quinta-feira, 30 de maio de 2013

Ecologistas na história: Fontes da sobrevivência


Thiago Cordeiro
Preocupação com a natureza é coisa bastante recente. Até o século 20, o homem fez apenas algumas ações isoladas a primeira delas ocorreu há quase 5 mil anos.

Em 2700 a.C., os governantes da cidade de Ur, na Mesopotâmia, decretaram que algumas florestas não poderiam mais ser exploradas. A vegetação da região, onde hoje é o Iraque, era importante para a realização de rituais religiosos. Para os habitantes de Ur, os deuses eram considerados os proprietários das terras e as oferendas a eles eram realizadas nos bosques. Embora o motivo não fosse lá tão ecológico, essa foi a primeira ação em favor da preservação da natureza de que se tem notícia. Vários séculos depois, no ano 80, os romanos começariam uma discussão que soa bastante atual. Eles determinaram que, nos períodos de seca, os cidadãos deveriam seguir regras para evitar a poluição da água. Uma delas era impedir que os dejetos pessoais fossem jogados nos rios.
Hoje, o meio ambiente é assunto em todas as ocasiões: tema de conversas em festas, de especiais de televisão e de matérias como esta. Essa preocupação ecológica é coisa do século 20. Até bem pouco tempo atrás, o ambientalismo não despertava nada além de poucas ações pontuais.
A partir de 1600, com a era dos descobrimentos, alguns dos europeus que visitavam as colônias nas Américas se diziam preocupados com a exploração sem limite das florestas. Entretanto, eles eram uma minoria sem força para mudar a política das metrópoles. Até porque o (ab)uso dos recursos naturais era justificado por pensadores influentes. Em 1692, o filósofo inglês Francis Bacon escreveu a favor do domínio total da nossa espécie sobre o planeta: “Se o homem fosse retirado do mundo, todo o resto da natureza pareceria extraviado, sem objetivo ou propósito”. Em 1728, o compositor inglês William Byrd afirmou que os macacos e os papagaios foram criados por Deus com o único objetivo de “oferecer contentamento ao homem”, e o naturalista britânico George Owen defendia que a lagosta foi criada por Deus para nos servir como alimento e exercício, porque é preciso quebrar suas patas e pinças.
O cenário só mudou a partir do século 18, quando a Revolução Industrial inglesa começou a degradar as terras européias. “Sempre existiram pensadores que argumentaram em favor da natureza”, afirma o historiador José Augusto Pádua, coordenador do Laboratório de História e Ecologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “Mas foi só no começo da Revolução Industrial que teve início um período de transição em direção aos movimentos organizados que existem hoje.”

A casa no lago
No começo, a ecologia foi um movimento conceitual, que só inspirava uma minoria letrada. Em 1791, o naturalista americano William Bartram publicou o influente Travels, relato de uma viagem de cinco anos da Flórida até o Mississippi, em que catalogou todas as espécies animais que encontrou pelo caminho. Em 1784, o estadista americano Benjamin Franklin pediu aos governos da França e da Alemanha que trocassem a lenha pelo carvão, para evitar a derrubada de árvores. No fim do século 18, o poeta britânico William Wordsworth escreveu que a Revolução Industrial era “um ultraje à natureza” e acabaria com o ar puro. Em 1824, o físico francês JeanBaptiste Fourier pela primeira vez defendeu o conceito de efeito estufa – embora não usasse essa expressão.
O maior marco dessa fase intelectualizada do ambientalismo foi Walden, o livro do linguista americano Henry David Thoreau publicado em 1854. Durante dois anos, dois meses e dois dias, Thoreau viveu em um bosque às margens do lago Walden, em Massachusetts. Ali ele passou os dias em contato com a natureza, caminhando, lendo e plantando seu próprio alimento. O livro, que relata essa experiência, provocou grandes caravanas de americanos em busca do lago Walden. Nele, Thoreau lança um dos conceitoschave do ambientalismo: o de que a natureza tem o direito adquirido de ser mantida do jeito que é. Ainda hoje é considerado o avô da ecologia – apesar de o termo só ter surgido 12 anos depois, em 1866, quando o anatomista e zoólogo alemão Ernst August Haeckel defendeu a necessidade de uma ciência da natureza.
A partir de Walden, os americanos sempre foram os pensadores e ativistas mais influentes do movimento ambientalista – logo eles, que hoje se recusam a assinar o Protocolo de Kyoto, que regulamenta a emissão de gases danosos à atmosfera. Em 1892, o naturalista escocês John Muir criou, em São Francisco, o Sierra Club, o primeiro grupo ambientalista da história. Graças aos esforços de Muir, em 1890 o governo americano inaugurou um dos primeiros parques nacionais do mundo, o Yosemite National Park, na Califórnia. Nos anos seguintes, Austrália, Nova Zelândia e Canadá seguiram o exemplo. Também nessa época começaram a surgir os grandes parques dentro das metrópoles. Seguindo o exemplo pioneiro do imperador francês Napoleão III, que transformou as matas do Bois de Boulogne em parque parisiense em 1852, Nova York garantiu a construção e preservação do Central Park em 1873.
A defesa da natureza ganhava espaço na sociedade ocidental rapidamente. Em 1913, o zoólogo americano William Hornaday escreveu Our Vanishing Wildlife (“Nossa vida selvagem desaparecida”, inédito em português), chamando atenção para o risco da extinção de espécies animais por causa da ação humana. Isso um ano antes de Martha, a única espécime de pombopassageiro viva no mundo, morrer no zoológico de Cincinnati, nos Estados Unidos: a espécie fora destruída pela caça e domesticação forçada. Na mesma época, grupos de cidadãos americanos se organizaram para pedir a preservação do bisão, que parecia seguir pelo mesmo caminho.
Duas guerras mundiais e um período de depressão econômica entre elas desaceleraram o processo ecológico – até 1949, quando surgiu o livro mais importante da história do conservacionismo.  O Sandy County Almanac (“O almanaque de Sandy County”, inédito em português), do ambientalista americano Aldo Leopold, defende uma “ética da terra” e estabelece regras para o convívio saudável do homem com a natureza. A principal delas: “Uma coisa é certa quando tende a preservar a integridade, a estabilidade e a beleza da comunidade biótica. Caso contrário, é errada”.

Sexo, drogas e verde
Mas a ecologia só ganhou mesmo a boca do povo a partir da década de 60. O livro que estava na cabeceira dessa nova geração era Primavera Silenciosa, lançado em 1962 por outra americana, a bióloga marinha Rachel Carson. Nele, ela provava que pesticidas e inseticidas, antes  considerados uma solução milagrosa para a agricultura, estavam envenenando todo o meio ambiente, solo, águas e animais. Com um texto apaixonado, ela argumentava que, com a morte dos insetos por causa da intoxicação da água, as aves não teriam mais alimento e também morreriam. O presidente John F. Kennedy mandou investigar as acusações de Rachel e, em 1972, vários produtos químicos usados nos inseticidas, como o DDT, foram banidos. Sucesso de vendas, Primavera Silenciosa ensinou às pessoas comuns que o ser humano é capaz de provocar sérios danos ao ambiente. A partir do livro de Rachel, ficou impossível ignorar o problema da preservação do planeta.
Em 1971, surgiram os dois primeiros grandes grupos ambientalistas civis, o Greenpeace e o Friends of Earth. No ano seguinte, a Organização das Nações Unidas realizou, em Estocolmo, na Suécia, a primeira grande reunião intergovernamental para discutir o assunto. No fim da Conferência sobre o Desenvolvimento Humano surgiu o Programa de Meio Ambiente da ONU, e 113 nações se comprometeram a resolver seus problemas locais – a Suécia, por exemplo, começou a agir contra a chuva ácida e o Japão iniciou um programa de despoluição de sua costa.
No decorrer da década de 70, alguns grupos ambientalistas começaram a se dividir em facções. As menos radicais defendiam a exploração dos recursos com bom senso, para que eles não acabem tão cedo. Os ecologistas mais radicais se inspiram no livro Gaia, publicado em 1979 pelo excientista da Nasa (a agência espacial americana) James Lovelock, que descreve o planeta como um organismo único, em que cada ser vivo é tão importante quanto qualquer outro. Foi também nesse ano que a Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos realizou o primeiro estudo consistente sobre o aquecimento global, o assunto que se tornaria a maior obsessão de organizações nãogovernamentais e governos a partir da década de 90.
Nos anos 80, a ecologia entrou de vez para a política. Surgiram os principais partidos verdes do mundo. O primeiro deles foi o alemão, criado em 1980, que ficou famoso por sua luta contra as usinas nucleares. Foi também nessa década que os grupos civis começaram a ganhar estrutura de grandes empresas multinacionais. Nos Estados Unidos, as doações para entidades em defesa do verde e dos animais alcançaram 6,4 bilhões de dólares em 2001. O Greenpeace, a mais famosa organização, com 2,8 milhões de sócios, gastou, em 1999, 250 mil dólares na compra de ações da Shell – e, assim, tornouse sócia de uma de suas maiores inimigas.

Alcance global
Nosso país é alvo de manifestações ambientalistas esparsas desde o começo da exploração do pau Brasil, ainda no século 16. Um dos patriarcas da independência, José Bonifácio de Andrada e Silva, foi um dos defensores mais fervorosos da preservação da natureza nacional (leia quadro na pág. 42). Em 1861, o Rio de Janeiro sofria com a falta de água causada pela devastação das árvores para a exploração de madeira e plantações de cana de açúcar e café. Sem as árvores, o terreno sofria desmoronamentos com as chuvas e a lama atingia os mananciais que abasteciam a cidade. Dom Pedro II mandou então replantar a Floresta da Tijuca inteira. Já em 1934, o país realizava a Primeira Conferência Brasileira de Conservação da Natureza. Mas foi em junho de 1992 que o país entrou definitivamente para a história do ambientalismo. Na Eco92, como é conhecida a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento realizada no Rio de Janeiro, discutiu-se sobre biodiversidade, desertificação e mudanças climáticas.
Surgiu ali também a Agenda 21, o compromisso para que cada país elabore seu próprio plano de preservação do meio ambiente. A partir da Eco92, a ecologia ficou mais parecida com os mercados financeiros: o país não pode fazer o que bem entende, precisa obedecer a algumas regulamentações internacionais. Foi só por causa desse evento que se tornou possível estabelecer, cinco anos depois, o Protocolo de Kyoto. “Foi na década de 60 que a sociedade parou de se preocupar com a conservação de uma espécie animal e vegetal específica e começou a pensar no problema mais amplo do ambientalismo”, diz José Augusto Pádua. “Mas foi com a Eco92 que essa preocupação se transformou em um programa global, com metas claras estabelecidas para cada nação.”

Sem eco chatice
José Bonifácio, patriarca da independência e primeiro ecologista.
Nascido em Santos em 1763, José Bonifácio de Andrada e Silva foi decisivo para que o Brasil se separasse de Portugal, em 1822. Mas ele só virou político com 56 anos. Bonifácio era mesmo cientista. Entre 1783 e 1819, viveu na Europa e o primeiro trabalho que apresentou como membro da Academia Real de Ciências de Lisboa, em 1789, foi o tratado “Memória sobre a pesca das baleias e a extração de seu azeite: com algumas reflexões a respeito das nossas pescarias”. No texto, ele se diz preocupado com a pesca indiscriminada das baleias. O problema era antigo: vinha desde o século 16. Não foi a primeira manifestação ambientalista do patriarca da independência. Seis anos antes, ele já tinha escrito em um artigo: “Nossas preciosas matas vão desaparecendo, vítimas do fogo e do machado destruidor da ignorância e do egoísmo. Nossos montes e encostas vão-se escavando diariamente, e com o andar do tempo faltarão as chuvas fecundantes (...) sem o que o nosso belo Brasil, em menos de dois séculos, ficará reduzido aos desertos áridos da Líbia”. “Mais do que defensor da natureza como um bem em si, ele desejava o aproveitamento racional dos recursos disponíveis em prol do desenvolvimento do país”, afirma o historiador Magnus Roberto de Mello, da Universidade Federal do Paraná.

Pré-ambientalistas
Eles eram vozes isoladas.

Buda
Nascido no século 5 a.C., Sidarta Gautama pedia em seus sermões que os fiéis fossem carinhosos com as criaturas vivas.

Aristóteles
Já no século 4 a.C. ele defendia que a natureza é um todo integrado e contínuo, e todos os animais fazem parte de uma única ordem.

São Francisco de Assis
Francisco dizia, no século 13, que o homem tinha a obrigação de praticar a caridade com os animais.

Goethe
O poeta alemão Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832) era um defensor da idéia de que tudo no planeta está profundamente interligado.

 Aventuras na História n° 046

Nenhum comentário:

Postar um comentário