As exportações agropecuárias vêm se constituindo na mola-mestra da recuperação da economia brasileira, nos últimos meses. Respondendo por 33% do PIB, o agronegócio gerou um saldo comercial positivo de US$ 23,8 bilhões em 2003, o maior do setor em todo o mundo, naquele ano. Colaborou também para esse resultado a alta nos preços internacionais de commodities agrícolas, em particular a soja.
A safra brasileira de grãos bateu recordes no ano passado, chegando a 120 milhões de toneladas e, para 2004, espera-se uma produção ainda maior, próxima a 130 milhões de toneladas. O Brasil tornou-se o maior exportador mundial de carne bovina e de frango, e conquistou a vice-liderança nas exportações de soja. Novos mercados foram abertos – a Rússia, por exemplo, absorveu ano passado 57% das exportações brasileiras de carne suína e 12% do total das vendas externas de carne.
A decisão da Colômbia, Venezuela e Suíça, entre outros países, de acrescentar álcool à gasolina, abriu novas perspectivas ao setor sucro-alcooleiro. Em breve, o Japão deverá trilhar o mesmo caminho e o Brasil é o único país do mundo com escala de produção de álcool suficiente para suprir essa demanda. O algodão, produto que andava meio em baixa desde as primeiras décadas do século XX, ganhou impulso e, em breve, deverá assumir também papel de destaque nas exportações.
Mas esse desempenho favorável pode esbarrar, nos próximos anos, em um verdadeiro iceberg. O problema é que os investimentos na infra-estrutura de escoamento e armazenagem de produção estão praticamente estacionados. É como se o crescimento das exportações fosse um pé número 42, tentando entrar no sapato 38 das estradas, silos e portos. Caso essa tendência não seja revertida, o atual boom de exportação de commodities pode ser sufocado por um verdadeiro “apagão” de infra-estrutura.O Brasil que bate recordes de produção perde nada menos que 6% da produção de grãos absurdas
7,1 milhões de toneladas ao ano, mais do que a safra nacional de trigo, de 5,5 milhões de toneladas – durante o ciclo de transporte. Isso equivale a jogar na lata do lixo a bagatela anual de R$ 45,2 bilhões, segundo dados da Associação Brasileira de Agribusiness (Abag). A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), utilizando padrões internacionais, avalia como razoáveis perdas de 0,2% a 0,6% da safra.
A maior parte dessas perdas acontece no transporte entre o caminhão e o barco. E os motivos são muito variados. A Confederação Nacional dos Transportes (CNT) estima que 60% da frota brasileira de caminhões seja antiga, que 41% da estradas brasileiras sejam deficientes, 25% sejam ruins e que 16,8% estejam em péssimo estado. O próprio ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, reconheceu, em entrevista publicada em julho: mesmo se o governo fizer todos os investimentos necessários, trabalhando a pleno vapor, só serão recuperados 70% da malha viária envolvida nas exportações até o final do ano.
Os problemas com a malha viária somam-se ao tradicional desequilíbrio na matriz brasileira de transporte, que em grande medida se baseia no caríssimo transporte rodoviário. Um estudo do professor José Vicente Caixeta Filho, da Escola Superior de Agronomia Luís de Queiroz da USP, indica que, nas longas distâncias, o transporte ferroviário é 30% mais barato do que o transporte rodoviário. Já o transporte hidroviário é, em média, 50% mais barato que o rodoviário.A explosão nas exportações de commodities fez nascer experiências interessantes, como o escoamento da enorme produção da soja de Mato Grosso, que é transportada por rodovia até Porto Velho (RO) e, então, por barco, pela Hidrovia do Madeira até portos da Amazônia, de onde parte rumo à América do Norte e a Europa, os maiores mercados consumidores. Mesmo assim, a dependência em relação ao transporte rodoviário é imensa . Estudo do Coppead/UFRJ indica que
as rodovias absorveram em 2000 exatos 79% dos investimentos em transportes, com 19% destinando-se ao transporte aquaviário e 3% para as ferrovias.
A possibilidade de um colapso na estrutura de exportações, que bloqueie a atual tendência de recuperação econômica, fez acender uma luz vermelha no governo federal. Lula anunciou, em setembro, que, com investimentos de “apenas” R$ 273 milhões até 2006 na recuperação de 11 dos mais importantes portos brasileiros, será possível ampliar em até US$ 10 bilhões a capacidade exportadora do país.Esses números parecem discutíveis. Mesmo se forem reais, é preciso saber se os tais recursos existirão fora do papel. A decisão estratégica do governo federal, de garantir um superávit primário de 4,25% do PIB, em obediência a acordos com o Fundo Monetário Internacional (FMI), reduz drasticamente a capacidade de investimento do país. Veja-se o caso da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), taxa cobrada sobre combustíveis e que deveria ser totalmente
destinada à manutenção de estradas, transporte e controle dos preços do petróleo. Ela arrecada cerca de R$ 10 bilhões ao ano, hoje utilizados quase que integralmente na garantia do superávit primário.
A persistir essa tendência, o Brasil, que produz com enorme competitividade, vai começar a sufocar no gargalo da infra-estrutura. E olhe que os preços internacionais de commodities estão em alta. Se houver uma queda sensível, os mercados internacionais serão disputados a tapa, e cada centavo perdido (ou poupado) em transporte, armazenagem e embarque, pode representar perdas milionárias.Boletim Mundo Ano 12 n° 6