Álvaro Oppermann
Psiquiatra americano conseguiu fazer o governo censurar
gibis por subversão.Heróis de quadrinhos nunca estiveram em melhor forma. E Homem-Aranha 3, que tem como expectativa a arrecadação de 800 milhões de dólares, pode provar. Fica difícil imaginar que, há 60 anos, uma gigantesca campanha de difamação quase tenha destruído a indústria americana dos gibis. O mais surpreendente é que ela foi toda criação de um único homem, o obscuro psiquiatra do sistema judiciário de Nova York Frederick Wertham.
Os gibis surgiram em 1935, embora as tiras já fossem publicadas em jornais desde 1896. Wertham, nascido na Alemanha em 1895, criou uma histeria inédita contra eles. Na edição de 29 de maio de 1947 do semanário Saturday Review of Literature, escreveu um artigo explosivo sobre eles, acusando-os de serem “violentos e carregados de perversões sexuais”. Seu argumento: 90% dos menores delinqüentes em Nova York liam gibis; logo, eles eram responsáveis pela criminalidade. O artigo teve o efeito devastador da kriptonita sobre o Super-Homem.
Em 1948, Wertham lotou um ginásio com a palestra “A Psicopatologia das Histórias em Quadrinhos”. No fim do ano, a revista Time noticiava uma queima de revistinhas em algumas cidades. Os alvos prediletos do psiquiatra eram Super-Homem, Mulher Maravilha e Batman. Wertham, aliás, foi o primeiro a falar que o homem-morcego era gay. E motivou a criação do mordomo Alfred – para colocar ordem na casa de Bruce Wayne.
Em 1954, o psiquiatra escreveu sua obra mais conhecida, A Sedução dos Inocentes. Mais uma paulada nos quadrinhos. Dessa vez, chamou a atenção até do Congresso americano, que pressionou as editoras a criarem um código de ética, o Comics Code Act. Ele caiu em desuso só em 1971, por causa da pressão corajosa de Stan Lee – criador do Homem-Aranha.
Wertham, contudo, não se importou nem um pouco com isso. Em 1973, deixou todos estupefatos declarando-se fã da arte pop que antes demonizara. Chegou a escrever um livro com elogios aos gibis, O Mundo dos Fanzines: Uma Forma Especial de Comunicação, de 1974. Quando morreu, em 1981, Wertham tinha se tornado leitor, mesmo que esporádico, de Batman e Homem-Aranha. Uma virada que nem nos quadrinhos acontece.
Conto de fada sai do
armário
Na Inglaterra, livros escolares têm personagens gays.Desde a cruzada antiquadrinhos do doutor Wertham não se via uma polêmica tão grande envolvendo o conteúdo de histórias infantis. Um projeto-piloto da Inglaterra iniciou em março deste ano a utilização de livros com temática e personagens gays em escolas para crianças entre 4 e 11 anos. O projeto – iniciativa das universidades inglesas Sunderland e Exeter – foi chamado de “No Outsiders” (algo como “sem excluídos”) e foi adotado por 14 escolas primárias. Os livros contam histórias como a de Spacegirl, uma menina de 6 anos criada por duas mães, ou de Roy e Silo, dois pinguins gays do zoológico de Nova York. Até 2003, tais iniciativas eram proibidas por lei lá. “Minha experiência com a literatura infantil mostra que ela é extremamente poderosa na formação de valores sociais e no desenvolvimento emocional. Esses livros refletem a realidade e a diversidade”, disse Elisabeth Atkinson, diretora do No Outsiders, ao periódico The Observer. Apesar de angariar críticas na mídia conservadora e de instituições religiosas como o Christian Institute, o projeto tem sido visto, em geral, com bons olhos.
Aventuras na História n° 046
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