segunda-feira, 6 de agosto de 2012

GEOGRAFIA E SOCIOLOGIA DO VOTO LULISTA

Duas semanas antes das eleições de 1º de outubro, as pesquisas de opinião divulgadas pelos principais institutos apontavam a tendência à reeleição do presidente Lula ainda no primeiro turno. Mas, sobretudo, revelavam as identidades regionais e sociais do voto em Lula – que é um fenômeno bem diferente do voto no PT. Os votos depositados nas urnas nunca acompanham, exatamente, as tendências evidenciadas em pesquisas das semanas anteriores. Mesmo assim, o panorama revelado pelas pesquisas é suficiente para definir os contornos da base social do presidente.
A pesquisa Ibope de projeção de um hipotético segundo turno, publicada a 11 de setembro, oferece dados discriminados por região e faixa de renda. Segundo essa pesquisa, Lula perdia para Geraldo Alckmin apenas na Região Sul. Na Região Sudeste, registrava-se empate técnico. No Norte/ Centro-Oeste, Lula abria folgada vantagem e, no Nordeste, o presidente parecia disputar sozinho a eleição.
O Nordeste é o segundo maior colégio eleitoral do país, com pouco mais de 34 milhões de eleitores. A vantagem excepcional de Lula na região era o fator que, isoladamente, podia dar-lhe a vitória no primeiro turno. Num “Brasil sem Nordeste”, o segundo turno apresentava panorama de virtual empate técnico. Isso significa que, desde a redemocratização do país, em 1985, pela primeira vez o Nordeste aparecia como componente absolutamente decisivo no destino final de uma eleição.
A força eleitoral de Lula no Nordeste resulta de uma combinação de fatores estruturais e conjunturais. Na região mais pobre do país se concentraram os investimentos dos programas sociais federais: Bolsa Família, Luz para Todos, crédito agrícola e outros.
Nos últimos anos a economia regional cresceu em ritmo apenas levemente superior à média brasileira, mas a injeção de recursos federais, especialmente através do Bolsa Família, provocou forte aumento do consumo das famílias mais pobres, que ampliaram as compras de alimentos perecíveis (leite e carne, principalmente), material de limpeza, higiene pessoal, perfumes, cosméticos e eletrodomésticos. O Nordeste experimenta uma “bolha de crescimento” inflada pelo aumento do consumo doméstico.
Segundo pesquisas de mercado, cerca de 60% dos seus habitantes passaram a consumir mais desde que passaram a receber as rendas do Bolsa Família.
A pesquisa do Ibope oferece mais que uma visão regional do voto lulista. O eleitorado do presidente concentra-se, marcadamente, entre os mais pobres. Na faixa de renda de até um salário mínimo, Lula tinha dois terços das intenções de voto e, na faixa de 1 a 2 salários, 55% das intenções de voto. Um empate técnico se registrava entre os eleitores de renda média. Alckmin vencia com folga na faixa de mais de 10 salários mínimos que, no discurso eleitoral do presidente, equivale aos “ricos” mas, de fato, é constituída principalmente pela classe média e inclui parte dos operários especializados.
Pode-se inferir facilmente da pesquisa, que se referia a um eventual segundo turno, que as intenções declaradas de voto nulo e branco refletiam, principalmente, o peso do eleitorado da candidata do PSOL, Heloísa Helena. Não é um acaso que a maioria desse eleitorado estivesse concentrado no Sudeste e nas faixas mais altas de renda.
A sociologia do voto também tem uma dimensão espacial. Enquanto a disputa não parecia tão desigual nos municípios das capitais, a vantagem de Lula era acachapante nos municípios periféricos das metrópoles e nas cidades do interior.
No discurso dos intelectuais petistas, a distribuição social e geográfica do voto tornou-se uma “prova” do suposto caráter progressista do governo Lula e de uma “identidade de classe” da política do presidente.
Naturalmente, no discurso dos  partidos de oposição, ressurgiram as velhas teses emboloradas segundo as quais os pobres “não sabem votar”.
Os dois argumentos são falsos. Todos, pobres e ricos, votam nos candidatos que parecem, numa determinada conjuntura política, corresponder melhor a suas expectativas de futuro. A revolta ou o desencanto vêm depois – e isso também vale para eleitores de todas as camadas sociais.
Fernando Collor foi eleito com ampla maioria entre os pobres. Fernando Henrique foi eleito e reeleito com votações consagradores nas faixas inferiores de renda.
Lula venceu em 2002 batendo facilmente Serra no voto da população pobre. Em si mesmo, o apoio dos que têm menos renda nada diz sobre a orientação política e econômica dos governos ou candidatos. O que não significa, é claro, que a distribuição social do voto seja irrelevante.
Mas o que distingue essa eleição é a concentração regional e social inédita do voto em determinado candidato. Lula aparece como uma espécie de unanimidade no Nordeste e nas faixas inferiores de renda. A rejeição ao presidente é um fenômeno do Centro-Sul e das camadas médias. A combinação, um convite ao salvacionismo e ao caudilhismo, não parece auspiciosa para o jogo da democracia.

Boletim Mundo n° 6 Ano 14

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