Tráfico internacional de antiguidades fez a China ter 200 mil tumbas violadas em cinco anos.
Na cidade chinesa de Xian, terra dos famosos guerreiros de terracota, moradores locais aventuram-se numa escavação perigosa. Em troca de 60 dólares por noite de trabalho, descem a 35 metros da terra em busca de um tesouro: 200 estátuas de cerâmica da tumba da rainha Dow, mulher do imperador Wen-di da dinastia Han, que morreu em 135 a.C. Entre as relíquias, está uma série pintada com figuras femininas representando as lacaias da imperatriz. Apenas três meses depois, uma dessas estátuas pode ser comprada em Londres ou Nova York por 80 mil dólares.Assim é que funciona o mercado ilegal de tesouros arqueológicos na China e em outros países de riqueza histórica, cuja fiscalização em relação ao patrimônio cultural praticamente não existe. Aliado a isso, a pobreza e falta de oportunidade de trabalho fazem das ofertas dos marchands algo tentador. A China possui leis contra esse tipo de infração e ratificou todos os tratados internacionais sobre o tema. Mesmo assim, nos últimos cinco anos, 200 mil tumbas foram invadidas.
O último tratado internacional para proteção do patrimônio histórico e cultural da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), assinado em 2003, identificou 35 sítios arqueológicos que mereceriam atenção especial dos 177 estados-membros da convenção. “São lugares que estão em perigo pela ação do comércio ilegal”, diz Rochelle Roca-Hachem, responsável pela convenção da Unesco contra o tráfico ilegal.
Além de Xian, estão na lista de lugares em risco o parque arqueológico de Angkor, no Camboja, que abriga cidades construídas no Império de Khmer entre os séculos 9 e 14. Anos de guerra civil no país e a presença de grupo armados que fazem o comércio ilegal na fronteira com a Tailândia são as principais ameaças. A polícia local não ajuda muito. Na última grande ocorrência, na floresta de Kbal Spean, estátuas do século 11 foram destruídas e transportadas até Bangkok. Usando uma serra elétrica, os bandidos cortaram o rosto do deus Vishnu e de sua mulher, Lakshmi. As peças seriam vendidas separadamente e chegariam a custar 50 mil dólares no mercado tailandês. Capturados no meio da floresta, os ladrões foram liberados logo depois. E a investigação, suspensa.
Arte & crime
A máfia internacional de relíquias
As peças do Oriente estão na mira das galerias de arte de todo o mundo. Entre 80 e 90% do que é comercializado nesses locais vêm de transações ilícitas. “Essa é uma prática antiga nessas regiões, onde a colonização européia foi intensa. Era uma atividade comum dos ingleses na Índia, por exemplo, roubar tesouros hindus para suas coleções particulares”, afirma Kathryn Tubb, professora do Instituto de Arqueologia de Londres.
O pé esquerdo de Zeus
1 - Kabul, Afeganistão: achado por arqueologistas franceses em 1968, durante escavação nas ruínas de Ai Khanum, pertencia até 1993 ao Museu Nacional de Kabul, de onde foi roubado.
2 - Peshawar, Paquistão: um comerciante japonês de arte o comprou em 2000
3 - Tóquio, Japão: finalmente, foi entregue aos cuidados da Unesco em 2002 pelo comerciante arrependido, e passou a viajar pelo mundo em exposições itinerantes de um museu de Tóquio.
Damas dançarinas
1 - Udaiur, Índia: segundo a polícia indiana, um ladrão retirou quatro esculturas do templo de Saas Bahu, em novembro de 1999. Meses depois, o homem teria levado mais duas.
2 - Nova York, Estados Unidos: uma galeria de Manhattan apresenta em seu catálogo de 2002 fotos de duas das estátuas roubadas que iriam à venda.
Escultura de Buda
1 - Sisophon, Camboja: em janeiro de 1999, foram cortadas 117 peças de uma estátua de um buda do templo Banteay Chhma.
2 - Fronteira entre Tailândia e Camboja: antes de entrar na Tailândia com as peças do templo, os ladrões acabaram capturados pela polícia local. Eles escaparam, mas as peças foram recuperadas.
Estátuas de terracota
1 - Xian, China: estátuas de uma tumba de 2 mil anos sumiram nas mãos de ladrões, em 2001. Foram vendidas em Xian por 36 dólares cada uma.
2 - Hong Kong: um dono de galeria de Los Angeles, Estados Unidos admitiu ter comprado de um intermediário 32 dessas estátuas de terracota.
3 - Nova York, Estados Unidos: em março de 2002, a galeria Sothebys colocou à venda seis estátuas com preços que variavam entre 6 e 8 mil dólares. As figuras voltaram para Xian depois de protestos do governo chinês.
Aventura ilegal
Como assaltantes destruíram um patrimônio milenar em menos de dois dias.
1 - A região da tumba da imperatriz Dow, enterrada há mais de 2 mil anos, já era conhecida. Usando pás e picaretas, os ladrões escavaram pequenos buracos no solo para retirar amostras da terra para determinar o local exato da tumba de 1,6 mil metros quadrados.
2 - Para acelerar a escavação até as tumbas, colocaram dinamites onde haviam começado a cavar o buraco. O explosivo alargou a futura boca da cratera.
3 - Mesmo depois da explosão, os assaltantes ainda tiveram de cavar um túnel de 35 metros de profundidade. Auxiliados por um ventilador, um gerador para iluminação e uma corda, desceram pelo buraco tirando terra e pedras com baldes. Para chegar ao teto da construção, fizeram um túnel transversal ao primeiro, medindo 12 metros.
4 - O próximo passo foi pegar as estátuas na câmara principal da tumba. Com máscaras de gás contra o pó e possíveis gases tóxicos, os ladrões levaram até a superfície as estátuas valiosas que representavam soldados e empregados da imperatriz. A operação completa levou 28 horas.
Revista Aventuras na História n° 009
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