Cíntia Cristina da
Silva
Não dá para determinar com precisão a origem do saci e dos
vários outros seres do nosso folclore. É que essas criaturas mágicas nasceram
de um emaranhado de civilizações diferentes, unindo até mitos indígenas com
lendas européias. Mas, segundo o grande folclorista Câmara Cascudo, que
pesquisou a história dos mitos nacionais na obra Dicionário do Folclore Brasileiro,
os primeiros relatos sobre o saci são do século 19. Comprovando que tais
criaturas são fruto de uma grande mistureba cultural, Cascudo especula, por
exemplo, que o gorro vermelho do saci possa ser uma herança romana, enquanto
sua personalidade gozadora e zombeteira possivelmente seja uma influência do
folclore português. É ainda mais difícil precisar a origem desses seres porque
eles são apresentados de maneiras diferentes em cada região do Brasil. As
descrições do curupira, por exemplo, uma lenda muito difundida entre os índios, variam
até mesmo dentro de um só estado. "É calvo, com o corpo cabeludo, no rio
Negro (AM) (....) Dentes azuis ou verdes e orelhudo no rio Solimões (AM),
sempre com os pés voltados para trás e de prodigiosa força física", escreveu
o pesquisador e folclorista Barbosa Rodrigues. Esse relato, citado por Câmara Cascudo no Dicionário do Folclore Brasileiro,
dá uma bela amostra dessa confusão toda. O curioso é que algumas lendas
indígenas, como a do boitatá e a da Iara, lembram lendas européias da
Antiguidade - apesar de terem surgido bem antes de essas diferentes culturas se
misturarem. "O mito é uma linguagem universal e as variações dele são
expressões das formas inconscientes do espírito humano", diz a antropóloga
Lúcia Helena Rangel, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).Floresta encantada
Mitos como o do Boitatá também aparecem em países europeus.
IARA
Nas noites de Lua
cheia, uma criatura de canto deslumbrante, metade mulher, metade peixe, se
exibe nas pedras do rio Amazonas, alisando sua longa cabeleira com um pente de
ouro. Apesar de lembrar o mito das sereias européias, a lenda da Iara (ou
mãe-d’água) surgiu entre os índios. Ela também pode assumir a forma humana para
seduzir suas vítimas e levá-las para o fundo do rio.
CURUPIRA
Na descrição mais
comum, ele é um anão de cabelos cor de fogo, que tem os pés invertidos, com os
calcanhares para a frente. A lenda do curupira é um mito dos índios
tupis-guaranis e já era citada em textos do padre José de Anchieta no ano 1560. A
criatura é considerada um severo protetor das árvores das florestas.
SACI-PERERÊ
O menino negro de uma perna só é uma entidade zombeteira que
costuma andar por florestas e fazendas criando confusão, assustando viajantes e
aprontando outras traquinagens. Os primeiros registros sobre ele são do século
19. Um personagem similar - que às vezes era visível, outras vezes invisível -
aparece também no folclore português.
BOITATÁ
Em 1560, o padre José
de Anchieta também escreveu sobre esse "fantasma" que perseguia os
índios. O boitatá era uma alma penada na forma de uma imensa serpente de fogo
que punia com a morte quem destruísse as florestas. Esse é um mito comum a
outros países, como França e Alemanha, pois corresponde ao fenômeno do
fogo-fátuo - chama que emana do solo graças à combustão espontânea de alguns
gases.
CAIPORA
Em algumas regiões do
Brasil, as figuras do caipora e do curupira se confundem. Em outras, porém,
este ser é apenas um parente do curupira. Por causa dessa "dupla
personalidade", as descrições do caipora variam bastante. No Maranhão, ele
é um índio escuro e rápido. No Ceará, tem cabelo eriçado e olhos de fogo.
Quando não é confundido com o curupira, tem os pés normais e gosta de cachaça e
fumo, além de proteger os animais.
MULA-SEM-CABECA
Nas noites de quinta
para sexta-feira, a amante de um padre vira uma mula-sem-cabeça para pagar seus
pecados. Ela lança fogo pelas narinas e pela boca - ué, não era sem cabeça?!.
Acredita-se que o mito tem origem européia e que nasceu por volta do século 12,
podendo ter sido inspirado no fato de os clérigos usarem a mula como meio de
transporte antigamente. Essa lenda também é comum na Argentina e no México.
BOTO
Um boto (um tipo de
golfinho) que frequenta a região amazônica se transforma em um rapaz bonito que
adora dançar e beber cachaça. Ele frequenta bailes para seduzir as jovens
locais. Depois de encantar uma moça, o boto a leva para um riacho próximo e a
engravida. Os primeiros registros da lenda são do século 19. No folclore do
Pará, o boto costuma ser responsabilizado pelas crianças que têm paternidade
desconhecida.
Revista Mundo Estranho Edição 29/ 2004
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