sexta-feira, 1 de junho de 2012

Procura-se arte roubada

Sérgio Miranda

O mercado de arte roubada já é a quarta atividade criminosa mais lucrativa. Mesmo obras dos grandes mestres, tão famosas que não têm compradores, continuam sendo roubadas. Conheça a lista das mais procuradas (e valiosas) telas que permanecem desaparecidas.
Imagine a cena: você é convidado para jantar na casa daquele seu amigo cheio da nota. Depois dos cumprimentos e um aperitivo, vocês passam à mesa. Enquanto você tenta se decidir se vai de vinho tinto ou branco... surpresa! Você dá de cara com a Mona Lisa na parede. Mesmo não sendo nenhum especialista em obras de arte você ia saber que há alguma coisa errada, né?
Todos os dias, pinturas, esculturas, cerâmicas, peças arqueológicas e objetos em ouro e prata são roubados de museus, galerias, palácios, hotéis ou até mesmo residências em alguma parte do mundo. No Brasil, as vítimas principais são as igrejas e mosteiros. Colocados à venda, a maioria não desperta  suspeitas e são revendidos com facilidade num mercado paralelo que inclui pequenas galerias, antiquários e colecionadores prontos para negociar objetos pouco conhecidos, não catalogados e muitas vezes nem identificados. De acordo com a Interpol (a organização policial que persegue criminosos além das fronteiras internacionais), esse mercado movimenta perto de 5 bilhões de dólares todos os anos e já representa a quarta atividade ilegal mais lucrativa no mundo, perdendo apenas para o contrabando de armas, o tráfico de drogas e a lavagem de dinheiro. Mas o que dizer das obras-primas reconhecidas por qualquer mané em matéria de arte? Para onde elas vão?
É difícil imaginar que um colecionador de artes compraria um quadro de Leonardo da Vinci ou Pablo Picasso roubado e o colocaria na parede de sua sala de jantar. Ou achar que milionários excêntricos guardariam obras surrupiadas em cofres secretos atrás das paredes de mármore de suas mansões só pelo prazer solitário de apreciá-las. Segundo informações do escritório da Interpol em Londres, isso não passa de lenda. “Jamais foi registrada uma denúncia ou apreensão com essas características”, afirma a assessoria da entidade. Então por que “picassos” e “da vincis” continuam – ainda que raramente – sendo roubados?
A resposta é simples: pelo resgate. Na noite de 23 de maio de 2003, um homem escalou uma parede de 25 metros de altura e invadiu o Museu de História da Arte de Viena. Quarenta minutos depois, ele saiu pela mesma janela levando a última peça que restava da coleção de ourivesaria de Benvenuto Cellini (pintor e escultor italiano da Renascença), um saleiro feito por volta de 1550 e avaliado em 60 milhões de dólares (cerca de 150 milhões de reais). Três meses depois um pedido de resgate exigia 3,8 milhões de euros (ou quase 12 milhões de reais). Bem mais que a recompensa de 70 mil euros (ou 230 mil reais) que o governo austríaco oferece por informações sobre o roubo. A pequena escultura continua desaparecida.
A Interpol não gosta de admitir, mas o crescimento desse mercado paralelo está criando um tipo de agência especializada em encontrar e negociar com os criminosos a devolução das obras. Para a Interpol, isso também é crime. E, se descobertas, essas pessoas estão sujeitas às mesmas penas que os verdadeiros ladrões. Sem opções, no entanto, cada vez mais galerias e museus acabam recorrendo a esses “especialistas” em negociação com o crime organizado para tentar encontrar suas obras. Em 2001, a Tate Gallery de Londres conseguiu recuperar duas obras do paisagista Willian Turner – um dos mais importantes pintores do romantismo inglês – depois de gastar 3,5 milhões de libras (ou 16 milhões de reais) entre “recompensas” e custos legais. Recompensas assim mesmo, entre aspas, pois as autoridades policiais consideram esses pagamentos uma espécie de “resgate disfarçado”. Em 2004, dois outros casos em que se ofereceram “recompensas” não foram bem sucedidos, segundo a Interpol.
Segundo o cadastro da entidade policial existem atualmente cerca de 15 mil itens desaparecidos considerados de “grande valor”. Alguns deles avaliados em vários milhões de dólares, como a Madona do Fuso, de Leonardo da Vinci, avaliada em mais de 140 milhões de reais e pela qual seu proprietário, um milionário escocês, oferece uma recompensa recorde: 5 milhões de reais por qualquer informação que ajude a encontrar a tela roubada em agosto de 2003. Conheça nas páginas dessa reportagem as obras mais caras e famosas que continuam desaparecidas. E saiba também como elas desapareceram.
O Grito (1893)
Autor: Edvard Munch (1863-1944)
Data e local: 22 de agosto de 2004 - Museu Munch, em Oslo, Noruega
Preço avaliado: 117 milhões de reais
O roubo: De dia, durante o horário normal de visitação, dois homens encapuzados entraram no museu. Um deles, armado, rendeu os guardas e o outro recolheu duas obras de Munch, O Grito e Madona, sob o olhar atônito dos visitantes. As câmeras de segurança de um banco do outro lado da rua flagraram a fuga: com os quadros nas mãos, os ladrões saíram correndo pela rua, entraram num carro e se mandaram. No caminho deixaram uma das obras cair duas vezes. Em abril, a polícia norueguesa prendeu dois suspeitos de terem participado da ação. Um deles é o dono do carro da fuga, mas as obras ainda não foram localizadas. No começo de maio, o jornal Dagbldet, de Oslo, citando fontes “ligadas à polícia”, afirmou que as obras foram queimadas. A polícia norueguesa nega.
A obra: Munch pintou quatro versões deste quadro, que se tornou uma das mais famosas imagens do expressionismo. O desespero do personagem que aparece sobre uma ponte em Oslo é freqüentemente associado aos problemas enfrentados pelo próprio artista: sua mãe morreu quando ele tinha apenas 5 anos, uma de suas irmãs morreu de tuberculose e outra foi internada num manicômio.
Natividade com São Francisco e São Lourenço (1609)
Autor: Caravaggio (1572-1610)
Data e local: 1969 - Igreja de São Lourenço, Palermo, na Itália
Preço avaliado: 100 milhões de reais
O roubo: A falta de segurança do pequeno oratório da igreja facilitou o trabalho dos ladrões, que aproveitaram um momento de pouco movimento para subir no altar e retirar o quadro. Nunca ninguém foi preso pelo crime e as primeiras investigações indicaram a participação da máfia siciliana, que teria tentado vender a tela na década de 70 e, como não conseguiu, a teria destruído para eliminar as provas do roubo. Outra versão para o destino do quadro é a de que ele tenha sido destruído durante um terremoto, em 1980. Em 1997, o mafioso Francesco Marino Mannoia disse durante o julgamento do ex- primeiro ministro Giulio Andreotti, que esse iria receber o quadro das mãos da máfia, mas que a tela teria ficado arruinada quando tentaram separá-la da moldura. De qualquer modo, há alguns anos que uma cópia ocupa o lugar da tela original na igreja de São Lourenço.
A obra: Queridinho de nobres e religiosos de Roma (entre eles o próprio papa), Caravaggio fugiu para a Sicília (um lugarzinho ermo no início do século 17), supostamente para evitar uma acusação de assassinato: ele teria matado um sujeito que lhe foi cobrar uma dívida de jogo. Na ilha, ele ganhou a vida pintando cenas bíblicas e a vida dos santos por encomenda das igrejas da região. A Natividade é uma dessas obras, realizada pouco antes do artista morrer, em 1610.
Madona do Fuso (1500/10)
Autor: Leonardo da Vinci (1452-1519)
Data e local: 27 de agosto de 2003 - Castelo de Drumlanrig, na Escócia
Preço avaliado: 146 milhões de reais
O roubo: Num anúncio de 2001, uma agência de turismo de Edimburgo oferecia visitas monitoradas ao castelo de Drumlanrig, a residência do duque de Buccleuch, um dos homens mais ricos da Escócia. Pelo equivalente a 140 reais, o turista era levado aos aposentos e aos jardins da construção que tem quase 400 anos. Podiam ver ainda uma das coleções de arte mais representativas do país, com obras importantes, como trabalhos de Rembrandt e Holbein. Um acervo avaliado em cerca de 1,9 bilhão de reais. O ingresso incluía transporte, seguro-viagem e um lanchinho na volta. Em agosto de 2003, dois sujeitos resolveram aproveitar tantas facilidades para realizar outro tipo de negócio: o roubo. Misturados entre os visitantes, eles entraram no prédio e se esconderam dos guias. Simplesmente arrancaram o quadro da parede e saíram correndo pela porta principal. Foram vistos pela última vez entrando num Volkswagen Golf de cor branca.
A obra: Em 1992, um dos maiores especialistas na obra de Leonardo da Vinci, Martin Kemp, concluiu que a tela fora executada realmente por ele entre 1500 e 1510, sob encomenda do secretário de estado de Luís XII. A recompensa por qualquer informação, a maior já oferecida em casos de obras de arte, chega a 1,5 milhão de euros (ou 4,8 milhões de reais).
O Concerto (1664/67)
Autor: Vermeer (1632-1675)
Data e local: 18 de março de 1990 - Museu Isabella Stewart Gardner, em Boston, Estados Unidos.
Preço: 211 milhões de reais
Cristo na Tempestade sobre o Mar da Galiléia (1633)
Autor: Rembrandt (1606-1669)
Data e local: 18 de março de 1990 - Museu Isabella Stewart Gardner, em Boston, Estados Unidos
Preço: 150 milhões de reais
O roubo: Perto da meia-noite, dois policiais se aproximam de uma porta lateral do museu e dizem aos seguranças que precisam inspecionar o edifício já que aconteceu uma ocorrência nas imediações. Os guardas caíram nessa e abriram a porta. Dançaram: foram amarrados, amordaçados e ainda tomaram uma meia dúzia de sopapos. Usando máscaras e luvas, os ladrões ficaram mais de uma hora no edifício e, calmamente carregaram o porta-malas de seu carro com 11 quadros e dois objetos avaliados em 320 milhões de dólares, o que fez desse, o maior roubo de obras de arte da história. E o prejuízo poderia ter sido maior. Por distração ou desconhecimento, os larápios deixaram para trás O Rapto de Europa, de Ticiano, de longe a pintura mais valiosa nos Estados Unidos.
As obras - Por algum motivo inexplicável, Rembrandt é o artista da velha escola (anterior ao século 19) que mais tem pinturas incluídas na lista da Interpol de quadros roubados. O alto valor da avaliação dessa obra deve-se ao fato de ela ser a única paisagem marítima pintada pelo mestre holandês. Mais cara ainda, no entanto, é O Concerto, de Vermeer, a obra de arte roubada com a mais alta avaliação do mundo. Isso porque atualmente só restam 36 obras conhecidas do mestre holandês. A enigmática pintura roubada em Boston seria a trigésima sétima.
Santa roubalheira
No Brasil, arte sacra é o principal alvo
A capela de Santa Quitéria, perto de Ouro Preto, em Minas, está vazia. Avaliadas em 600 mil reais, foram roubadas do santuário – de uma vez só – 11 peças: sete imagens e quatro castiçais, todos esculpidos em madeira do século 18. Em Viana, no Espírito Santo, os moradores não ouvem mais as badaladas na igreja de Nossa Senhora da Ajuda, que anunciavam o começo e o final dos dias. O sino sumiu. A matriz de São Caetano, em Mariana, Minas Gerais, perdeu dez santos de uma vez só. Um deles, uma imagem rara de São Benedito das Flores talhada no século 17, avaliada em mais de 100 mil reais. Quando estes roubos aconteceram? Como? Quem cometeu o sacrilégio? Ninguém sabe, ninguém viu. Nem mesmo as datas do desaparecimento das peças sacras, o principal alvo dos ladrões de arte no Brasil, estão devidamente registradas. Já o destino das obras é conhecido: o forno – pelo menos as feitas de ouro ou prata. As demais vão parar nas coleções particulares em São Paulo e Rio de Janeiro, onde os bandidos aproveitam a falta de catalogação das obras para falsificar documentos e legalizar as peças. Um santo barroco do século 18 pode alcançar 150 mil reais em casas de leilão e antiquários. Desde 1997 o Iphan – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – do Ministério da Cultura, combate o tráfico de bens culturais e tenta localizar obras roubadas. Já catalogou mais de 900. Em 2003, conseguiu recuperar 167 obras barrocas, entre elas uma imagem de Nossa Senhora de Sant’Anna que iria a leilão com lance inicial de 400 mil reais.

Aventuras na História n° 022

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