quarta-feira, 7 de setembro de 2011

DIREITO INTERNACIONAL JUSTIFICA A AÇÃO NO SUDÃO

Flavia Piovesan

Darfur, na região ocidental do Sudão, reflete a mais grave crise humanitária contemporânea: ao menos 30 mil mortos, 1,2 milhão de pessoas forçadas a buscar refúgio, 2 milhões sofrendo de fome e enfermidades.
O Sudão é o 138o país no ranking do IDH, sua população de 39 milhões de habitantes, apresenta expectativa de vida de 58 anos e taxa de analfabetismo de 39%.
O quadro geral é legado de interminável guerra civil. A crise de Darfur envolve a violenta ação da milícia janjaweed, comandada por líderes de tribos que se identificam como árabes, que tem aterrorizado as tribos negro-africanas por meio da destruição de vilas, saques, estupros, torturas e assassinatos .
O governo sudanês nega a acusação de que arma a milícia árabe. Contudo, investigações conduzidas pela Human Rights Watch comprovam que a “limpeza étnica” conta com o aval e o suporte governamental.
No início de agosto, resolução do Conselho de Segurança da ONU concedeu ao governo do Sudão 30 dias para desarmar a milícia árabe e solucionar a crise humanitária, sob pena da adoção de sanções econômicas e diplomáticas. A milícia janjaweed tomou a resolução como uma “declaração de guerra” e ameaça deflagrar luta armada contra uma eventual intervenção em solo sudanês. Mais de cem mil pessoas participaram na capital sudanesa de uma manifestação organizada pelo governo contra a resolução das Nações Unidas.
Qual deve ser o papel da comunidade internacional diante do desperdício de tantas vidas humanas?
Qual há de ser o alcance do chamado “direito de ingerência”?
Como compreender a intervenção humanitária face ao princípio da soberania nacional?
Desde o final da Segunda Guerra Mundial, testemunha-se crescente processo de internacionalização dos direitos humanos. Neste sentido, destacam-se a adoção da Carta da ONU, de 1945, a Declaração Universal de Direitos Humanos, de 1948, a Convenção sobre a Prevenção e Repressão ao Crime de Genocídio, de 1948, e inúmeros tratados internacionais de proteção dos direitos humanos que traduzem a consciência ética contemporânea.
Ora, se o modo pelo qual um Estado trata de seus nacionais deixa de ser uma questão de jurisdição doméstica, passando a ser tema de interesse internacional, qual deve ser a ação internacional no caso sudanês?
No plano das medidas emergenciais, há que se assegurar a proteção dos refugiados que abandonaram tudo em troca de um futuro incerto, em terras desconhecidas.
Para a ordem internacional, refugiado é aquele que sofre fundado temor de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, participação em determinado grupo social ou opiniões políticas, não podendo ou não querendo por isso valer-se da proteção de seu país de origem (Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951). Atualmente, a maioria dos refugiados é composta por africanos e asiáticos, dos quais 80% são mulheres e crianças. A maior parte dos refugiados é de países em desenvolvimento e tem encontrado asilo em países em desenvolvimento.
Ao mesmo tempo, devem ser adotadas medidas preventivas, a fim de conter a maciça e sistemática violação aos direitos humanos em Darfur. Isso significa assegurar aos refugiados o direito de retornar ao Sudão, com segurança e dignidade, o que demanda uma ação internacional que possa contribuir para o fim da guerra civil no Sudão. Daí a exigência de atitudes mais drásticas do Conselho de Segurança, na busca de uma solução pacífica para o conflito ou mediante retaliações econômicas e diplomáticas, conforme disposto no capítulo VII da Carta da ONU. Se tais medidas mostrarem-se ineficazes, caberá ao Conselho de Segurança decidir por outras ações, incluindo o emprego de forças armadas, a fim de restabelecer a paz e a segurança internacional.
Nos termos da Carta das Nações Unidas, o emprego da força no âmbito internacional está condicionado à autorização do Conselho de Segurança, quando houver ameaça ou ruptura da paz e segurança internacional (capítulo VII), ou ao exercício do direito de legítima defesa do Estado, em caso de ataque armado (art. 51). Contudo, a atuação do Conselho de Segurança fica muitas vezes comprometida pelos interesses políticos que cercam cada caso. Nos casos da Somália, em 1992, e da antiga Iugoslávia, em 1995, a intervenção humanitária operou-se com o aval do Conselho de Segurança. Agora, no Sudão, os Estados Unidos parecem pouco propensos a patrocinar uma intervenção humanitária.
Por fim, cabe a adoção de medidas repressivas, que permitam investigar, processar e julgar os responsáveis pelas violações dos direitos humanos em Darfur.
As medidas repressivas devem garantir o combate à impunidade dos graves crimes cometidos, assegurando às vítimas e aos seus familiares o direito à justiça e prevenindo a ocorrência de outras atrocidades. Neste sentido, destacam-se as experiências dos tribunais especiais da Bósnia e da Ruanda, bem como a recente criação do Tribunal Penal Internacional, competente para o julgamento de crimes contra a humanidade, crime de genocídio, crimes de guerra e crimes de agressão.

Boletim Mundo Ano 12 n° 5

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