sábado, 10 de setembro de 2011

E QUANDO TODOS OS GATOS SÃO PARDOS?

No passado, republicanos e democratas expressaram o debate sobre o lugar do Estado na economia de mercado. Hoje, a plataforma econômica liberal e a “guerra ao terror” aproximam os dois partidos.
Meus amigos no Partido Democrata  e eu estou feliz de poder chamar vários deles de meus amigos  nos garantem que compartilham a nossa convicção de que a obrigação mais importante de nosso governo é ganhar a guerra contra o terrorismo, e eu não duvido de sua sinceridade. (...) Lembremo-nos  de que nós não somos inimigos, mas camaradas em uma guerra contra um verdadeiro inimigo”, declarou o senador John McCain em seu discurso, no dia 31 de agosto, durante a abertura da convenção nacional do Partido Republicano, realizado no famoso ginásio de esportes e centro de convenções Madison Square Garden, em Nova York.
O discurso “conciliador” de McCain, pronunciado durante o encontro que oficializou a candidatura de George W. Bush, explicita a grande questão das eleições presidenciais: a manutenção da estratégia de “guerra ao terror”, quem quer que seja o vencedor. Do ponto de vista da elite dirigente, este, precisamente, é o ponto que deve permanecer intocado. Mas o discurso de McCain, antigo adversário de Bush e mais antigo ainda amigo de Kerry (lutaram juntos na Guerra do Vietnã), revela a semelhança cada vez maior entre os dois partidos.
Para reforçar essa impressão, o senador do Partido Democrata pela Geórgia, Zell Miller, declarou em Chillicothe, Ohio, no dia 10 de setembro: “Eu quero aproveitar esta oportunidade para dizer a todos os meus amigos democratas, onde quer que estejam, todos vocês que, como eu, nunca pensaram em votar em um republicano poucos anos atrás, todos vocês que podem estar um pouco hesitantes em expressarem isto à mesa de jantar, ou manifestarem em reuniões de sindicato digam a todos eles que George W. Bush é um republicano que os democratas podem orgulhosamente apoiar”.
Assim, enquanto um senador republicano elogia os democratas em plena sessão solene de lançamento da candidatura de Bush, outro senador democrata proclama Bush como a melhor opção na luta contra o terror. Mas nem sempre as fronteiras entre os partidos foram tão tênues e difusas. Ao contrário, ao longo de todo o século XX, os republicanos sempre foram conhecidos como o motor da ideologia conservadora, capitalista liberal, avesso às garantias trabalhistas e concessões de natureza social, bandeiras sempre empunhadas pelos democratas.
Alguns analistas e historiadores como Arhtur Schlessinger Jr. chegam a dizer que justamente a alternância dessas perspectivas no  poder fizeram a grandeza dos Estados Unidos. Quando o clima político, econômico e financeiro era excessivamente liberal, conduzindo a excessos desequilibrados, como o lucro fácil com a especulação  na Bolsa de Valores e investimentos especulativos, vinham os democratas e disciplinavam o capital, mediante concessões sociais. Quando as concessões ameaçavam sobrecarregar e paralisar as corporações, vinham os liberais e faziam os “ajustes”.
Nunca as diferenças de perspectivas entre os dois partidos foram tão claramente expostas como no período que se seguiu à quebra da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929. O então presidente Herbert Hoover, republicano e liberal convicto, não admitia a hipótese de o Estado intervir na economia. Hoover fora eleito no final de 1928, quando o país ainda saboreava os frutos da prosperidade. Seus compromissos políticos e partidários eram com os setores mais abastados e conservadores da sociedade. Em 1932, o candidato do Partido Democrata às eleições presidenciais, Franklyn D. Roosevelt, apresentou argumentos opostos aos de Hoover. Roosevelt apoiava uma forte intervenção do Estado, incluindo a regulamentação das relações entre capital e trabalho, entre sindicatos e empresas. A plataforma de Roosevelt foi considerada “esquerdista” e “socialista” pelos republicanos e até pelos setores mais conservadores do próprio Partido Democrata.
Num país federativista, que apostava tudo nos valores individuais e na iniciativa privada, e que rejeitava até mesmo a noção de um poder central com capacidade de intervir nos Estados da federação, as idéias de Roosevelt soaram como uma espécie de subversão absoluta de valores consagrados pela Constituição. A plataforma do candidato democrata refletia o pensamento de uma corrente fortemente influenciada pelo economista britânico John Maynard Keynes, que procurava disciplinar a “mão invisível do mercado” por meio da intervenção da “mão visível do Estado”.
Roosevelt respondia às críticas dizendo que ele era o único candidato verdadeiramente conservador, já que, em sua opinião, ou o Estado apresentava alternativas rápidas à nação, ou os bolcheviques, que haviam feito a revolução na Rússia, teriam condição de liquidar o capitalismo. Em defesa do capitalismo, portanto, Roosevelt propôs aquilo que, para a história, tornou-se conhecido como o New Deal.
O New Deal comprometia-se a reduzir as despesas improdutivas do governo federal, a dar ajuda aos agricultores e aos mais prejudicados pela crise e realizar obras públicas para gerar empregos. Mas, principalmente, Roosevelt declarava que o governo federal tinha uma responsabilidade permanente de assegurar o bem-estar social. Tratava-se de um importante ponto de inflexão na história americana, um divisor de águas.
Roosevelt governou os Estados Unidos até morrer, em 1945. Seus sucessores, com graus distintos de compromisso e convicção, mantiveram-se fiéis ao New Deal. Coube ao Partido Democrata promover os programas de integração dos negros, montar o edifício da assistência médica e social, investir na escola pública, principalmente com o programa Grande Sociedade, lançado em 1964 por Lyndon Johnson. Isso explica a tradicional influência dos democratas nos centros urbanos e industriais. Inversamente, explica a influência republicana nas pequenas localidades, mais propensas a cultivar valores tradicionais e religiosos.
A tradicional divisão ideológica começou a desabar com Ronald Reagan e o “neoliberalismo” dos anos 80.
Reagan iniciou o processo de desmontagem do New Deal, diminuindo o imposto pago pelos ricos e aumentando o pago pelos pobres, e cortando radicalmente verbas destinadas aos serviços públicos. A queda do Muro de Berlim e o fim do bloco soviético pareciam dar-lhe razão: a era dos benefícios sociais, aparentemente, tinha chegado ao fim.
Bill Clinton, que se apresentou como um “Novo Democrata”, investiu  todas as fichas no processo de globalização: livre fluxo de capitais, desregulamentação das economias, austeridade fiscal. A sua orientação econômica certamente não significou a mera continuidade do programa de Reagan mas, no essencial, conservou a orientação neoliberal estabelecida na década anterior.
A “guerra ao terror” contribuiu para tornar os democratas ainda mais parecidos com os republicanos. Ironicamente, isso acontece quando a sociedade americana encontra-se dividida ao meio e os candidatos trocam pesadas acusações mútuas. Contudo, por trás da fumaça verbal, nas atuais eleições presidenciais o foco dos “debates” não são as estratégias políticas para o futuro, mas a vida pessoal e o passado de cada candidato.

Boletim Mundo Ano 12 n° 6

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