sábado, 10 de setembro de 2011

A GUERRA SEM LIMITES NA CHECHÊNIA

O  desenlace trágico da tomada de uma escola em Beslan, na república russa da Ossétia do Norte, por terroristas chechenos assinala o início de um novo período no conflito do Cáucaso. Os mais de 300 mortos, entre os quais dezenas de crianças, são vítimas de uma guerra travada na esfera da barbárie.
O pano de fundo da tragédia é a instabilidade geopolítica no Cáucaso, uma região que se caracteriza pelo cruzamento de etnias, nacionalidades, religiões e línguas. A desintegração da União Soviética, em 1991, produziu um complexo desenho geopolítico. Na Transcaucásia – ou seja na área ao sul do Cáucaso, localizam-se a Geórgia, a Armênia e o Azerbaijão, antigas repúblicas soviéticas que se tornaram países formalmente soberanos e fazem parte da Comunidade de Estados Independentes (CEI). Na porção norte, ou Ciscaucásia, encontram-se oito repúblicas autônomas que fazem parte da Federação Russa. Entre elas estão a Chechênia e a Ossétia do Norte .
O conjunto do Cáucaso abriga cerca de 25 milhões de pessoas, que vivem numa faixa de contato e confronto de duas “civilizações”: de um lado, a eslavo-ortodoxa, representada por populações de origem russa ou “russificadas” (como os ossétios); de outro, a muçulmana, de influência turca ou iraniana, composta por mais de vinte povos, entre os quais se destacam os chechenos.
Guardadas as proporções, as fronteiras políticas no Cáucaso são quase tão arbitrárias quanto as africanas.
Praticamente todas foram delineadas entre 1922 e 1936 pelo ditador soviético Josef Stalin. As divisões político-administrativas criadas por Stalin destinavam-se, em tese, a preservar a especificidade dos grupos étnicos caucasianos. Na verdade, eram parte do edifício de engenharia política da União Soviética, que assegurava o predomínio russo sobre os povos do “império vermelho” e o poder do Partido Comunista da União Soviética sobre o conjunto das repúblicas soviéticas.
A implosão do Estado soviético removeu os pilares que sustentavam as fronteiras regionais. O complexo e heterogêneo mosaico humano caucasiano entrou em fluxo incontrolável. A eclosão da guerra separatista na Chechênia acendeu uma fagulha que ameaça implodir toda a arquitetura geopolítica da Ciscaucásia.
A Chechênia, pouco menor que o estado de Sergipe, registrou no último censo, de 1989, população pouco superior a um milhão de pessoas. Estima-se que, em virtude da guerra, mais de metade dessa população tenha se refugiado nas repúblicas vizinhas.
No momento da desintegração da União Soviética, o governo da Chechênia declarou independência, mas o novo país não foi reconhecido por Moscou ou pela comunidade internacional. Nos anos seguintes, as tensões entre o governo separatista checheno e a oposição pró-russa degeneraram em verdadeira guerra civil.
Em meio ao caos, Moscou promoveu a intervenção militar, deflagrando a primeira Guerra da Chechênia.
As forças separatistas resistiram à ofensiva de 20 mil soldados russos durante quase dois anos. Grozni, a capital, palco dos principais combates, foi virtualmente arrasada. Os acordos de Kassaviurt, firmados em agosto de 1996, puseram fim ao conflito. Para suprema humilhação de Moscou, os acordos determinavam que o estatuto político definitivo da Chechênia seria negociado em 2001.
As eleições chechenas de 1997 deram a vitória ao líder separatista Aslan Mashkhadov. Contudo, o novo presidente jamais conseguiu controlar um país imerso em profunda crise econômica, dividido em facções armadas hostis e atormentado pelo crescimento do fundamentalismo islâmico. Grupos de fanáticos islâmicos da Chechênia tentaram invadir a vizinha república do Daguestão, em 1999, e promoveram sucessivos atentados em Moscou e outras cidades russas.
A ascensão de Vladimir Putin ao poder na Rússia deve-se, em grande medida, ao terror checheno. Como presidente interino, em fevereiro de 2000, Putin deflagrou a segunda Guerra da Chechênia. Pouco depois, Putin era eleito presidente russo, no rastro da operação militar. As forças russas ocuparam Grozni e a maior parte da Chechênia, com exceção das quase inacessíveis montanhas meridionais, que servem de refúgio para os guerrilheiros separatistas. Há mais de três anos, retaliando contra os guerrilheiros, o exército russo promove massacres que têm por alvo a população civil. As entidades de defesa de direitos humanos registram práticas sistemáticas de tortura e estupros.
O conflito atravessa uma fase de escalada de violência.
Enrolando-se na bandeira da “guerra ao terror” de Bush, Putin procura identificar todos os separatistas chechenos ao fundamentalismo islâmico global. Com isso, aprofunda a repressão e reduz as pressões internacionais contra a violação generalizada dos direitos humanos.
Do outro lado, os terroristas chechenos tomam o lugar dos líderes políticos separatistas, promovendo atentados suicidas como os do metrô de Moscou, em fevereiro, os que derrubaram dois aviões russos, em agosto, e a bárbara invasão da escola da Ossétia do Norte.

Boletim Mundo Ano 12 n° 6

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