sábado, 11 de fevereiro de 2012

Navio Negreiro: vai pagar quanto, Lloyd·s?

Cynthia Almeida Rosa

Descendentes de escravos americanos processam seguradoras que lucraram com navios negreiros.
No mínimo, 2 bilhões de dólares. Essa é a indenização que um grupo de dez americanos descendentes de escravos exige da Lloyd’s, mais antiga seguradora britânica, por ter feito seguro de navios negreiros antes da abolição da escravatura dos Estados Unidos, em 1860. A empresa não é acusada sozinha: o Grupo FleetBoston (por financiar a transação) e a Companhia de Tabaco RJ Reynolds (por comprar os escravos) também estão no alvo.
O grupo, cujos ancestrais foram transportados de Serra Leoa, Niger e Gana, acusa as três empresas de genocídio, alegando que todas participaram da destruição de comunidades, línguas e culturas diversas. Tem como advogado ninguém menos que Ed Fagan, o homem que arrancou 1,25 bilhão de dólares de bancos suíços que receberam bens confiscados dos judeus vítimas do Holocausto. Para ele, essa é outra causa ganha. Além de uma papelada que registra o seguro realizado para um dos navios, testes de DNA definirão de que regiões da África pertencem cada uma das pessoas que acusam as empresas.
O advogado pode estar otimista demais. A Lloyd’s não é a primeira seguradora a ser acusada de compactuar com a escravidão dos negros. A seguradora americana Aetna já sofreu um processo semelhante. Contra ela, há um documento de 1853, em nome de uma mulher chamada Mary Raby, de Nova Orleans, que pagou 17,25 dólares por um seguro anual – se um de seus escravos morresse, ela receberia 600 dólares. A empresa chegou a pedir desculpas por ter lucrado com a escravidão, mas não foi condenada: o juiz indeferiu a causa por entender que a servidão no passado não tem conseqüências no presente.
O advogado Marco Antônio Zito, presidente da Comissão do Negro e de Assuntos Anti-discriminatórios da OAB de São Paulo, acredita que, no Brasil, esse tipo de ação não ganharia força. “Devemos buscar o resgate social do negro, a igualdade de oportunidades. A grande indenização para o negro brasileiro é sua inclusão”, afirma ele, que é neto de ex-escravos.
Homens ao mar
O costume de segurar a “carga” dos navios negreiros muitas vezes tornava ainda pior a situação dos escravos transportados. Um exemplo é o navio Zong, que em 1871 levava negros da África para a Jamaica. Com várias mortes por falta de comida e água, o comandante da embarcação jogou mais de 130 escravos para fora do navio. Sua idéia baseava-se nos termos do seguro do Zong, segundo o qual mortes naturais não receberiam pagamento, mas por afogamento, sim. Na época, a seguradora contestou o pedido e o caso parar na Justiça. O juiz entendia estar diante de um dilema: “O caso dos escravos seria o mesmo se cavalos tivessem sido jogados para fora do navio”, dizia nos autos do processo. No fim das contas, houve o pagamento da indenização. Por causa da atrocidade, um Museu da Escravidão foi feito no porto de Liverpool, Inglaterra, perto de onde o Zong costumava ancorar.

Revista Aventuras na História n° 010

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