Ele foi um dos mais versáteis, inventivos e profícuos em uma geração de cientistas brilhantes. Mas, 300 anos depois de sua morte, está completamente esquecido. Seu azar: viver no mesmo lugar e ao mesmo tempo que o rival Isaac Newton.
No seu leito de morte, como em vida, o cientista inglês Robert Hooke, que viveu entre 1635 e 1703, não foi uma figura atraente. Suas roupas velhas e rasgadas envoltas em seu corpo magro e corcunda, com piolhos por todo lado, impediam as pessoas de chegar perto dele. Após sua morte, seus poucos amigos vasculharam seu quarto e acharam pilhas e pilhas de papéis, anotações, cálculos e dissertações. Tudo o que se espera da casa de um solteirão, cego e amargurado pela falta de reconhecimento de sua genialidade e por anos de disputas científicas com colegas do calibre de Isaac Newton. Faltava somente um documento prometido por Hooke em vida. Uma generosa doação para a Royal Society, a mais importante sociedade de ciência do mundo na época, destinada à criação de uma biblioteca e de um laboratório com seu nome. Mas, em vez do texto daquele que havia sido um dos fundadores e o primeiro cientista a ser empregado pela sociedade, seus testamenteiros encontraram um baú. Dentro dele, uma surpresa: 8,3 mil libras, uma fortuna equivalente hoje a 1 milhão de libras ou a 1,7 milhão de dólares. Ou, ainda, 5 milhões de reais.A fama de pão-duro espalhou-se, adicionando mais um elemento para seus inimigos comporem a imagem de Hooke como uma personalidade muito, muito difícil, e ajudando a história a apagar o registro de suas contribuições, que foram da física à biologia, passando por astronomia, geologia, química, meteorologia, arquitetura e engenharia. Hoje, Hooke está esquecido, apesar de ter sido considerado um dos gênios de sua época. E pouco sabemos dele a não ser pela lembrança do princípio físico (aplicado no estudo da elasticidade) que leva seu nome, a Lei de Hooke, que somos obrigados a estudar no ensino médio.
Hooke foi uma criança doente. Nos seus primeiros meses de vida, seus pais tinham pouca esperança de que ele sobrevivesse, o que não seria incomum em uma família de poucos recursos que morava na pequena ilha de Wight, ao sul da Inglaterra, no século 17. Porém, Hooke, o mais novo de quatro irmãos, resistiu, embora com uma saúde frágil agravada na adolescência por provavelmente uma síndrome conhecida como cifose juvenil, que, entre outras coisas, deixa a pessoa curvada. Mas felizmente suas habilidades, especialmente a manual, manifestaram-se logo na infância e não dependiam de sua imagem, descrita por seus amigos como de dar pena, com um corpo magro e torto, uma cabeça muito larga e olhos protuberantes. Com o talento manual, Hooke desenvolveu a certeza de que era capaz de aprender o que os outros faziam somente observando-os trabalhar, uma capacidade que no futuro fez com que seus colegas cientistas não quisessem mostrar seus inventos para ele. Temiam ter suas idéias copiadas.
Nada mais comum numa época em que a comunicação era difícil, feita por cartas que podiam demorar semanas para ir de uma cidade a outra da Inglaterra e às vezes se perdiam no meio do caminho. Estabelecer quem havia sido o primeiro a fazer uma descoberta era um problema complexo resolvido, em geral, justamente pela correspondência entre os cientistas, pela publicação de livros ou, a partir da criação da Royal Society, em 1662, pela apresentação de trabalhos científicos na sociedade. Na época, a ciência passava por uma revolução iniciada com a publicação, em 1543, do livro de Nicolau Copérnico que propunha que a Terra e outros planetas giravam em torno do Sol e não o contrário, como queria a Igreja Católica. Ter um local para discutir idéias como essas semanalmente foi o que incentivou Hooke e seus colegas de Oxford a fundar a Royal Society. Entre os fundadores estava o arquiteto Christopher Wren, que reconstruiu as igrejas de Londres após o grande incêndio de 1666, mas que foi antes de tudo um brilhante cientista e um dos que defendeu que Hooke fosse eleito curador de experimentos da sociedade no ano da sua fundação – sem pagamento, pois não havia recursos disponíveis. O primeiro salário de Hooke por seu trabalho na sociedade veio somente em 1665. Para nós, é óbvio que cientistas façam experimentos para testar suas idéias, mas até a metade do século 17 isso não era verdade. Era comum um cientista descrever os resultados de experimentos imaginados, mas nunca realmente realizados. Aos 27 anos, Hooke tinha a dura missão de entreter seus colegas da Royal Society com experimentos capazes de mostrar os usos da ciência para os não-cientistas. Uma tentativa de atrair aristocratas de dinheiro e poder para a Royal Society, algo muito em falta nos primórdios da sociedade.
A escolha não foi por acaso. Hooke havia demonstrado seus talentos durante anos debaixo dos olhos de Robert Boyle, de quem temos uma vaga recordação como o descobridor da Lei de Boyle (para quem não lembra: a pressão multiplicada pelo volume de um gás é constante se a temperatura também for constante). Em 1658 e 1659, ele aperfeiçoou a bomba de ar feita por seu mentor e amigo. A máquina é absolutamente trivial hoje, mas foi considerada uma das grandes invenções da época, por permitir criar vácuo. Dez anos depois da bomba de ar de Hooke ser construída, havia somente outras dez em funcionamento no velho continente, seis delas feitas no laboratório de Boyle.
Diferente de seus colegas e rivais, Hooke era incapaz de dedicar -se a somente um projeto por circunstância e temperamento. Nasceu pobre, e não milionário como seu mentor Boyle, e era fascinado por diversos temas ao mesmo tempo. Uma de suas paixões era a respiração. Em 1663, testou as qualidades do ar colocando uma vela acesa e um frango em um barril isolado do ambiente para descobrir qual dos dois se extinguiria primeiro. Para sorte do frango, a vela apagou antes, Hooke deu-se por satisfeito e terminou o experimento impedindo o frango de morrer sufocado. Mas Hooke não ficou satisfeito e teve, em 1671, a estúpida idéia de fechar-se num barril isolado por 15 minutos com uma vela na mão, usando uma bomba de sucção para retirar o ar de lá de dentro. A vela apagou rapidamente, mas Hooke ficou trancado no barril firme e forte sofrendo uma bela dor de ouvido e perda momentânea de audição. Somente então tomou a brilhante decisão de não fazer mais experimentos com seu próprio corpo, pelo menos não dentro de um barril.
Hooke era um entusiasta da automedicação e mantinha relatos detalhados do funcionamento do seu corpo. Ele sofria de vertigem, indigestão, flatulência, palpitações cardíacas, perda momentânea de olfato e paladar, insônia e outros e tratava-os com todo tipo de medicamento (ortodoxo ou não) da época. Os resultados descritos em seu minucioso diário, escrito entre 1672 e 1683, mostram o estado de penúria da medicina do século 17 e a ignorância de um gênio sobre uma outra área do conhecimento. Hooke testou uma série de dietas, bebidas, purgantes e laxantes e somente ficava satisfeito quando o remédio o levava a vomitar, urinar e defecar livremente. Nessas ocasiões, escrevia em seu diário: satisfeito com os resultados. Caso contrário, reclamava no mesmo local: fui enganado.
Enquanto aperfeiçoava a bomba de ar de Boyle, entre 1658 e 1659, Hooke também trabalhava com Wren na construção de barômetros e microscópios. Em janeiro de 1665, o microscópio foi peça-chave na publicação de sua obra-prima, Micrographia, um estudo daquilo que Hooke havia visto (e desenhado) com microscópio. A expectativa da Royal Society com a obra era grande. Ela esperava que fosse um grande sucesso e alcançasse um imenso público, popularizando a ciência e trazendo algum dinheiro. O resultado foi o esperado, mas Hooke não teve tempo para desfrutar do sucesso. Em junho de 1665, a peste negra voltou a Londres – já havia feito um estrago considerável, matando de um quarto a um quinto da população nas últimas três vezes em que havia aportado na cidade em 1563, 1603 e 1625. Após passar por Amsterdã na virada de 1663 para 1664, a praga atingiu a capital inglesa em abril de 1665. Rapidamente casas com uma cruz vermelha na porta, sinal de que a morte havia chegado ali, começaram a aparecer. Dois meses depois, os londrinos morriam como moscas. Duas mil pessoas eram levadas pela peste toda semana e os homens de bom senso e dinheiro da cidade refugiaram-se no campo, inclusive Hooke, que planejava ficar em Londres para estudar as causas da doença, mas preferiu ficar vivo e mudou para o campo em julho. Só não passou pela cabeça do pobre Hooke, nem pela de nenhum de seus brilhantes colegas, que a pulga desenhada com tamanho esmero por ele em Micrographia pudesse ser justamente a transmissora da doença.
Nos seis meses em que passou no campo com seu amigo John Wilkins, um dos fundadores da Royal Society, Hooke pensou, pensou e pensou mais um pouco sobre a gravidade e concluiu, em 1666, que ela era “um dos princípios mais universais do mundo” e que algum tipo de força constante exercida pelo Sol desviava a rota dos planetas fazendo-os girar em torno dele, a chamada força centrípeta. Hooke, no entanto, não foi capaz de dar uma explicação matemática para sua idéia. Coube ao seu rival Newton dar esse grande salto e ser imortalizado por ele, o que gerou grande ódio em Hooke, que nunca aceitou o fato de Newton (e não ele) ter levado a fama pela descoberta. Foi Hooke que provavelmente introduziu Newton à idéia da força centrípeta em uma carta escrita a ele em 1679, quando a relação entre os dois ainda estava em um período pacífico. Ao que parece, Newton deve muito a Hooke na descoberta da gravidade, embora sempre tenha se calado sobre o tema, tendo até mesmo tirado os agradecimentos a Hooke no Principia, sua obra-prima. A única indicação de Newton de sua admiração por Hooke está em uma carta de 1676, escrita para o mesmo. Nela, Newton comenta: “Se enxerguei além dos outros é porque estava no ombro de gigantes”.
Em sua volta a Londres em janeiro de 1666, após a passagem da peste negra, Hooke não poderia imaginar que sua vida iria tomar novo rumo. A responsável dessa vez foi a super populosa cidade, com suas ruas estreitas e casas de madeira, o local ideal para o incêndio que destruiria 80% da capital inglesa em setembro daquele ano. Entre as propostas de reconstrução da cidade estava uma de Wren, uma de John Evelyn e outra de Hooke. O rei Charles II resolveu não usar nenhuma delas, mas deu a tarefa de reconstruir Londres a Wren, Hugh May e Roger Pratt, todos arquitetos. Já os administradores de Londres escolheram Hooke e dois colegas para tocar a obra. Nos dez anos em que trabalhou na reconstrução da metrópole, Hooke fez algumas obras importantes, mas nenhuma delas sobreviveu ao século 20, tornando sua carreira como arquiteto e engenheiro ainda mais desconhecida do que seu trabalho como cientista. Hoje, assumimos que os desenhos de todas as construções erguidas após o grande incêndio de Londres tenham sido feitas por Wren e que a lei da gravidade foi descoberta por Newton. Duas meias-verdades. Hooke teve uma participação importante nos dois projetos, embora somente com Newton a prioridade da descoberta tenha se transformado em uma guerra particular. Com seu trabalho arquitetônico, ele parece nunca ter se importado. Deixou para seu amigo Wren toda a fama, embora este também nunca a tenha requisitado.
Notório por disputar palmo a palmo a prioridade em descobertas científicas, Hooke tinha pilhas de papéis recheados de projetos inacabados que somente vinham a público quando ele achava que algum outro cientista iria requerer a autoria de uma invenção ou descoberta. Esse hábito de manter idéias em segredo e de anunciar que já havia feito essa ou aquela descoberta um ano antes quando um cientista revelava uma novidade deu a Hooke a fama de falastrão. Sua reputação fazia com que todos os que não o conhecessem intimamente desconfiassem de suas afirmações e Hooke foi várias vezes obrigado a escarafunchar os arquivos da Royal Society em busca de provas de suas descobertas. Nem sempre ele tinha razão. Na verdade, quase nunca conseguia transformar seus insights em realizações sólidas, pois não tinha o conhecimento matemático necessário para desenvolver suas idéias como foi o caso da natureza da luz, que hoje atribuímos somente a Newton.
É certo, pelas anotações de Newton, que ele leu atentamente Micrographia, em que Hooke dizia que a luz era feita de ondas. Newton achava que ela era feita de partículas e escreveu um livro, Optics, somente sobre luz – reza a lenda que Newton esperou Hooke morrer para publicar o texto escrito em 1672. No século 20, a história mostrou que os dois estavam certos. A luz é feita de partículas e ondas, mas Newton levou novamente a fama.
Os interesses múltiplos de Hooke iam além da ciência, arquitetura e engenharia. Ele também gostava da vida mundana. Era freqüentador assíduo dos cafés de Londres e tinha uma vida sexual ativa, apesar de não ser atraente para as mulheres. No período coberto por seu diário nunca praticou sexo com mulheres que não fossem financeiramente dependentes dele, embora também não pareça ter desfrutado da companhia de prostitutas no período. Pelo menos não deixou registro sobre o tema. Hooke registrava seus orgasmos com o mesmo zelo do qual falava de sua saúde e tinha até um símbolo para eles – o desenho do signo de Peixes no zodíaco .
Algumas vezes o símbolo aparece sem o nome de uma mulher ao lado. Experiências solitárias? Talvez. Sexo com prostitutas? Talvez. Impossível saber. A certeza que temos sobre Hooke, 301 anos após sua morte, é que ele está esquecido.
Revista Aventuras na História n° 010
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