéreo para a polícia civil em caso de necessidade. Neste mesmo ano também se suspenderam as restrições à construção de aviões. Já existia uma indústria aeronáutica pequena porém  eficiente, e quase todas as firmas que mais tarde produziriam aviões em massa para a Luftwaffe também já existiam: Dornier em Friedrichshafen, Focke-Wulf em Bremen, Heinkel em Warnemunde, e Junkers em Dessau. Em Augsburg, um jovem projetista chamado Willi Messerschmitt, trabalhava arduamente no desenvolvimento de projetos de aviões esportivos para a Bayerische Flugzeugwerke.
Fundindo-se várias companhias de transporte aéreo de instável situação financeira, criou-se a companhia aérea estatal, Lufthansa, que gozava do patrocínio governamental. Funcionavam já algumas linhas aéreas menores, com vôos regulares para os países da Europa Oriental. Depois de firmar uma série de acordos com os ex-inimigos da Alemanha, a Lufthansa, sob o comando de seu Diretor Comercial, o futuramente famoso Erhard Milch (1892-1972), obteve permissão para estender linhas para a Europa Ocidental. A companhia desenvolveu e aperfeiçoou métodos de vôo noturno e para qualquer tempo, tornando-se uma das tecnicamente mais avançadas do mundo. Pouco depois de sua criação, formou-se um pequeno núcleo de tripulações militares dentro da linha aérea estatal, que treinavam nas quatro escolas de pilotos da Lufthansa. Muitos futuros pilotos da Luftwaffe começaram suas carreiras na Lufthansa que, além disso, permitiu o renascimento dos fabricantes de aviões com os seus pedidos cada vez mais constantes de novas aeronaves.
O Renascimento de uma Força Aérea
Planos para a criação de uma Força Aérea independente - a Luftwaffe - datavam de meados da década de 20. Contudo a Quebra da Bolsa de Valores de New York em 1929,  atrasou e limitou o plano. Assim, o objetivo passou a ser a criação de uma Luftstreikrafte des Neuen Friedenheeres (algo como Corpo Aéreo do Novo Exército dos Tempos de Paz). Esta seria constituída, até 1933-34, de 150 aviões de frente e 50 de reserva, divididos em 22 staffeln, 13 dos quais dedicados à reconhecimento, seis à Caças e três à bombardeiros.
Estes esquadrões eram voltados todos para o suporte de tropas  terrestres, seja atuando como os “olhos” do exército ou como proteção destes esquadrões de reconhecimento (através dos caças). Mais ainda, os alvos a serem bombardeados seriam escolhidos de acordo com os interesses das tropas terrestres, procurando enfraquecer inimigo em nível operacional e tático. Esses planos receberam a aprovação oficial em agosto de 1932, cinco meses antes de Hitler se tornar chanceler do Reich.
Dessa forma, Hitler herdou uma Força Aérea embrionária. Logo após se tornar chanceler em 30 de janeiro de 1933, o líder nazista indicou Hermann Göring como Reichskommissar für die Luftfahrt (Comissário Aéreo do Reich).
Como Göring estava envolvido demais na política ele indicou Erhard Milch para atuar como Staatssekretär der Luftfahrt (Secretário de Estado para a Aeronáutica), sobre quem recairia o verdadeiro trabalho de desenvolver a Luftwaffe.
Imensa tarefa o confrontava, mas, para realizá-la, Milch recebeu todo o apoio do governo. Dentro do mais rígido segredo, ele criou novas escolas de treinamento, providenciou para que se construíssem novos aeródromos e fábricas, e fez grandes pedidos de aviões às várias empresas alemãs.
Um dos primeiros atos de Milch foi ordenar a construção de caças e bombardeiros para ressuscitar a estagnada indústria aeronáutica. Os primeiros modelos solicitados foram o caça biplano Heinkel He 51 e uma conversão para bombardeiro do Junkers Ju 52 e do Dornier Do 23. Mas para Milch, essas máquinas não passavam de tipos intermediários; elas serviriam para iniciar as linhas de produção e dar às suas tripulações experiência com aparelhos relativamente modernos.
A década de 30 trouxe consigo uma revolução no desenho de aviões, quando o biplano revestido de tecido e escorado com montantes, com seu trem de pouso fixo, deu lugar ao monoplano, que era muito mais veloz, com asas inteiramente em cantilever, trem de pouso escamoteável, hélice de passo variável e todo revestido de metal. O objetivo de Milch era ter uma força pronta para receber a nova geração de aviões de combate, quando estes estivessem disponíveis. Para este fim, a nova força aérea deu ênfase primeiramente ao treinamento e quase que metade dos aparelhos pedidos eram máquinas de treinamento: Focke-Wulf Fw 44, Arado Ar 66, entre outros.
Por volta de março de 1935, os alemães sentiram-se suficientemente fortes para revelar sua até então secreta força aérea ao mundo. A Luftwaffe tinha agora 1.888 aviões de todos os tipos e concentrava 20.000 oficiais e soldados. Um a um, os "clubes de pilotagem" e "formações policiais", cuja direção era altamente técnica, foram integrando a nova força aérea.  
Nessa época,  a segunda geração de aviões de combate alemães, os que substituiriam os primeiros tipos intermediários, haviam começado seus vôos de provas. O caça-interceptador padrão, monomotor, era o Messerschmitt Bf 109, como caça "destruidor" de longa distância funcionava o Bf 110 Zerstörer, mais pesado e bimotor. Os bombardeiros-padrão eram o Dornier Do 17 e o Heinkel He 111, e para bombardeiros de mergulho de curta distância, havia o Junkers Ju 87 Stuka, mais leve e mais simples. Na segunda metade da década de 30, a última palavra em tecnologia aeronáutica tinha nesses aparelhos, de desenho moderno e grande estabilidade, a sua melhor representação.
Em março de 1936 a Luftwaffe já possuía 2.680 aviões de todos os tipos (incluídos 1.000 bombardeiros e 700 caças). Tal poder permitiu a Hitler, em 07.03.1936 desafiar abertamente o Tratado de Versalhes ao invadir a área desmilitarizada da Renânia sem qualquer oposição aliada. Mas a verdadeira demonstração do poder da Luftwaffe ainda estava por vir.
Guerra Civil Espanhola - O teste de fogo
A Guerra Civil Espanhola começou em julho de 1936 quando um grupo de generais iniciou um golpe militar para depor o recém-eleito governo socialista em Madri. Ao mesmo tempo, o Generalíssimo Francisco Franco (1892-1975), assumiu o poder na Colônia Espanhola do Marrocos em nome dos golpistas.
Infelizmente não podia mover suas tropas para o continente europeu rápido o suficiente para evitar o contra-ataque. A essa altura a Espanha se encontrava dividida entre os rebeldes (conhecidos como Nacionalistas) que mantinham a maior parte do Norte, e o governo (Republicanos) que concentravam- se em Madri, nas províncias bascas, e nas do Sul e do Leste. Esses últimos pediram ajuda aos soviéticos, enquanto que Franco e os Nacionalistas requisitaram auxílio aos governos da Itália e Alemanha.
De início, o apoio aéreo alemão era formado de apenas 20 transportes Junkers Ju 52 e de uma escolta de seis caças Heinkel He 51. Porém a influência dessa pequena força no rumo dos acontecimentos foi muito superior aos seus parcos números.
O General Franco precisava desesperadamente transferir, do Marrocos para a Espanha, tropas que lhe eram leais, e com rapidez. Fazendo até quatro vôos de ida e volta por dia, e transportando cerca de 25 homens, totalmente equipa dos, por viagem, a força de Ju 52 em pouco tempo transportou 10.000 combatentes. Era a primeira vez que se organizava uma operação de ponte aérea em tão grande escala e esta bastou para consolidar a posição vacilante de Franco.
Além de propiciar transporte para as tropas de Franco, os alemães acabaram por expandir seu apoio aéreo através daquela que seria conhecida como Legion Kondor (Legião Condor). No final de 1936, ela compreendia aproximadamente uns 200 aviões (metade desses eram Ju 52 e He 51) e cerca de 5.000 homens. Contudo, não foi até a chegada de novos aviões em fevereiro de 1937 que a Legião atingiu o sucesso. Passou empregar então os primeiros Bf 109 e os Ju 87, além dos Heinkel He 111B e Dornier Do 17, que enfrentariam os russos Polikarpov I-15 e I-16 Rata (caças) e os Tupolev ANT-40 (bombardeiros). Com estes, a Legião Condor logo obteve a superioridade aérea nos céus da Espanha.
Em 25.04.1937, 26 bombardeiros da Legião escoltados por 16 caças efetuaram o mais famoso ataque aéreo da guerra, ao despejarem 45 toneladas de bombas sobre a cidade de Guernica.
Tal ataque causou comoção mundial e levou o famoso artista Pablo Picasso a criar o conhecido mural que imortalizou o episódio. De outro lado, outras potências européias notaram o impacto de Guernica e seu medo do poder alemão cresceu. Hitler exploraria esse medo ao obter a anexação da Áustria em 1938 e a ocupação da Tchecoslováquia em 1939 sem qualquer oposição britânica ou francesa.
Entre junho e julho de 1937 estiveram envolvidos no front de Madri, onde obtiveram a superioridade aérea por volta de 12.07 - tendo perdido apenas 8 aviões para tanto. Também já tinham desenvolvido novas técnicas de suporte, empregando tanto os antiquados He 51 como os Ju 87 Stuka.
Quanto aos caças,  uma nova formação de ataque foi criada por Werner Mölders durante a Guerra Civil e que seria usada pelos alemães e copiada pelos aliados durante a II Guerra Mundial: o schwarm ou finger-four.
Mölders terminaria sua campanha como o maior ás alemão da Legião Condor com 14 vitórias. Já o piloto Nacionalista Joaquín García-Morato y Castano seria considerado o maior ás de todo o conflito com 40 vitórias aéreas.
No entanto, o ritmo alucinante já começava a cobrar seu preço dos pilotos da Legião Condor: voando até sete missões no mesmo dia, os acidentes começaram a ser freqüentes.
Hitler implantou, então, um sistema de revezamento, trazendo de volta os oficiais e pilotos mais antigos e enviando outros novatos para adquirir experiência em combate.
Mesmo assim, os êxitos continuaram: em 07.02.1938 caças da Legião atacaram uma formação de 12 Tupolev ANT-40 derrubando 10 deles sem nenhuma perda.
Com o tempo as forças Nacionalistas foram ganhando auto-suficiência, à medida que os pilotos da Luftwaffe treinavam voluntários espanhóis. Gradualmente, a participação da Legião Condor foi diminuindo em número, mas não em importância, uma vez que as missões mais difíceis eram destinadas à eles. As últimas missões da Legião Condor tiveram lugar em 06.02.1939 - os Republicanos renderam-se em 26.03.1939.
Em 26.05.1939, 5.136 oficias e soldados da Legião Condor chegaram de volta à Alemanha, onde foram recebidos com várias homenagens e recepcionados pelo Führer e por Göring em uma grande parada em Berlim. Mais do que isso, os seus feitos foram excepcionais: 386 aeronaves inimigas foram destruídas (313 em combate aéreo) e 21.000 toneladas de bombas foram lançadas. Tudo isso para a perda de apenas 72 aeronaves em combates e 226 baixas entre pilotos e pessoal de terra. Além disso, o Bf 109 havia se mostrado como o melhor caça da sua época e o Stuka havia demonstrado seu poder de desmoralização do inimigo (particularmente após a adição de sirenes e apitos nos aviões e nas bombas que eram lançadas, visando aumentar o ruído).
Com tudo isso, a Luftwaffe chegava a 1939 com um grupo de pilotos altamente experientes, habilidosos e com um alto grau de motivação. Isso seria a principal força motriz da Força Aérea alemã nos primeiros três anos da guerra e o fator fundamental de sua superioridade.

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