Nos segundos, o oceano da prosperidade contrasta com arquipélagos de exclusão social. A análise aplica-se também em escala regional.
No Sudeste e no Sul do Brasil, regiões com maior nível de desenvolvimento econômico e social, encontram-se expressivos bolsões de pobreza.
Nas últimas décadas, os estudos sobre a pobreza evidenciaram a existência de dois padrões diferentes de exclusão social. O primeiro, “antigo”, identifica segmentos sociais que sempre estiveram excluídos. O segundo, “recente”, identifica segmentos que, em algum momento da vida, já estiveram socialmente incluídos.
Analisadas pelo ângulo da concentração de renda, as desigualdades sociais brasileiras encontram-se entre as mais dramáticas do mundo. O rendimento dos 10% mais ricos da população é cerca de vinte vezes maior que o rendimento médio dos 40% mais pobres.
Pior: o total da renda dos 50% mais pobres é inferior ao total da renda do 1% mais rico.
As profundas desigualdades sociais brasileiras manifestam-se geograficamente sob a forma de desigualdades regionais. Recentemente, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) lançou o Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, que confirma, em linhas gerais, as constatações do Atlas da exclusão social, publicado há cerca de dois anos por um grupo multidisciplinar de cientistas sociais brasileiros. Esses trabalhos oferecem uma detalhada cartografia da pobreza.
Em conjunto, as regiões Sudeste e Sul abrigam cerca de 57% da população nacional e geram mais de três quartos do PIB brasileiro. Dos 5.560 municípios existentes no país, cerca de metade localizam-se nas regiões Sudeste e Sul. Contudo, entre os 2.290 municípios que exibem os maiores índices de pobreza, 72,1% localizam-se na Região Nordeste. No Sudeste, eles são 10,4% e, no Sul, apenas 1,6%. Os estados de Minas Gerais e do Paraná concentram cerca de 90% desses municípios com elevados índices de pobreza do Sudeste e Sul.
Em Minas Gerais, uma extensa mancha praticamente contínua de municípios desse tipo localiza-se na porção centro-norte. Nessa área do território mineiro, que é a mais extensa e menos populosa do estado, a paisagem dominante apresenta-se como continuidade daquelas presentes no semi-árido nordestino. A atividade econômica tradicional é a pecuária extensiva.
No interior dessa área periférica de Minas Gerais está o Vale do Jequitinhonha, um dos maiores bolsões de pobreza do país. Submetido a longos períodos sem chuva, o Vale do Jequitinhonha participa do chamado Polígono das Secas e encontra-se na área de atuação da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), o órgão federal extinto em 2000 que o governo Lula prepara-se para recriar. Só recentemente, por conta de incentivos concedidos pelo governo federal e com a introdução de técnicas agropecuárias mais modernas, é que a pobreza vem sendo lentamente reduzida.
No Paraná, os municípios que apresentam os mais graves indicadores de pobreza localizam-se principalmente na porção centro-sul, sob a forma de manchas contínuas ou de focos isolados.
Essa parte do Paraná ocupa a área denominada “Campos de Guarapuava”, que se estruturou historicamente em função da atividade pecuarista e do extrativismo vegetal. Durante muito tempo, a área permaneceu isolada dos principais centros consumidores, devido à precária infra-estrutura viária. Apesar da melhoria em sua acessibilidade e das transformações ocorridas em suas estruturas produtivas, a área ainda guarda várias das características herdadas de seu processo de ocupação humana e valorização econômica.
Os demais estados do Sudeste e do Sul apresentam poucos municípios com índices de extrema pobreza. Todavia, mesmo em São Paulo, o estado mais rico da Federação, pode-se identificar, em sua porção meridional, um conjunto de municípios com expressivo grau de pobreza.
O Vale do Ribeira, juntamente com a área contígua do alto vale do rio Paranapanema, abrange cerca de 15% do território paulista, conta com população de aproximadamente 1,5 milhão de habitantes e detém cerca de 80% das reservas naturais de Mata Atlântica do estado .
Essas áreas configuram a porção mais pobre de São Paulo, o que se explica fundamentalmente por terem permanecido à margem dos principais ciclos de acumulação de riquezas da economia paulista. Mas o Vale do Ribeira exibe uma importante diferenciação interna. O baixo vale, que corresponde em grande parte ao litoral sul de São Paulo, atravessa significativas transformações, geradas principalmente pela exploração de seu potencial turístico.
Os dois Atlas são contribuições inestimáveis para o conhecimento das dimensões geográficas da pobreza no país. Mas não se deve ignorar o fato de que sustentam- se sobre uma base estatística municipal. Isso significa que são incapazes de detectar a heterogeneidade social intra-municipal. A limitação é especialmente importante nos casos de municípios que abrigam grandes aglomerações urbanas.
As grandes cidades são universos caracterizados por fortes desigualdades sociais. A massa de riqueza concentrada nas camadas de maior poder aquisitivo dos principais núcleos urbanos afeta intensamente os indicadores sociais, pois eleva bastante as médias. Ou seja: a presença do bairro dos Jardins, no município de São Paulo, ou da Barra da Tijuca, no município do Rio de Janeiro, empurra bastante para cima os indicadores sociais de conjunto. É por isso que as médias estatísticas devem ser encaradas com saudável desconfiança.
Boletim Mundo Ano 12 n°5
Nenhum comentário:
Postar um comentário