domingo, 28 de abril de 2013

Na época colonial, crianças de 7 anos já eram maiores de idade


Bruno Vieira Feijó
Julgadas como adultos, elas podiam ser condenadas até à pena de morte.
Ser maior de idade aos 18 anos é uma tradição recente no direito brasileiro. Ao longo do tempo, a maioridade mudou diversas vezes. O primeiro Código Penal, de 1830, por exemplo, estabelecia a idade de 14 anos para que alguém fosse julgado. Já o menor de 14 podia ser recolhido à “casa de correção”, uma espécie de Febem da época. Depois, o código de 1890 chegou a reduzir a maioridade para 9 anos. O último, elaborado em 1940 e em vigor até hoje, passou para os 18 anos.
Nada se compara, entretanto, à época do Brasil colônia, quando estavam em vigência as Ordenações Filipinas, as mesmas de Portugal (as Ordenações eram o conjunto de leis em que as penas para diversos crimes estavam estabelecidas). A maioridade se dava aos 7 anos. A partir daí, crianças e jovens eram severamente punidos, sem muita diferença em relação aos adultos – isso quer dizer que podiam ser até condenados à morte. Outras penas, consideradas “leves”, eram dadas publicamente, como parte do interrogatório. Caso, por exemplo, da aplicação de chicotadas, que faziam o sangue escorrer no primeiro golpe.

Aventuras na História n° 045

Camisinha: Cobertura do sexo


Ana Elisa Camasmie
Desde que foi inventada, há cerca de mil anos, a camisinha enfrentou inimigos como a religião, a polícia e até a crise do petróleo. Mas conseguiu se tornar parceira inseparável do prazer.

Em março, jornais anunciaram a possibilidade de que o papa Bento XVI autorize os católicos a usar camisinha nas relações sexuais – com a condição de que sejam casados e um deles esteja contaminado com o vírus HIV. Se considerarmos a enorme lista de desavenças da Igreja com o preservativo, essa possível liberação, ainda que restrita, é uma baita conquista. Mais uma na longa história da camisinha.
Uma das primeiras menções ao sexo seguro está na mitologia grega. Diz a lenda que Procris, filha do rei Erechteus, de Atenas, teve um romance com Minos, filho do todo-poderoso Zeus. Como o sêmen do rapaz era cheio de serpentes e escorpiões, Procris teria envolvido o órgão sexual dele em uma bexiga de cabra. Graças a isso, ela teria evitado o destino fatal reservado às outras amantes de Minos.
O mito de Procris aparentemente indica que os gregos, antes da era cristã, já usavam materiais de origem animal para evitar a transmissão de doenças durante o sexo. Mas, segundo o jornalista francês Vincent Vidal, autor do divertido La Petite Histoire du Préservatif (“A pequena história do preservativo”, inédito no Brasil), a invenção do artefato parece ter ocorrido apenas no século 10, na Ásia. Os chineses improvisavam uma camisinha usando papel de seda lubrificado com óleos. Já os japoneses utilizavam um acessório rígido – e aparentemente muito incômodo – feito de carapaça de tartaruga.
No Ocidente, o uso da camisinha (como quase tudo relacionado ao sexo) foi tabu até o fim da Idade Média. A primeira menção ao preservativo só foi publicada em 1564, num tratado médico: o italiano Gabriel Fallope, professor de anatomia, descreveu uma capa de linho embebida num líquido feito com ervas e absinto. A parafernália ajudaria a manter o pênis livre de infecções. Pouco tempo depois, outros textos franceses relataram o uso de um sachê peniano feito de tecido. Ele era usado para combater o “mal napolitano”, nome dado pelos franceses à sífilis, doença sexualmente transmissível (que, ironicamente, era chamada pelos italianos de “mal francês”).
O nome “camisinha”, aliás, surgiu na época do esforço contra a sífilis, graças ao dramaturgo inglês William Shakespeare, que nasceu por volta de 1564 e morreu em 1616. Um dos autores que mais bem compreenderam as peculiaridades dos relacionamentos humanos, ele chamou o apetrecho para proteger o pênis de “luva-de-vênus”, em homenagem à deusa romana do amor. Em português, o nome ficou sendo “camisa-de-vênus”, que deu origem ao apelido carinhoso usado hoje em dia.
Já o termo condom, nome pelo qual a camisinha é internacionalmente conhecida (em francês e inglês, por exemplo), tem origens controversas. A mais difundida é a de que foi inventada por um tal de doutor Condom, médico da corte do rei inglês Charles II, que fabricou um pequeno saco a partir das tripas de intestino de carneiro. Outra hipótese é a de que o nome venha da cidade de Condom, na França, onde os açougueiros teriam tido a mesma idéia. Mas a suposição mais aceita pelos etimólogos é de que condom venha da palavra latina condere, que quer dizer “esconder” ou “proteger”.

Questão de família
Em meados do século 17, na Europa, surgiram as primeiras referências à camisinha como meio de evitar a gravidez. O objetivo principal não era o planejamento familiar, mas a diminuição do número de filhos ilegítimos. Apesar de nem sempre funcionarem, as camisinhas tiveram largo uso no século 18. Um dos que mais se beneficiaram delas foi o rei francês Luís XIV, que pôde se preocupar menos com as dores de cabeça causadas pelo nascimento de filhos bastardos. Na chique corte de Versalhes, nos arredores de Paris, os preservativos não eram feitos de tripas de animais, mas de veludo ou seda. Enquanto isso, nas ruas parisienses, as camisinhas eram vendidas clandestinamente. O mo­tivo era religioso: como hoje, a Igreja Católica pregava que o sexo deveria ser praticado entre marido e mulher e servir somente para a reprodução.
Se em Paris a marcação sobre a camisinha era cerrada, em Londres as coisas eram mais liberais. Na metade do século 18, uma então célebre cafetina conhecida como miss Phillips passou a fabricar e vender camisinhas de tripa de carneiro para seus clientes. Outra senhora libertina, uma tal miss Perkins, copiou a idéia e abriu um estabelecimento semelhante. A disputa entre as duas incendiou o mercado do sexo, mas acabou indignando as autoridades londrinas, que proibiram a venda de camisinhas.
A polêmica a respeito da camisinha acabou envolvendo dois dos mais famosos devassos da Europa. Em A Filosofia na Alcova, escrito em 1787, o marquês de Sade recomendava o uso, no pênis, de sacos de pele animal. O objetivo era evitar as conseqüências indesejáveis das orgias. Mas, na mesma época em que o nobre francês fazia apologia da prevenção, a camisinha ganhava um inimigo inesperado. Giácomo Casanova, lendário conquistador italiano, considerava o artefato incômodo demais. “Jamais me valerei de uma pele morta para provar que estou vivo”, teria dito ele. Mesmo assim, Casanova parece ter se rendido à necessidade da camisinha. Depois de pegar sífilis pela 11ª vez, claro.
Na França, a legalização veio com a Revolução Francesa, quando surgiu uma loja parisiense especializada em camisinhas. Os clientes, cavalheiros de variados países, passavam por alguns constrangimentos. Como os preservativos eram costurados sob medida, os homens precisavam ser convencidos pelos vendedores a levar o tamanho apropriado, sem exagerar.
No fim do século 18, as camisinhas continuavam proibidas na Inglaterra. Mas, em 1798, o economista britânico Thomas Malthus divulgou uma tese que gerou pavor: o crescimento da população seria sempre maior que o aumento da capacidade de produzir comida, o que levaria a humanidade à miséria. Como era pastor, Malthus defendia a abstinência para controlar a natalidade. Mas, inspiradas por ele, as autoridades britânicas passaram a fazer vista grossa ao uso dos preservativos.

Ciclo da borracha
Enquanto os europeus ainda se viravam com camisinhas feitas de pano, pele ou entranhas de animais, um americano fez uma descoberta revolucionária. Em 1839, Charles Goodyear descobriu a vulcanização.
Com aquecimento e adição de enxofre, a borracha se tornava bastante maleável e resistente, capaz de ser moldada das mais diversas formas.
O preservativo de borracha só apareceu na Europa em 1870. Nesse ano, o escocês Mac Intosh passou a fazer o produto em série. No verão, sua fábrica fazia balões para crianças. No inverno, ela se encarregava de tornar mais seguras as brincadeiras dos adultos que se escondiam do frio. As camisinhas de borracha logo se espalharam pela Grã-Bretanha. Em 1883, a criatividade já tinha chegado às embalagens: alguns pacotes vinham com o rosto do primeiro-ministro inglês William Gladstone e da rainha Vitória.
No fim do século 19, os preservativos ainda não eram descartáveis – nas farmácias francesas, por exemplo, eram vendidos com garantia de cinco anos. E, apesar da concorrência das versões de borracha, as camisinhas feitas com tecidos animais só desapareceriam no começo do século 20. Em 1910, ainda se tentou usar a bexiga natatória dos peixes como matéria-prima, mas a iniciativa não vingou.
Nas grandes cidades européias, lojas especializadas em higiene pessoal começaram a vender modelos bastante requintados de camisinha. “A riqueza e a diversidade dos produtos incluía preservativos perfumados, com formas e texturas surpreendentes, vendidos com discrição ou muito bem disfarçados sob a fachada de uma honrosa caixa de charutos Havana”, escreve Vincent Vidal. Mas, mesmo com tanta modernidade, as camisinhas não escaparam de uma nova proibição na França. Em 1920, após as milhões de mortes causadas pela Primeira Guerra e pela epidemia de gripe espanhola, o governo do presidente Raymond Poincaré proibiu qualquer método anticoncepcional. Que­ria estimular a população a ter mais filhos. A restrição foi suspensa tempos depois.
Em 1930, chegou ao mercado a inovação que deu às camisinhas sua cara atual. Elas passaram a ser feitas de látex e, enfim, se tornaram descartáveis. Enquanto os europeus aderiam em massa à novidade, os americanos de diversos estados ainda eram proibidos de comprar camisinhas. Para piorar, na Segunda Guerra, a única fábrica de borracha dos Estados Unidos acabou sendo bombardeada em 1941, durante o ataque japonês a Pearl Harbor. Ela pararia de fazer camisinhas logo depois.
Os americanos, aliás, foram responsáveis por colocar no mercado um invento que, por muito tempo, desmoralizou a camisinha. Em 1961, surgiu a pílula anticoncepcional. Tomando hormônios, as mulheres acabavam com o perigo de engravidar. Ignorando as doenças sexualmente transmissíveis, muita gente abandonou o preservativo. Para completar, a crise do petróleo, na década de 1970, faz o preço da borracha sintética disparar.
A camisinha só recuperaria sua popularidade nos anos 80, de maneira trágica. O surgimento da aids fez com que o mundo voltasse a temer o sexo sem proteção. Para a geração nascida depois da descoberta do vírus HIV, causador da doença, o preservativo se tornou um acessório indispensável.

Sexo sim, filho não
Sem a camisinha, mulheres faziam de tudo para não engravidar.
Os despreocupados homens só começaram a usar a camisinha como método contraceptivo no século 17. Bem antes disso, as mulheres já tinham seus segredos para (tentar) evitar a gravidez. No Egito, por volta de 1850 a.C., elas lambuzavam a região genital com mel ou com uma pomada feita de.. excrementos de crocodilo! Aparentemente funcionava: por serem muito alcalinas (o oposto de ácido), as fezes do réptil matariam os espermatozóides. Mais de mil anos depois, na Grécia antiga, a moda entre as mulheres era ferver testículos de burro e passar o líquido resultante na vagina. Como esse animal, híbrido do cavalo e do jumento, é incapaz de ter filhos, as gregas acreditavam que podiam ficar inférteis temporariamente.
Na Idade Média, o teólogo alemão Alberto, o Grande, prescrevia poções feitas com órgãos sexuais de touros para evitar filhos. A solução mais popular daquela época, entretanto, eram as esponjas vaginais. Eram tampões feitos de folhas de menta e acácia, ou então de cera de abelhas, que tinham a função de absorver o sêmen. O problema é que eles só eram inseridos na vagina depois da relação sexual – tarde demais, como sabemos hoje.

Aventuras na História n° 045

Três livros para entender a saúde e a doença


Moacyr Scliar
Das Tripas Coração
Roy Porter, Record, 2004
O autor, o inglês Roy Porter, morto em 2002, era um dos mais conhecidos historiadores da medicina em todo o mundo. Nesta obra, Porter alia enorme conhecimento a uma extraordinária capacidade de comunicação. O resultado é uma leitura interessante e agradável.
A História e suas Epidemias
Stefan Cunha Ujvari, Senac, 2003
Stefan Cunha Ujvari é médico infectologista. O que ele nos narra aqui é a história dos grandes surtos epidêmicos que dizimaram vastos contingentes populacionais desde a Antiguidade. Obra erudita, fruto de exaustiva pesquisa, e muito bem contada.
Tributo a Vênus
Sérgio  Carrara, Fiocruz, 1996
O livro tem como subtítulo A Luta contra a Sífilis no Brasil, da Passagem do Século aos Anos 40. Sérgio Carrara é antropólogo  e pesquisador da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Nesta obra, ele analisa a trajetória de uma doença que assombrou o Brasil durante boa parte dos séculos 19 e 20. Vale a pena ler para conhecer também as crendices e os mitos que foram propagados com relação à enfermidade.
Moacyr Scliar é médico sanitarista e autor de vários livros, entre eles A Paixão Transformada – A História da Medicina na Literatura.

Aventuras na História n° 045

A Grande Pirâmide de Gizé


Maria Dolores Duarte
A mais antiga maravilha é a única que ainda está de pé.
A Grande Pirâmide de Gizé, no Egito, é a mais antiga das Sete Maravilhas do mundo antigo – e a única que ainda existe. Erguida em 2550 a.C., foi trabalho para muita gente. Estima-se que 100 mil homens tenham participado de sua construção, que levou cerca de 20 anos. Eram homens livres, pagos muitas vezes com comida e cerveja.
Três construções formam o complexo conhecido como Pirâmides de Gizé. Mas apenas a maior, a Grande Pirâmide, é considerada uma das maravilhas. Ela foi construída pelo faraó Quéops (seu nome egípcio era Khufu; Quéops é o nome grego, mais famoso) para ser sua tumba, no platô de Gizé, perto do Cairo. Suas dimensões são monumentais: 137 metros de altura – originalmente eram 147 – e 227 metros em cada lado da base. Ela foi a construção mais alta do mundo até a Torre Eiffel, em Paris, ser inaugurada, em 1889.
“As pirâmides eram obras nacionais, que reuniam todo o Egito, o que ajudava na unificação política”, diz o egiptólogo Antônio Brancaglion, do Museu Nacional do Rio de Janeiro. “Existia, inclusive, uma espécie de fundação que geria os recursos destinados aos salários e materiais necessários para sua construção e manutenção.”

Gigante egípcia
Construção foi a mais alta do mundo por mais de 4 mil anos.

Feita para brilhar
Quéops mandou revestir toda a parte externa de sua futura tumba com pedra calcária polida. A pirâmide, literalmente, brilhava com a luz do sol e podia ser vista a quilômetros de distância. O revestimento foi saqueado há mais de 600 anos. Hoje existem apenas resíduos dele no topo da maravilha.

Exploração complicada
Além da Câmara do Rei, outras duas são conhecidas: a da Rainha (que, apesar do nome, não abriga a múmia da mulher de Quéops, que foi enterrada fora da Grande Pirâmide) e a Secreta. Para descobrir se há outras salas, os cientistas teriam de usar explosivos, que podem danificar a estrutura da obra.

Sistema de segurança
Entre as medidas tomadas para que o sarcófago do faraó não fosse saqueado, os idealizadores da pirâmide colocaram pedregulhos para bloquear as entradas, portas pesadas de granito, corredores e câmaras vazias para despistar invasores.

Indecisão faraônica
Durante os 20 anos  que a pirâmide levou para ser construída, Quéops teria mudado duas vezes de idéia quanto à localização de seu sarcófago. Por fim, acabou optando por uma sala localizada no centro da pirâmide, camada de Câmara do Rei. Quéops teria sido enterrado lá. Mas, quando o local foi explorado, em 820, o sarcófago já estava aberto e vazio.

Engenharia misteriosa
Ainda não se sabe como os egípcios levantaram a obra.

O caminho das pedras
Existem algumas teorias que explicam como teria sido o processo de construção da Grande Pirâmide. A mais aceita é a de que os blocos eram arrastados sobre troncos de madeira por uma rampa. Outra possibilidade seria uma rampa nas paredes externas do monumento.

Não é magia, é tecnologia
Uma nova teoria, apresentada em março pelo arquiteto francês Jean-Paul Houdini, afirma que os primeiros 43 metros foram construídos com a rampa externa, mas, a partir daí, os blocos foram levados até o topo por meio de rampas internas em espiral.

Pedras preciosas
Duas hipóteses explicam a origem dos 3 milhões de blocos de pedra da pirâmide (cada um tem 2,5 toneladas). Uma é que as tais pedras foram levadas de territórios próximos, de barco pelo rio Nilo, e içadas por cordas pelos operários. Outra é que essas pedras eram sintéticas, feitas com uma espécie primitiva de concreto, à base de calcário, e vazadas em moldes no canteiro de obras.

Aventuras na História n° 045

Pequenos grandes homens: as crianças no século 18


Direitos infantis são conquista do século 20.
Até o século 18, as crianças brasileiras eram educadas para obedecer ao pai. Não havia legislação que as protegesse dos maus-tratos – mas isso não havia em lugar nenhum do mundo. Elas rapidamente se portavam e se vestiam como adultos, pulando a adolescência. “Tanto foi assim que, no Brasil colonial, os filhos de fazendeiros e grandes comerciantes eram chamados de sinhozinhos”, afirma Jean Marcel França, historiador da Universidade Estadual Paulista.
A constatação de que crianças e adolescentes precisavam de leis especiais se deu apenas no século 20, em 1924, através da Declaração de Genebra, na Suíça. Três anos depois, o Brasil instaurava o Código de Menores.
Na Europa
Como funcionava lá.
Escola era luxo
No século 18, a escola era freqüentada apenas por poucos meninos. O tempo de estudo se restringia a até cinco anos. As meninas eram excluídas: casavam cedo e tinham de assumir a casa.
Meninas bruxas
Durante a Inquisição, extinta ao longo do século 18, as meninas não eram poupadas das torturas e de serem mortas queimadas na fogueira, quando acusadas de bruxaria.
Trabalho infantil
Na primeira metade do século 19, as fábricas construíam máquinas nas dimensões apropriadas às crianças, que trabalhavam, pelo menos, 12 horas por dia. Seria um “antídoto” contra os vícios que ameaçariam os desocupados.

Aventuras na História n° 045

Verrugas, adultério e Messalina


Cláudia de Castro Lima
Questão de gosto
No século 17, a moda feminina no Brasil seguia a tendência européia. Os vestidos eram feitos de cetim e bordados a ouro. Na cabeça, era bacana usar uma armação por baixo dos cabelos, para dar volume. Mas o mais estranho era o hábito de colar no rosto pedaços de tecidos enrolados, imitando pequenas verrugas. Elas eram consideradas charmosíssimas.
Dois pesos e duas medidas
Em Roma, um pai podia matar uma filha – mas ai da filha que fizesse o mesmo. Em 17 a.C., um dos artigos do conjunto de leis morais Lex Julia tratava sobre a punição do adultério: o pai da adúltera estava autorizado a matá-la. Já a Lei Pompéia condenava quem matasse o pai a ser enfiado  em um saco com um cachorro, um gato, uma cobra e um macaco. Depois disso tudo, ele ainda era jogado ao mar.
Comigo ninguém pode
A imperatriz Messalina, que viveu entre 20 e 48 e foi a terceira mulher do imperador romano Cláudio, teve seu nome associado à prostituição não por acaso. Já casada, ela teria desafiado uma prostituta, Scylla, para uma competição de sexo por 24 horas. Scylla desistiu quando cada uma já tinha mantido relações com 25 homens. Messalina só parou quando as 24 horas se completaram porque estava exausta – porém, dizem, não satisfeita.

Aventuras na História n° 045

Origem da expressão "tirar o cavalo da chuva"


A visita fazia isso quando não queria ir embora tão cedo
O cavalo era o meio de locomoção mais prático até a popularização do trem, no século 19. Ao chegar a alguma casa, o lugar onde o animal era amarrado indicava a intenção do visitante. “Se o moço amarrava o cavalo à frente do cômodo, era sinal de permanência breve. Já se levava para um lugar protegido da chuva e do sol, podia botar água no feijão, a visita ia demorar”, conta o lingüista Reinaldo Pimenta no livro A Casa da Mãe Joana.
Sem o convite do anfitrião, entretanto, tentar proteger o cavalo era uma indiscrição feita pelo convidado pouco desculpável. Somente quando o dono da casa estivesse apreciando a prosa e dissesse “pode tirar o cavalo da chuva” – ou seja, desistir da pressa de ir embora – é que a acomodação da montaria estava autorizada. Com o passar do tempo, “tirar o cavalo da chuva” virou sinônimo apenas de desistir de alguma coisa.

Aventuras na História n° 045

A origem da expressão "morrer de sono"


Bruno Vieira Feijó
Piada com pessoas mortas de sono teria criado a frase.
A expressão aparece em vários dicionários como sinônimo de atrapalhar-se, confundir-se. Um dos únicos autores que arrisca um palpite para sua origem, ainda que sem datas ou local onde ela teria sido inventada, é o etimologista Antenor Nascentes, em seu livro Tesouro da Fraseologia Brasileira, de 1945.
Segundo o pesquisador, a frase teria vindo de uma piadinha que era feita com as pessoas tontas de sono, que protagonizavam sérias trapalhadas na hora de se vestir. Uma delas era enfiar os pés nos lugares das mangas da camisa. A tentativa não acabava bem, claro.

Aventuras na História n° 045

Aquarelas da Lua, o perfume mais antigo e as pedras da coroa


A Lua de Galileu
Cinco aquarelas feitas da Lua pelo italiano Galileu Galilei (1564-1642) foram descobertas por dois especialistas europeus. Os desenhos, que retratam as diferentes fases da Lua, têm uma precisão impressionante – estão lá as hoje famosas crateras lunares. Eles faziam parte de um tratado de Galileu chamado Mensageiro das Estrelas, publicado em Veneza em 1610, que descrevia as primeiras observações feitas com o uso de um telescópio.

Cheiro de Afrodite
O perfume mais antigo do mundo foi encontrado por arqueólogos italianos no Chipre. Feitos de extratos de lavanda, pinho, louro, alecrim e coentro, os resquícios das essências tinham 4 mil anos e estavam guardados em garrafas transparentes. Os perfumes foram achados no local em que os arqueólogos acreditam que funcionava uma fábrica de quase 4 mil metros quadrados. O tamanho da perfumaria impressionou os cientistas, que acham que o perfume era produzido em escala industrial. A produção de perfumes pode estar relacionada à deusa grega Afrodite, do amor. É que a ilha de Chipre é o local de origem do culto a ela.

Polêmica da coroa
O Ministério Público Federal investiga uma suposta troca de pedras preciosas da coroa de dom Pedro II (que tem 639 brilhantes e 77 pérolas), exposta no Museu Imperial de Petrópolis, no Rio de Janeiro. A tal substituição das pedras preciosas por outras falsas teria ocorrido durante a confecção de uma réplica, feita em 2004 pela joalheria Amsterdan Sauer – a réplica se encontra numa das lojas da rede. O MP quer saber como a peça foi feita, quem acompanhou o trabalho e por que a joalheria escolhida foi essa. Segundo a direção do Museu Imperial, a Amsterdan Sauer foi escolhida porque foi a única que se ofereceu a fazer a réplica sem custos.

Aventuras na História n° 045

Dieta dos povos sambaquis: tártaro revelador


Pesquisa mostra a dieta dos povos dos sambaquis.
Há quase 3 mil anos, os povos que habitavam regiões litorâneas do sul do Brasil comiam tubérculos. E mascavam folhas de palmeira – provavelmente para confeccionar cordas e cestos. Isso pôde ser constatado com uma técnica desenvolvida por pesquisadores da Universidade de São Paulo, que analisa o tártaro presente nos dentes das populações.
O método é uma espécie de “limpeza dental”, feita com uma solução à base de ácido hidroclórico. Foi descoberto por cientistas do Laboratório de Antropologia Biológica da USP e publicado no Jornal de Ciência Arqueológica. O tártaro encontrado nos dentes dos esqueletos revela o tipo de alimento consumido dias ou até semanas antes da morte do indivíduo.
A população estudada pela equipe de pesquisadores pertence ao sítio arqueológico Jabuticabeira II, um sambaqui localizado em Jaguaruna, em Santa Catarina. São esqueletos com idades entre 1800 e 2800 anos.

Aventuras na História n° 045

O mapa da arte pré-histórica


Paulo Araújo
Livro revela pinturas e gravuras com até 12 mil anos de 32 sítios arqueológicos brasileiros.

Com exceção, talvez, dos painéis do Parque Nacional da Serra da Capivara, em São Raimundo Nonato, no Piauí, a produção artística dos povos que ocuparam nosso país há milhares de anos é pouco conhecida dos brasileiros. Para mudar esse panorama, três especialistas se reuniram há sete anos para visitar e fotografar 32 sítios arqueológicos em 15 estados brasileiros.
O arqueólogo André Prous, da Universidade Federal de Minas Gerais, a historiadora Loredana Ribeiro, da Universidade Estadual de Campinas, e o cineasta e artista plástico curitibano Marcos Jorge viajaram de Roraima a Santa Catarina e descobriram verdadeiros “filmes” impressos em grutas e paredões. Os desenhos são datados de até 12 mil anos atrás.
Resultado da edição das fotos, Brasil Rupestre – Arte Pré-Histórica Brasileira, da editora Zencrane, é ao mesmo tempo um livro de arte e ciência, dividido em duas partes. Na primeira, traz um ensaio fotográfico bem editado sobre homens e pedras, acompanhado de impressões do cineasta sobre os locais visitados. Na segunda parte, os professores explicam em linguagem simples os conceitos básicos de arqueologia e constroem uma linha do tempo sobre as representações visuais do homem pré-histórico brasileiro.

O que sugerem as imagens
Não há explicação técnica sobre os temas da arte rupestre. Mesmo assim, é possível observar padrões de representação gráfica.

O todo pela parte
No Nordeste e no centro do Brasil, a palma da mão é um desenho recorrente. Pode ser a prova da participação em ritual religioso.

Objetos de caça
O homem pré-histórico brasileiro já trabalhava com vários instrumentos, especialmente de caça: lanças, tacapes, ganchos e arcos estão presentes em quase todas as cavernas e paredões Brasil afora.

Formas humanas
É o desenho mais encontrado de norte a sul do país. No Rio Grande do Norte, as figuras têm cabeças em forma de C (ou apresentam um bico de ave), enquanto na serra da Capivara, no Piauí, elas são ovóides.

Aventuras na História n° 045

Videogames: Jogos de guerra


Cláudia de Castro Lima
Série de TV conta a história do videogame, que surgiu da tecnologia militar.

Não fosse a guerra, você hoje não poderia jogar videogame. Ou pelo menos eles não seriam tão sofisticados. A "Era do Videogame", documentário em cinco capítulos da Discovery Channel, descreveu a evolução dos jogos eletrônicos – e como eles foram desenvolvidos a partir da tecnologia militar.
Tudo começou em 1958. Em plena Guerra Fria entre Estados Unidos e União Soviética, o físico nuclear americano William Higinbotham, do Brookhaven National Laboratories, criou o primeiro jogo de computador em que duas pessoas interagiam, o Tennis For Two. Para isso, fez uso da tecnologia para criar simulações de lançamento de mísseis e prever os resultados de uma guerra nuclear. Três anos depois, em meio à corrida espacial, o estudante de engenharia americano Steve Russel também viajou nessa história de sair da Terra. E criou Spacewar!.
O mercado de games, depois disso, só fez crescer. O desenvolvimento tecnológico permitiu a criação de plataformas caseiras para jogar esses games, os consoles, em vez dos caríssimos e ainda enormes computadores. Essas e outras histórias serão contadas em cinco episódios, a partir de 16 de maio.

A evolução dos games
Década por década, os grandes sucessos.
1950
Com Tennis for Two, duas pessoas podiam se enfrentar num jogo de computador.
1960
Spacewar! foi desenvolvido em um computador enorme – só ele valia 120 mil dólares.
1970
Os gráficos de Pac Man, lançado em 1979, já eram coloridos e o jogo tinha mais interatividade.
1980
Em 1985, surgia o megassucesso Super Mario Bros.: desenhos em 3D e melhor definição.
1990
Um dos mais populares jogos de luta, Mortal Kombat, de 1993, tinha vários recursos visuais.
2000
Os games são quase filmes, como The Sims, jogo de simulação da vida real.

Aventuras na História n° 045

Viagem de Guimarães Rosa ao grande sertão rendeu obras da literatura


João Correia Filho
Em 1952, o escritor João Guimarães Rosa fazia uma viagem pelo interior de Minas Gerais. Além de lembranças, trouxe personagens.

Algumas viagens entram para a história. Outras entram também para a literatura. Foi o que aconteceu com o escritor João Guimarães Rosa, quando, em maio de 1952, se lançou numa empreitada pelo sertão mineiro que marcaria sua vida e sua obra. Acompanhado de oito vaqueiros e levando 300 cabeças de gado, percorreu em dez dias os 240 quilômetros que separam Três Marias e Araçaí, na região central de Minas Gerais, sua terra natal. Trazia amarrada ao pescoço uma caderneta, onde anotava tudo que via e ouvia – as conversas com os vaqueiros, as sensações, as dificuldades e tudo que brotasse daquele mundo que ele reencontrava depois de anos vivendo como diplomata no exterior.
As cadernetas, hoje parte do acervo do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo, foram reunidas em dois diários, que Rosa chamou de A Boiada 1 e A Boiada 2. As anotações seriam utilizadas como elementos de suas próximas obras – entre elas, Corpo de Baile (lançado em 1956), Tutaméia (de 1967) e Grande Sertão: Veredas (1956).
No dia 16 de maio, o escritor chegava à fazenda Sirga, de seu primo Francisco Moreira, em Três Marias. Três dias mais tarde, a boiada partiria para a viagem, fazendo seu pouso em várias fazendas e vilarejos da região. Rosa fez questão de acompanhar o dia-a-dia dos vaqueiros em tudo, comendo da mesma comida – carne-seca, toucinho, feijão e arroz com pequi – e dormindo nos mesmos locais. Em Barreiro do Mato, por exemplo, teria dormido dentro de uma grande forma de rapadura, um enorme tacho côncavo, e em vários outros locais passou a noite em colchões de palha de milho, comuns naquela época. Já próximo a Cordisburgo, cidade em que nasceu e etapa final da viagem, a comitiva teve um encontro com uma equipe da revista O Cruzeiro, que cobria a viagem do já famoso autor de Sagarana, lançado em 1946.
As obras de Rosa possuem uma infinidade de referências diretas e indiretas à viagem de 1952. A principal delas está em Corpo de Baile, mais especificamente na novela “Uma Estória de Amor”, inspirada na vida de Manuel Nardy, um dos oito integrantes da comitiva. Ele aparece transfigurado no personagem de Manuel Jesus Rodrigues, o Manuelzão. As semelhanças vão além do nome: estão em acontecimentos da vida do vaqueiro.
Outro vaqueiro que se destacou durante a viagem foi João Henrique Ribeiro, o Zito. Embora não tenha ficado tão famoso quanto Manuel, era Zito quem seguia o tempo todo ao lado do escritor. Assumiu as funções de guia e de cozinheiro da tropa e tirava quase todas as dúvidas de Guimarães Rosa. Embora não tenha resultado na criação de um personagem, a relação entre Zito e o escritor também teve seu destaque na obra. A perspicácia do vaqueiro chamou tanto a atenção de Rosa que, anos mais tarde, ele o homenagearia em Tutaméia, lançado no ano da morte do escritor. Em um dos quatro prefácios, Guimarães Rosa transcreve trechos de conversas com o vaqueiro e elogia sua inteligência e criatividade.

O guia de Rosa
Vaqueiro que acompanhou o escritor se inspirou e também deixou anotações em seu caderno
Dono de uma memória prodigiosa, o vaqueiro Zito guardou detalhes da viagem de Guimarães Rosa que ajudaram a reconstituir cada passo da aventura vivida pelo escritor – incluindo nomes, lugares e datas. “Ele queria saber de tudo. Se visse aquele pau ali, queria saber o nome daquele pau. Se ouvisse uma conversa, queria saber do que a gente falava. E ia escrevendo tudo nas cadernetas que levava penduradas no pescoço”, disse, em 2001. Segundo o vaqueiro, Rosa teria dito que pagaria seus estudos no Rio de Janeiro, proposta que ele recusou. “Queria mesmo era ser vaqueiro.” Zito morreu aos 65 anos, em 2002, em Três Marias. Foi o penúltimo dos oito vaqueiros da tropa a morrer – o último foi Sebastião Leite, há dois anos. Da viagem, Zito deixou um caderno escolar. Todas as noites, sentava-se próximo à fogueira e escrevia versos sobre o duro dia de trabalho. Em frases simples e com uma caligrafia arrastada, Zito transformava a vida real em poesia, tal como o fez João Guimarães Rosa.

Aventuras na História n° 045

Bombardeio em Guernica: Chuva de fogo

Mauro Tracco

Há 70 anos, a cidade basca de Guernica foi vítima do primeiro grande bombardeio moderno. A destruição, orquestrada pelos nazistas, serviu de ensaio para os horrores da Segunda Guerra.
Tradicionalmente, a semana em Guernica começava com uma feira livre. Naquela segunda-feira, 26 de abril de 1937, agricultores dos arredores da pequena cidade basca vendiam os frutos de seu trabalho na praça principal. Às 16h30, um único badalar do sino da igreja anunciou a incursão aérea. Dez minutos depois, vieram as bombas. Guernica ficou arrasada – e o mundo foi apresentado ao poder dos ataques aéreos sistemáticos, que se tornariam comuns poucos anos mais tarde, durante a Segunda Guerra Mundial.
Na época do bombardeio, a Espanha vivia a Guerra Civil. Após um fracassado golpe militar contra o governo do socialista Francisco Largo Caballero, em 1936, as tropas do general Francisco Franco não desistiram de tomar o poder. Divididos, os espanhóis passaram a se enfrentar em diversos pontos do país. Os combatentes leais ao governo de esquerda, chamados de republicanos, contavam com o apoio da União Soviética. Já as forças de Franco, os nacionalistas, tiveram a ajuda da Itália fascista de Benito Mussolini e da Alemanha nazista de Adolf Hitler.
Desde o início, Franco havia tentado conquistar Madri. Em abril de 1937, a capital ainda não havia caído e o general decidiu optar por um alvo mais fácil: o norte espanhol. As regiões de Astúrias e Santander e as províncias do País Basco estavam em péssima situação militar. Lá, a força aérea dos republicanos era inexistente. Os céus estavam abertos para as bombas nacionalistas.
Guernica, no País Basco, era habitada por apenas 6 mil pessoas. Não possuía defesa, nem qualquer alvo militar, salvo a ponte sobre o rio Mundaca, cuja destruição poderia dificultar uma retirada do exército basco. Apesar da insignificância estratégica da cidade, seu centro foi alvo do até então mais violento ataque aéreo da história. Mas por quê? Nada de mais. Para os nazistas, foi apenas um teste.
Os protagonistas do ataque a Guernica foram aviadores alemães, com a ajuda – muitas vezes desajeitada – de pilotos italianos. Hermann Goering, comandante da Luftwaffe (a força aérea alemã), revelou em 1946, durante julgamento no Tribunal de Nuremberg, que Guernica foi um estupendo laboratório para ensaiar sistemas de bombardeios com projéteis explosivos e incendiários em uma cidade aberta. O resultado da mórbida experiência se tornou o episódio mais lembrado da Guerra Civil.

Símbolo de autonomia
Guernica não foi a primeira vítima da temida Legião Condor, a unidade militar enviada por Hitler à Espanha. Embora com menos intensidade, as cidades de Durango e Éibar já haviam sido bombardeadas. Mas, além de ter sido acertada com mais violência, Guernica tem uma enorme importância simbólica para o povo basco, que vive no norte da Espanha e no sul da França. A destruição mexeu com os brios desse milenar grupo étnico. Na Idade Média, Guernica foi a vila onde se reuniam as Juntas Gerais (espécie de conselho político) de Biscaia, região habitada pelos bascos. Sob uma árvore do século 14, o Carvalho de Guernica, os monarcas espanhóis juravam lealdade aos Foros Bascos, um conjunto de leis que regulamentava os costumes e os direitos desse povo. Isso mantinha vivo o respeito da Espanha pelos bascos.
A árvore durou 400 anos. No século 19, após sua morte, outro carvalho foi plantado no local. Mas, tempos depois, o governo espanhol resolveu deixar de respeitar os Foros Bascos. Na virada do século 20, o povo basco intensificou seu nacionalismo, pregando até a separação da Espanha. Em outubro de 1936, no início da Guerra Civil, o governo republicano fechou um acordo que dava autonomia ao País Basco (que inclui, além de Biscaia, as províncias de Álava e Guipúzcoa). Durante todo esse tempo, Guernica se manteve como uma referência para a região.
“Os alemães deviam estar cientes dessa importância, mas não acho que isso tenha sido determinante na escolha de Guernica como alvo. Provavelmente a teriam atacado de qualquer jeito”, afirma Félix Luengo, diretor do Departamento de História Contemporânea da Universidade do País Basco. O general Franco, no entanto, certamente enxergou em Guernica uma boa oportunidade de humilhar o povo basco, visto como traidor da causa nacionalista. E, no dia do bombardeio, a cidade abrigava pelo menos mil refugiados, vindos de localidades espanholas que já tinham sido atacadas pelo exército de Franco.

Roteiro macabro
O planejamento do bombardeio é atribuído a Wolfram von Richthofen, então chefe do Estado-Maior das Forças Armadas alemãs (e primo do Barão Vermelho, lendário piloto da Primeira Guerra). Tudo começou com um único Dornier Do-17, de fabricação alemã. Ele veio do sul e soltou cerca de uma dúzia de bombas de 50 quilos no centro da cidade. As pessoas que estavam na feira correram para abrigos, fazendas e bosques. Após completar a missão, o Dornier voltou para a base. No percurso, cruzou com três Savoia-79 italianos que chegaram a Guernica instantes depois. A patrulha sobrevoou a cidade por um minuto. Tempo suficiente para soltar 36 bombas de 50 quilos. Quando se retiraram, os danos causados ainda eram relativamente pequenos. Apenas alguns prédios haviam sido atingidos, como o quartel-general dos republicanos e a igreja de San Juan.
Às 16h45 começou a terceira onda de bombardeios, executada por um Heinkel-111 alemão escoltado por cinco caças Fiat CR-32 italianos. Às 17h e às 18h, outros dois Heinkel despejaram sua carga explosiva sobre Guernica. Caso os ataques tivessem parado por aí, já seria um castigo excessivo para uma cidade que, até então, havia sido poupada da guerra. Mas o pior ainda estava por vir.
Três esquadrões de Junkers Ju-52 alemães, carregados com projéteis explosivos de até 250 quilos e bombas incendiárias, chegaram a Guernica escoltados por caças Fiat e Messerschmitt Bf-109, o orgulho da aviação nazista. Às 18h30, o primeiro esquadrão de Ju-52 iniciou sua ação. Enquanto a carga dos bombardeiros destruía e incendiava os prédios de Guernica, os caças metralhavam civis indefesos que fugiam. Por cerca de três horas, 40 aviões participaram do massacre.
Logo após a destruição de Guernica, George Steer, correspondente do jornal inglês The Times, notou que o único alvo estratégico da cidade, a ponte sobre o rio Mundaca, ainda estava intacto. Steer percebeu que a prioridade dos nazistas não tinha sido causar danos militares. “O objetivo do bombardeio parece ter sido desmoralizar a população civil e destruir o berço da raça basca”, escreveu.
Na época, o número de mortos divulgado passava de 1600. Hoje em dia, é consenso que o número foi bem menor. Um estudo do historiador espanhol Jesús Salas Larrazábal identificou nome e sobrenome de apenas 120 mortos. “O número de vítimas fatais deve ter sido em torno de 200, mas desde o primeiro momento foram difundidos dados exagerados do total de mortos. Isso multiplicou o impacto da notícia”, diz o basco Félix Luengo.
O general Franco certamente não esperava que o ataque despertasse tamanha comoção na opinião pública internacional. Correspondentes estrangeiros que cobriam a guerra na Espanha visitaram o local do bombardeio na mesma noite e no começo da manhã seguinte. Em poucos dias, o mundo começou a ler nos jornais a história do horror em Guernica. A indignação foi tamanha que franquistas e nazistas trataram de negar a operação. Em 29 de abril, a imprensa favorável a Franco chegou ao cúmulo de dizer que a maior parte dos danos a Guernica havia sido causada por incendiários bascos, para indignar a população e aumentar o espírito de resistência.
A Guerra Civil acabou em 1939, com a vitória de Franco. Ele assumiu o poder e, como era de esperar, suprimiu a autonomia dos bascos. Aliás, durante sua ditadura, dizer que Guernica tinha sido bombardeada podia até dar cadeia. Em 1967, um jovem sacerdote da cidade de Navarra foi julgado em Madri pela “calúnia” de ter escrito que Guernica havia sido destruída pela força aérea nacionalista.
Alguns estudiosos espanhóis, como Onésimo Diaz, professor de História da Universidade de Navarra, não discutem a violência do ataque, mas acreditam que não foi isso que colocou Guernica na história. “Se não fosse pelo quadro homônimo de Picasso, Guernica não teria tido mais repercussão que outras cidades bombardeadas”, afirma. Poucos anos depois, o que acontecera naquele 26 de abril se tornaria tragicamente comum. Em setembro de 1939, o mesmo Von Richthofen comandou o bombardeio nazista de Varsóvia, na Polônia, no primeiro mês da Segunda Guerra. Durante o conflito, os dois lados usariam aviões para arrasar cidades inteiras, matando dezenas de milhares de pessoas por vez. O fim da Segunda Guerra, aliás, só chegaria em 1945, quando as japonesas Hiroshima e Nagasaki viraram pó sob bombas atômicas despejadas por aviões americanos.
Após o bombardeio de Guernica, restou ao povo basco o consolo de ver que o carvalho plantado no século 19 não tinha sido atingido – foi salvo por estar longe do centro da cidade. Em 1979, quatro anos após a morte de Franco, a árvore ainda estava viva para acompanhar o tratado que devolveu a autonomia para o País Basco. O velho carvalho morreu após uma estiagem em 2003. Mas cedeu seu lugar à terceira árvore do mesmo tipo – que, impávida, segue a celebrar a autonomia basca.

Asas da morte
Conheça os aviões alemães e italianos que participaram do ataque a Guernica.

Dornier DO-17 E
Com sua fuselagem estreita, o bombardeiro era conhecido como “lápis voador”. Foi um deles que soltou as primeiras bombas em Guernica. Serviu os nazistas nos três primeiros anos da Segunda Guerra.

Comprimento: 16,25 m
Envergadura: 18 m

Peso máximo: 7040 kg
Velocidade máxima: 355 km/h

Armamento: 4 metralhadoras de 7,9 mm
Carga de bombas: 750 kg

Fiat CR-32 Bis
Caça responsável pela escolta dos Junkers em Guernica, foi tão bem-sucedido na Espanha que a Itália achou desnecessário modernizar sua frota. Na Segunda Guerra, o CR-32 foi presa fácil para os caças ingleses.

Comprimento: 7,45 m
Envergadura: 9,5 m

Peso máximo: 1865 kg
Velocidade máxima: 341 km/h

Armamento: 4 metralhadoras (2 de 12,7 mm e 2 de 7,7 mm)
Carga de bombas: 100 kg

Heinkel HE-51 B1
Durante a Guerra Civil, esse caça alemão, usado para metralhar a população de Guernica, foi inferior aos aviões russos dos republicanos. Por isso, não foi usado na Segunda Guerra.

Comprimento: 8,4 m
Envergadura: 11 m

Peso máximo: 1895 kg
Velocidade máxima: 330 km/h

Armamento: 2 metralhadoras de 7,9 mm

Heinkel HE-111 B
O bombardeiro médio que atuou na terceira onda de ataques à vila basca foi uma das principais máquinas da Luftwaffe no começo da Segunda Guerra. Destacou-se durante os ataques contra a Inglaterra, em 1940.

Comprimento: 16,4 m
Envergadura: 22,6 m

Peso máximo: 10000 kg
Velocidade máxima: 370 km/h

Armamento: 3 metralhadoras de 7,9 mm
Carga de bombas: 1500 kg

Junkers JU-52/3M
A maior parte das bombas que destruíram Guernica saiu de Junkers Ju-52. Mas, durante a Segunda Guerra, ele foi empregado principalmente como avião de transporte e lançamento de pára-quedistas.

Comprimento: 18,9 m
Envergadura: 29,24 m

Peso máximo: 10500 kg
Velocidade máxima: 277 km/h

Armamento: 3 metralhadoras de 7,9 mm
Carga de bombas: 1500 kg

Messerschmitt BF-109 B
Considerado por muitos como o maior caça de todos os tempos, combateu em todas as frentes da Segunda Guerra, do início ao fim. Em Guernica, seus pilotos metralharam os civis que fugiam das explosões.

Comprimento: 8,7 m
Envergadura: 9,9 m

Peso máximo: 2197 kg
Velocidade máxima: 465 km/h

Armamento: 2 ou 3 metralhadoras de 7,9 mm
Savoia-Marchetti CM 79-I

A patrulha encarregada de destruir a ponte sobre o rio Mundaca era composta por esses bombardeiros médios italianos, mas os pilotos erraram feio o alvo. O Savoia 79 foi usado como bombardeiro e torpedeiro na Segunda Guerra.
Comprimento: 15,8 m

Envergadura: 21,2 m
Peso máximo: 10480 kg

Velocidade máxima: 430 km/h
Armamento: 4 metralhadoras (3 de 12,7 mm e 1 de 7,7 mm)

Carga de bombas: 1250 kg (ou 1 torpedo)

Legionários nazistas
Hitler enviou 16 mil homens à Espanha

A Guerra Civil Espanhola não poderia ter vindo em melhor momento para os alemães. Eles puderam aperfeiçoar táticas e equipamentos que, pouco depois, seriam usados na Segunda Guerra Mundial. Entre os 16 mil homens enviados por Hitler durante todo o conflito, havia unidades do Exército e da Marinha, mas os aviadores eram maioria. A força de intervenção, batizada de Legião Condor, foi decisiva para a vitória dos nacionalistas do general Franco. A Legião Condor foi oficialmente criada em novembro de 1936, mas os primeiros aviões alemães entraram em ação antes disso. Em agosto, uma operação levou até Sevilha 14 mil soldados de Franco que haviam ficado isolados no Marrocos – o feito ficou conhecido como a primeira “ponte aérea” da história militar. Apesar de ter feito diversas missões de apoio a tropas terrestres, a Legião se destacou mesmo por seus bombardeios. Enquanto teóricos militares da época debatiam a eficácia de ataques aéreos, os alemães testavam isso na prática.
Bascos sem Guernica

Obra-prima de Picasso não foi liberada para o aniversário do bombardeio.
Há um ano, o governo basco solicitou ao Ministério da Cultura da Espanha o empréstimo do quadro Guernica, de Pablo Picasso. O objetivo era expô-lo no museu Guggenheim de Bilbao durante a cerimônia dos 70 anos do bombardeio, completados em abril de 2007. Assim que soube do pedido, a ministra espanhola da Cultura, Carmen Calvo, avisou que o quadro não sairia do museu Reina Sofía, em Madri. “Eu não faço política com peças do patrimônio público espanhol”, defendeu a ministra. Revoltada, a porta-voz do governo basco, Miren Azkarate, afirmou não entender por que uma obra que já viajara meio mundo não poderia fazer um curto traslado de ida e volta. No fim das contas, os bascos verão apenas uma reprodução do quadro, exposta na praça dos Foros, em Guernica (a 30 quilômetros de Bilbao). Guernica foi pintado ainda durante a Guerra Civil. Em janeiro de 1937, o governo republicano pediu a Picasso que fizesse um quadro para decorar o pavilhão espanhol da Exposição Internacional de Paris. O objetivo era fazer propaganda contra a insurreição liderada por Franco. Comunista, o pintor espanhol aceitou a tarefa. Só não sabia o que colocar na tela. Isso mudou no fim de abril, quando jornais franceses publicaram fotos do que restara da vila basca. Picasso, que morava em Paris, finalmente encontrou o tema para sua obra. Em 1º de maio, apenas cinco dias após o ataque, ele fez os primeiros esboços. Trabalhando de forma fervorosa, ele concluiu Guernica em 4 de junho. No dia 12 de julho, o painel de 3,49 m por 7,76 m foi exposto ao público. Hoje muitos o consideram a obra-prima de Picasso. Por exigência do pintor, o quadro só pôde ser levado à Espanha após a morte de Franco.

Aventuras na História n° 045

Bumbum: Preferência mundial

Cláudia de Castro Lima

Há 15 mil anos, bumbum grande já fazia sucesso
Que o bumbum é preferência nacional a gente já sabia. Mas que ele é cultuado há pelo menos 15 mil anos, desde a Idade da Pedra, é a novidade descoberta pelo pesquisador Romuald Schild, da Academia de Ciência Polonesa. Ele e sua equipe estudaram 30 estatuetas femininas encontradas num sítio arqueológico da Polônia e notaram que os homens que as esculpiram, que pertenciam a um grupo de caçadores e coletores, as fizeram com formas, digamos, bastante voluptuosas. E com um bumbum para lá de protuberante.
As imagens têm cerca de 15 mil anos – são da Idade da Pedra – e foram preservadas porque estavam sob o gelo. Elas fazem parte de uma coleção de cerca de 10 mil artefatos encontrados no sítio polonês, que incluem ossos de animais, colares feitos de dentes de raposa e agulhas de ossos.
Todas as estatuetas estavam sem cabeça e tinham as poupanças de um tamanho exagerado. E não tinham peitos. Cientistas acreditam que as imagens, no entanto, podem expressar mais do que os desejos masculinos da época: podem ser estátuas religiosas.

Aventuras na História n° 045

Tecnologia em defesa da Arte


Empresa alemã Bayer lança uma pasta feita com resina contra ataques e deterioração de quadros.
Uma resina inventada para absorver o sal da água do mar pode defender as obras-primas da pintura contra o ataque cada vez mais freqüente de malucos de todo tipo. Há alguns meses, por exemplo, A ronda noturna, o célebre quadro do pintor holandês Rembrandt van Ryan (1606-1669), foi borrifado com ácido sulfúrico e por pouco não ficou destruído. Capaz de corroer o verniz protetor das tintas usadas na tela, o ácido deve sua força a uma reativa combinação de átomos de enxofre e oxigênio. Mas pode ser neutralizado  por uma pasta feita com uma resina originalmente patenteada pela empresa alemã Bayer para obter água destilada. A dupla  enxofre-oxigênio, absolvida pela pasta, resseca sobre a tela, sendo retirada por um aspirador de pó, A ronda noturna, rapidamente lavada com água destilada, perdeu apenas o verniz. Nem precisou da ajuda da resina. Mas três tela do pintor medieval alemão Albrecht Dücer (1471-1528), atacadas em 1988, só puderam ser salvas e restauradas depois de banho neutralizador.

Revista Super Interessante n° 035

Depois do Hubble


Martha San Juan França
Três poderosos instrumentos estão na lista de espera para entrar em órbita e fazer companhia ao Telescópio Espacial Hubble. Através deles, será possível espiar na intimidade distantes corpos celestes e, quem sabe, esclarecer antigas dúvidas.

Apesar de ter funcionado só de janeiro a novembro de 1983, o IRAS (sigla em inglês para Satélite Astronômico Infravermelho) pode ser considerado um dos mais fecundos instrumentos criados pelo homem para a pesquisa do Universo. Capaz de localizar uma lâmpada de 20 watts em Plutão, o planeta mais afastado do sistema solar, ele ajudou a descobrir galáxias explosivas, estrelas recém-nascidas, gigantes vermelhas, pequenos asteróides e possíveis formações planetárias fora da órbita do Sol. Um volumoso catálogo, contendo a localização de meio milhão de fontes infravermelhas, é um dos muitos resultados de sua extraordinária atividade. Representa para os astrônomos, familiarizados com as coordenadas de ascensão e declinação (as medidas de localização dos astros), o mesmo que um guia nas mãos de um turista recém-chegado a uma metrópole desconhecida.
Só que esse instrumento utilíssimo não contém informações suficientes para se conhecer a geografia ou a história do Cosmo. Na verdade, nenhum instrumento, fincado na terra ou em órbita no céu, tem condições para tanto. Mas, juntando os pedacinhos obtidos em diferentes comprimentos de ondas de energia eletromagnética, os astrônomos pretendem ampliar ao máximo os limites do seu conhecimento. Até meados do século, eles apenas podiam usar telescópios na luz visível; mesmo assim, descobriram que a Via Láctea está longe de ser a única galáxia do Universo. Hoje, com o desenvolvimento da tecnologia espacial, que possibilita o uso de frequências mais altas, como os raios gama, raios X e ultravioleta, e de mais baixas, como o infravermelho e o rádio, os limites do Cosmo conhecido foram estendidos quase até o Big Bang, a presumível explosão colossal, há 15 bilhões de anos, que teria dado origem a toda a matéria.
Pensando nisso, a NASA está preparando o terreno para, no próximo século, perscrutar o céu em todas as direções e de todas as maneiras. Para isso, deve lançar ao espaço nos próximos dez anos três grandes observatórios, que se juntarão ao comentadíssimo Telescópio Espacial Hubble, em órbita a 550 mil metros de altura desde abril último. O Hubble teve uma partida atribulada, marcada pelos sucessivos reveses nos foguetes americanos, mas já em maio começou a mandar para as estações terrestres as suas primeiras fotos experimentais. Com esse supertelescópio se pretende enxergar o espaço com uma nitidez sete vezes maior do que qualquer outro equipamento já construído pelo homem . Sensível não só à luz visível como também ao ultravioleta e a uma parte do infravermelho, o Hubble pode contemplar astros 350 vezes mais obscuros do que os conhecidos hoje. Espera-se que ajude a explicar a origem dos quasares que brilham a bilhões de anos-luz da Terra.
Tão poderosos nas suas especialidades quanto o Hubble na dele, estão na lista de espera dos foguetes transportadores os telescópios Gamma Ray Observatory (GRO), para a captação de raios gama, Advanced X-Ray Astrophysics Facility (AXAF), que detecta raios X, e Space Infrared Telescope Facility (SITF), funcionando no infravermelho. A nave espacial Columbia deveria ter sido lançada em julho transportando um complexo telescópio chamado Astro-1, com instrumentos na frequência do ultravioleta e de raios X. Essa nova geração de instrumentos não vai aposentar os seus parentes terrestres. Ao contrário, explica o astrofísico Oscar Matsuura, da Universidade de São Paulo, "o avanço na tecnologia espacial cria a necessidade de mais observações no solo". Nos próximos dois anos, Matsuura vai observar com um telescópio ótico alguns milhares de corpos celestes identificados pelo IRAS, o satélite infravermelho, no céu do Hemisfério Sul.
Operando além dos limites da atmosfera terrestre, que embaça a luz visível e bloqueia quase todos os comprimentos de onda, os telescópios espaciais têm realmente uma visão mais completa do Cosmo. Mesmo comparando com as imagens obtidas nos observatórios isolados no alto das montanhas, suas fotos são mais nítidas e, por causa do contraste com o fundo escuro do céu possuem a capacidade de captar brilhos muito fracos. Apesar disso, o custo dos equipamentos espaciais e o risco de defeitos irreparáveis em órbita contribuem para fortalecer o desenvolvimento de programas terrestres. Pode-se acrescentar que, ultimamente, os avanços na Engenharia Eletrônica e na Informática têm contribuído para incentivar mais as pesquisas ao rés do chão.
Durante várias décadas, os maiores telescópios terrestres foram o soviético Zelenchukskaya, com 6 metros de diâmetro, construído no Cáucaso, e o de Monte Palomar, com 5 metros, na Califórnia. Até recentemente, não se acreditava possível construir um espelho côncavo maior e portanto mais pesado. Mas duas universidades americanas aceitaram o desafio e estão terminando de instalar no Monte Mauna Kea, um vulcão extinto no Havaí, o telescópio Keck, de 10 metros de diâmetro. Em vez de um espelho inteiriço, ele é composto de 36 segmentos hexagonais, cada um com 1,8 metro de diâmetro, separados à distância de 3 milímetros. Um complexo sistema de sensores informa ao computador cada mudança de forma e de alinhamento do espelho e aquele envia instruções de volta para reajustar o conjunto, de modo a compensar os efeitos da gravidade, da temperatura e das oscilações atmosféricas. Como resultado, o telescópio apresenta imagens quase tão nítidas quanto as dos instrumentos espaciais.
No entanto, o reinado do Keck como o maior telescópio do mundo não durará muito tempo. O consórcio de países do European Southern Observatory (ESO), ou Observatório Europeu do Sul, deve completar em 1998 um complexo de quatro telescópios de 8 metros cada um, em La Silla, no Chile. O VLT, sigla em inglês de Telescópio Muito Grande, poderá usar os instrumentos separados ou juntos. Nesse último caso, produzirá uma imagem equivalente à de um espelho de 16 metros, tirando fotos de corpos celestes dez vezes mais tênues do que aqueles captados pelo maior telescópio soviético. Em La Silla, um dos lugares mais secos e claros do mundo, no deserto montanhoso de Atacama, já operam treze telescópios óticos e um radiotelescópio. Um deles, o NTT, que significa em português Telescópio de Nova Tecnologia, manda suas imagens por satélite para o centro científico da ESO em Garching, nos arredores de Munique, na Alemanha. Segundo o astrofísico José Antônio de Freitas Pacheco, diretor do Instituto de Astronomia e Geofísica da USP, o telescópio de 2 metros que a universidade pretende instalar no Chile também transmitirá suas imagens para São Paulo via satélite.
Se tudo correr como prevê o calendário da NASA, em novembro próximo partirá o ônibus espacial Columbia, levando em seu compartimento de carga o Gamma Ray Observatory (GRO). Seus quatro instrumentos vão captar uma forma de energia tão rara e tão penetrante que percorreu o espaço durante bilhões de anos antes de chegar à Terra; felizmente, porém, foi bloqueada pela atmosfera. Os primeiros satélites de raios gama, lançados pelos Estados Unidos no final da década de 60, serviam para monitorar explosões nucleares. Mas, logo que começaram a operar, descobriram emissões que se calculava serem 100 000 vezes mais poderosas do que as radiações solares.
Satélites  como o GRO que, por sinal, têm sensibilidade 10 000 vezes maior do que seus antecessores, captam fenômenos de transferência violenta de energia", ressalta o astrofísico João Braga, do Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE), que há anos estuda raios gama, captados em detectores a bordo de balões. "Supõe-se que isso ocorre quando uma estrela envelhece e esgota o seu combustível nuclear", expIica ele. O núcleo se contrai e ela se transforma numa estrela de nêutrons ou, conforme a massa,. num buraco negro. “O GRO também vai observar regiões do Universo que podem ser os núcleos dos quasares, onde a temperatura chega a 1 bilhão de graus — um valor que, como tantos outros em Astronomia, escapa ao entendimento humano.
Há três anos, um colega de Braga no INPE, o astrofísico João Steiner, usou dados do satélite HEAO (High Energy Astronomical Observatory), de captação de raios X (uma forma de radiação que, como os raios gama, não se propaga na atmosfera). Combinados com os informes do IRAS e de observações na faixa ótica, tais dados permitiram-lhe descobrir 25 quasares de perfil — até então eram conhecidos apenas seis astros nessa posição. O telescópio AXAF, de raios X, com lançamento marcado para 1996, deve multiplicar por 100 a resolução do HEAO. "Todos os corpos celestes emitem raios X e alguns deles, como os candidatos a buracos negros, foram descobertos nessa faixa de radiação", entusiasma-se Steiner, antevendo as perspectivas do AXAF. Antes desse supertelescópio, deve entrar em órbita o satélite alemão Roentgen, para medir a radiação X de estrelas, restos de supernovas, galáxias e aglomerados de galáxias.
No ultravioleta, esperam-se novidades do Hubble, que conta com um espectrógrafo para medir a composição química de corpos celestes e de matéria em volta de estrelas muito quentes. Pode estar aí uma indicação para a existência de planetas até agora desconhecidos fora do sistema solar. O astrofísico Ramiro De La Reza, boliviano naturalizado suíço, que trabalha no Observatório Nacional do Rio de Janeiro, observou há pouco tempo um fato peculiar. Algumas estrelas gigantes, respeitáveis senhoras de meia-idade na cronologia astral, tinham em sua composição lítio, elemento químico muito reativo que se supunha estar presente apenas nas suas irmãs mais jovens. Com o auxílio do IUE (International Ultraviolet Explorer), lançado em 1977 e ainda em funcionamento, De La Reza pretende investigar a natureza desses astros. "Pode ser que o lítio não tenha sido detectado neles, mas em planetas ao redor", especula.
Em 1998, a NASA pretende lançar o SITF, o telescópio no infravermelho que completará o trabalho do IRAS.
Embora tenha se revelado tão útil, o IRAS fez apenas uma varredura geral do céu, sem se deter em nenhum astro em particular. O SITF, com uma sensibilidade 1 000 vezes maior, deve estudar a formação de estrelas e galáxias. Outro satélite, este de origem européia, o Infrared Space Observatory (ISO), que deverá ser lançado daqui a três anos, pretende investigar as atmosferas dos planetas gigantes, de alguns cometas e de proto-estrelas.
Embora não pertença à lista dos grandes satélites, o observatório americano Cobe sigla em inglês de Explorador de Radiação Cósmica de Fundo, pode ser considerado uma das novidades desses tempos de tecnologia astronômica espacial. Produto da radioastronomia, a captação da radiação na faixa de microondas, o Cobe procura no espaço o eco distante do Big Bang. Enquanto não o acha, já conseguiu fotografar o centro da Via Láctea, inacessível aos olhares terrestres devido à grande quantidade de matéria que ali se acumula. Dois pequenos radiotelescópios também estão sendo preparados pelos soviéticos para entrar em órbita em data não revelada. Não se sabe igualmente quando os exploradores do espaço se atreverão a construir um telescópio naquele que é considerado o melhor local para a observação astronômica: a face oculta da Lua.
No seu livro Realm of the nebulae (Domínio das nebulosas, não editado no Brasil), o astrônomo americano Edwin Hubble (1889-1953), o primeiro a formular o conceito do Universo em expansão, escreveu em relação à pesquisa astronômica que, "só quando os recursos da observação empírica cessarem, se abrirá o caminho da especulação". Se chegasse a conhecer todos os equipamentos que estão sendo preparados para entrar em ação, Hubble ficaria tranquilo. A Astronomia ainda tem muito campo para a observação.

Janelas sob  medida
Para cada faixa do espectro, usam-se instrumentos especiais como:

Raios Gama
Radiação muito curta e penetrante, de origem ainda incerta. Está presente nos processos mais violentos do Universo. Para captá-la, será lançado em novembro o Gamma Ray Observatory (GRO).

Raios X
Os primeiros candidatos a buracos negros foram descobertos porque emitiam raios X. Para captar a radiação de astros diversos estão previstos os lançamentos do satélite alemão Roentgen este ano e, em 1996, do americano AXAF.

Ultravioleta
Todos os corpos celestes emitem luz ultravioleta, especialmente as estrelas jovens. Em órbita desde 1977, o satélite IUE ainda está funcionando. O Telescópio Espacial Hubble, lançado em abril, tem instrumentos nessa faixa de radiação.

Luz visível
Para captar a luz que chega à Terra, este ano começa a funcionar o Telescópio Keck, no Havaí, com 10 metros de diâmetro; em 1998, será a vez do VLT, no Chile, com 16 metros. No espaço, o Hubble, livre do embaçamento da atmosfera, vê melhor e mais longe.

Infravermelho
O satélite IRAS, que funcionou durante onze meses em 1983, localizou meio milhão de fontes infravermelhas no céu. O europeu ISO, que será lançado em 1993, e o americano STIRF, previsto para 1998,. vão detalhar a pesquisa.

Microondas
Na Terra, os radiotelescópios podem captar a radiação de astros próximos como o Sol e distantes como os quasares. O satélite COBE, em órbita desde o ano passado, procura no espaço o eco do Big Bang, a explosão que teria criado o Universo.

Ondas longas
Como a atmosfera absorve totalmente a radiação nesse comprimento de onda, ela não pode ser captada da Terra. No futuro, poderá ser estudada com a instalação de um observatório na superfície lunar.

Olhos paulistas no Chile
Há vários anos, os astrônomos da Universidade de São Paulo sonham com a instalação, em algum lugar de clima seco e céu claro, de um telescópio de bom tamanho para o estudo dos astros. O maior observatório brasileiro, em Brasópolis, sul de Minas, oferece em média apenas 150 noites úteis por ano, arduamente disputadas pela centena de profissionais do país. Agora, com o acordo assinado entre o governo do Estado de São Paulo e a empresa alemã Zeiss, aquele sonho fica mais próximo da realidade. A Zeiss fornecerá um telescópio de 2 metros, que usa a combinação ótica de dois espelhos, dotado do mesmo sistema que permite aos mais modernos telescópios corrigi-los segundo as oscilações da atmosfera.
Em contrapartida, o Instituto de Astronomia e Geofísica (IAG) e a Escola Politécnica, ambos da USP, montarão a estrutura para o funcionamento do telescópio, que pode ser numa torre de 20 metros de altura, a cúpula e o sistema de aquisição de dados. O custo total do projeto é da ordem de 10 milhões de dólares, a metade comprometida na compra do equipamento. Como os melhores sítios para a observação dos astros no Hemisfério Sul ficam na Cordilheira dos Andes, os astrônomos pretendem instalar o novo telescópio na mesma região chilena onde já existem observatórios americanos e europeus. O equipamento será operado a distância, via satélite, para que ninguém precise abalar-se de São Paulo cada vez que quiser perscrutar os céus. "O telescópio não será exclusivo dos cientistas da USP". ressalva o diretor do IAG, astrofísico José Antônio de Freitas Pacheco. "Quem tiver um bom projeto de pesquisa será bem-vindo."

Idéia do mundo da Lua
Não contentes em instalar grandes telescópios no topo de montanhas na Terra ou colocá-los em órbita no espaço, os astrônomos mais imaginativos do Primeiro Mundo querem colocá-los ainda além — na face oculta da Lua. Um projeto desenvolvido pela NASA trata da montagem, ali, de trinta telescópios de 1,50 metro de diâmetro, formando uma rede cuja imagem equivaleria à de um espelho de 10 quilômetros. Com essa estrutura, os astrônomos calculam que se poderia avistar torrões de açúcar numa xícara de café na Terra. Os equipamentos seriam também capazes de perceber formas na escala de 10 metros no planeta Marte e ainda detectar eventuais planetas semelhantes aos do sistema solar em volta de outras estrelas, analisar a superfície dos grandes astros mais próximos e o conjunto de galáxias distantes.
Essa rede telescópica se beneficiaria de uma vantagem que nenhum observatório, no solo ou no espaço, tem. Como a Lua completa uma órbita ao redor do planeta em 27 dias, 7 horas e 43 minutos e sua rotação em volta do próprio eixo leva o mesmo tempo, ela mostra sempre a mesma face para a Terra, como se sabe. Assim, no outro lado, sem a interferência da luminosidade terrestre, calcula-se que seja possível observar astros cem vezes mais fracos do que os acessíveis ao Telescópio Espacial Hubble. Mas há uma pedra gigantesca no caminho desse projeto futurista: o preço. Para montar uma rede de instrumentos na Lua, seria preciso assinar um cheque de 45 bilhões de dólares, o equivalente ao custo de trinta Hubbles — sem contar os gastos com o transporte.

Revista Super Interessante n° 035

Abastecimento em movimento


Técnicos do Departamento de Água e Energia de Los Angeles, na Califórnia, estão desenvolvendo o projeto de uma rodovia capaz de transferir energia a automóveis movidos a eletricidade por meio de cabos instalados sob o pavimento.
Não se sabe quem teve a idéia primeiro – se o engenheiro Stanislav Iupatov, um cidadão da Republica da Quirguízia, no sul da União Soviética, citado pela agencia de noticias Novosti, ou os técnicos do departamento de água e energia de Los Angeles, na Califórnia. Mas os americanos já conseguiram o patrocínio de uma empresa privada e saíram na frente com o projeto de uma rodovia capaz de transferir energia a automóveis movimentados a eletricidade por meio de cabos instalados sob o pavimento. Até o final do ano deverá estar pronta a rodovia local de Playa Vista, com cabos enterrados num trecho de 300 metros para criar um campo magnético.
Uma estrutura metálica sobre o veiculo, a menos de 8 centímetros da pista, converte o magnetismo em eletricidade para acionar o motor e carregar as baterias. Assim, os carros elétricos poderão continuar rodando mesmo em trechos convencionais. O problema é que o piso da estrada precisa ser perfeito como uma mesa de bilhar para não danificar a estrutura metálica. Os carros a bateria tem doze vezes menos autonomia que os carros a gasolina, percorrendo não mais de 190 quilômetros sem reabastecer.

Revista Super Interessante n° 035

Gravação não perde a hora


Um novo sistema de videocassete permite ao aparelho identificar um programa de TV e gravá-lo quando efetivamente vai ao ar, dispensando as gravações automáticas, pois os programas de TV nem sempre começam na hora certa.
Apenas uma minoria de usuários de aparelhos de videocassete faz gravações automáticas de programas de TV para ver mais tarde – e um dos principais motivos é que nem sempre o programa começa na hora certa para qual o vídeo foi instruído. Mais isso pode mudar. Um novo sistema concebido na Inglaterra permite aos vídeos identificar um programa de TV e gravá-lo quando efetivamente vai ao ar.
O telespectador só precisa ficar atento ao código dos diversos programas, previamente divulgados na forma de tele texto. Então, com a ajuda de um lápis eletrônico, ele registrará na memória do vídeo o código da emissão que lhe interessar. Com isso, o aparelho acionará o sistema de gravação apenas na hora em que a emissora projetar o código indicado no início do programa – depois, ou antes, do horário previsto.

Revista Super Interessante n° 035