quarta-feira, 7 de setembro de 2011

FRATURA EXPOSTA




Massacres em Darfur têm raízes no domínio centenário do norte árabe e muçulmano sobre o sul negro-africano do Sudão.
A região de Darfur, no oeste sudanês, é habitada por tribos muçulmanas, que se distinguem pela percepção de suas identidades étnicas e culturais. A maioria da população regional se descreve como negro-africana, enquanto a minoria, fiel ao governo central do país, se descreve como árabe. O conflito regional é uma dimensão particular da interminável guerra civil sudanesa. O Sudão é dominado há centenas de anos pela minoria árabe e muçulmana do norte, a região mais próspera do país, sobre as populações negro-africanas .
Chamado de Núbia na Antigüidade, o território que hoje forma o Sudão foi conquistado pelos árabes durante a expansão islâmica do século VII. Mas, nos séculos seguintes, tribos negro-africanas, seguidoras de religiões locais e que não se converteram ao islamismo, conquistaram o sul do território. Em 1822, o Sudão foi ocupado pelo vizinho Egito, passando, junto com ele, à área de influência britânica nas décadas seguintes.
O Sudão Anglo-Egípcio funcionou como eixo da penetração colonial britânica no vale do Nilo.
O domínio estrangeiro, assentado na lógica do “divide e reinarás”, aprofundou a fratura entre o norte e o sul. O Sudão seria palco de uma das mais importantes rebeliões islâmicas anti-britânicas, iniciada em 1885 sob o comando de Ahmed bin Abd´Allah, mais conhecido como o Mahdi (o guia ou profeta). Os britânicos restabeleceriam o controle sobre o Sudão em 1898. Mas o Islã deitou raízes na população sudanesa, aparecendo como fé anti-colonial.
A independência veio em 1956, no auge do nacionalismo árabe. E, no mesmo ano, teve início um movimento guerrilheiro liderado pelo Exército Popular de Libertação do Sudão, comandado por John Garang, com base nas populações rurais negras, animistas ou cristãs do sul do país. Iniciava-se assim a guerra civil sudanesa.
Em 1989, o general Omar Hassan al-Bashir liderou um golpe de Estado, que reforçou a aplicação da sharia, a lei islâmica, discriminando as populações não-muçulmanas.
O grande mentor do regime era o clérigo Hassan Turabi, uma das principais lideranças do fundamentalismo islâmico em todo o Oriente Médio. O Sudão tornou-se, então, um dos centros de difusão do fundamentalismo, apoiando grupos islâmicos antiamericanos e anti-Israel em vários países.
A guerra entre o governo central e os rebeldes do sul causou a morte de mais de 600 mil refugiados não-muçulmanos na região de Parayang, em 1993. Dois anos depois, o país chegou à beira da guerra com o Egito, que acusava Turabi de orquestrar uma tentativa de assassinato do presidente egípcio, Hosni Mubarak.
Acusações de envolvimento com o terrorismo internacional – incluindo a rede Al Qaeda, de Osama Bin Laden – levaram a sanções internacionais cada vez mais pesadas, da ONU e dos Estados Unidos, que evoluíram, em 1998, para um embargo comercial contra o país. No ano seguinte, os Estados Unidos destruíram, em um ataque com mísseis mar-terra, uma suposta fábrica de armas químicas em Cartum, a capital, depois de atentados contra embaixadas americanas no Quênia e na Tanzânia. Há indícios de que a “fábrica de armas químicas” não passava de um hospital e uma central de medicamentos.
Maior país da África, o Sudão é também um dos mais pobres. Exportou, ano passado, US$ 594 milhões em mercadorias, importando US$ 1,4 bilhão. A ajuda internacional não chegou a US$ 60 milhões. Diante do colapso econômico e sob intensa pressão internacional, o autonomeado “marechal-de-campo” Omar al-Bashir afastou Hassan Turabi da linha de frente do regime, tentando se reconciliar com vizinhos e com o Ocidente. Seguindo trajetória paralela à do líder líbio Muammar Kadafi, o ditador sudanês proclamou apoio à “guerra contra o terror” e seus serviços de inteligência parecem estar colaborando com a CIA.
Em nenhum momento, porém, o regime admitiu relaxar o domínio férreo sobre as populações do sul do país, que considera separatistas. Nos últimos meses, as tribos negro-africanas de Darfur, que não participam da guerrilha do sul, passaram a exigir a autonomia política, esboçando uma rebelião regional. O regime de Cartum reagiu duramente e, ao que tudo indica, resolveu transferir as atrocidades das mãos do exército para milícias paramilitares árabes conhecidas como janjaweed. Essas milícias são as responsáveis diretas pela crise humanitária em Darfur.

Boletim Mundo Ano 12 n° 5

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