Para uma área ser considerada desértica, ela precisa reunir
pelo menos dois elementos: solo arenoso e clima quente e seco, com baixíssimos
índices de chuvas durante um longo período. Os desertos que existem hoje na
Terra experimentam há milhares de anos uma média de chuvas menor que 250
milímetros por ano, um índice seis vezes inferior ao da cidade de São Paulo,
por exemplo. Isso quer dizer que demora muito tempo para um deserto aparecer.
"Portanto, não é verdade que as áreas desérticas estão avançando pela
superfície da Terra durante as últimas décadas. A presença de areia, por si só,
não caracteriza um deserto", afirma o geógrafo Roberto Verdum, da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). A origem de tanta confusão é
a compreensão errada do conceito de desertificação. No seu sentido correto, a
palavra indica a expansão de terrenos arenosos pelo planeta - geralmente por
causa do esgotamento dos solos - e não dos desertos. Mais: ao contrário do que
se pensa, não é um fenômeno irreversível.
"Estudos
recentes mostram que áreas que sofreram com a desertificação podem recuperar a
cobertura vegetal quando termina o período de seca mais agudo", diz
Roberto. Claro que isso não diminui a gravidade do problema. Em todo o mundo,
estima-se que a desertificação atinja 1 bilhão de pessoas em cerca de 110
países, chegando a ameaçar um terço das terras do globo. O continente mais
afetado é a África, onde 73% dos terrenos agricultáveis já sofreram algum grau
de degradação. No Brasil, a desertificação avança sobre uma área de 1 milhão de
quilômetros quadrados no semi- árido nordestino e no norte de Minas Gerais.
Para combater o problema, a Organização das Nações Unidas (ONU) lançou a
Convenção de Combate à Desertificação, um acordo internacional em vigor desde
1994 e assinado por mais de 180 países - o Brasil é um deles. Mas até agora os
investimentos foram tímidos e não conseguiram impedir que as areias avancem a
uma velocidade de 60 mil quilômetros quadrados por ano.
Da vida ao pó
Mau uso do solo é um dos principais fatores para a
desertificação.1. Em áreas com terrenos arenosos, a mata nativa é essencial para proteger o solo da degradação. As raízes das árvores sustentam a terra e retêm água, evitando a erosão. A situação começa a mudar quando a área é ocupada de maneira predatória. O desmatamento da vegetação nativa ou nas margens de rios, as queimadas, a agropecuária intensiva, o uso indiscriminado de agrotóxicos e as práticas inadequadas de irrigação podem iniciar o processo de desertificação.
2. Com a ocupação agrícola, parte da mata nativa é derrubada para dar lugar a plantações. Sem a proteção das raízes, o solo perde matéria orgânica e começa a ter camadas removidas. A cada nova cultura, a aragem do terreno e a ação da chuva carrega nutrientes do solo e diminui sua espessura original. A terra nua sofre com a erosão e o leito dos rios diminui de volume com os deslizamentos de terra.
3. O mau uso do solo acaba com a produtividade nas terras baixas e força o agricultor a desmatar uma área na encosta para prosseguir com o plantio. Nessa região, os efeitos da erosão são ainda mais rápidos. As terras abandonadas só servem como pasto para o gado. Em alguns anos, a produtividade das encostas também diminui e a faixa plana já virou areia.
4. Em poucas décadas, a região fértil e verde dá lugar um terreno arenoso e improdutivo. Com a ação do vento e da água, toda a faixa do solo já desapareceu e só sobrou areia e rocha. Mas isso não significa que a área se tornou um deserto, porque a desolação tem remédio: basta desocupar a área para que gramíneas e capins mais resistentes voltem a aparecer. A recuperação total do solo, entretanto, pode demorar séculos.
Um continente que seca
Na África, área do
tamanho de Minas Gerais está ameaçada. A África é, de longe, o continente mais atingido pela desertificação. Na borda sul do deserto do Saara, uma região do tamanho do estado de Minas Gerais virou areia nos últimos 50 anos. Hoje, a ameaça de desertificação atinge quase dois terços do continente. Além das constantes secas, os solos sofrem com a substituição das lavouras de sustento por culturas de exportação desde os anos 40. O problema tem consequências sociais graves: nas próximas duas décadas, cerca de 60 milhões de pessoas devem deixar as terras atingidas pela desertificação, migrando para o norte da África ou para a Europa.
Revista Mundo Estranho Edição 15/ 2003
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