sexta-feira, 2 de setembro de 2011

POLÍTICA DE BUSH DESESTABILIZA O ORIENTE MÉDIO

A Doutrina Bush prometia um Iraque estável e democrático, num Oriente Médio reformado. Mas resultou em caos no Iraque ocupado, na crise da ordem monárquica na Arábia Saudita e em mais sangue na Palestina.

29 de junho: o presidente George Bush anuncia a decisão de “devolver aos iraquianos” a administração de seu próprio país, dois dias antes da data planejada. O posto de primeiro-ministro foi entregue a Iyad Alawi, um iraquiano notoriamente vinculado à comunidade de informações dos Estados Unidos. O anúncio, feito durante uma reunião de cúpula da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), é inesperado mas não surpreendente, devido à sistemática resistência de guerrilheiros iraquianos (que, até o início de julho, causara mais de mil baixas entre as forças de ocupação), ao escândalo causado pela divulgação das fotos de cenas de tortura de iraquianos praticadas por soldados americanos e à ausência de perspectiva de uma saída política que Bush pudesse apresentar como vitoriosa, às vésperas das eleições presidenciais nos Estados Unidos. Pior ainda: além de não estabilizar ordem alguma no Iraque, a ocupação aumentou extraordinariamente as tensões na vizinha Arábia Saudita, cuja monarquia já não consegue conter a oposição fundamentalista, e agravou o conflito entre israelenses e palestinos, graças ao apoio de Washington à política de Ariel Sharon.
22 de maio: o cineasta e jornalista Michael Moore recebe a Palma de Ouro, o mais alto prêmio do Festival de Cinema de Cannes, por seu documentário “Fahrenheit 9/11”, sobre a administração Bush antes e depois dos atentados de 11 de setembro de 2001. O filme revela os vínculos da família Bush com a de Osama Bin Laden, retoma a denúncia da fraude no estado da Flórida (governada por Jeb Bush, irmão do presidente), que teria sido decisiva na condução de Bush à Casa Branca, e constrói sua figura como a de um sujeito despreparado para governar qualquer coisa, autoritário, desequilibrado, fanático religioso e intolerante. Ao receber o troféu, Moore é aplaudido de pé, durante vinte minutos, fato sem precedentes na história do festival. Nas primeiras três semanas de exibição nos Estados Unidos, seu filme rende uma bilheteria estimada em 100 milhões de dólares, cifra jamais obtida, nem de longe, por qualquer outro documentário. Após cada exibição, formam-se, espontaneamente, nas ruas e bares, grupos que debatem apaixonadamente os fatos exibidos.
As cenas, aparentemente, nada têm a ver uma com a outra.
Mas ambas são faces de uma mesma moeda: o fracasso da Doutrina Bush.
Logo após os atentados de 11 de setembro, quando a poeira levantada pelos escombros das torres gêmeas ainda pairava sobre as ruas de Manhattan, Bush pronunciou um famoso discurso, em rede nacional de televisão, em que afirmava: “Aqueles que não estão do nosso lado estão com os terroristas”. Era uma chantagem: a nação e o mundo deveriam apoiar incondicionalmente a “guerra ao terror” movida pela Casa Branca. Não haveria alternativa possível. O discurso causou grande impacto: Bush obteve aprovação quase unânime do Congresso para deflagrar a operação militar no Afeganistão, no início de outubro de 2001. Apenas uma deputada da Califórnia, a democrata e ex-hippie negra Barbara Lee, ousou votar contra. No mesmo mês, Bush fez aprovar a Lei Patriótica (Patriotic Act) que, na prática, suspendia a garantia das liberdades públicas consagradas por mais de dois séculos de vigência da Constituição aprovada na Convenção de Filadélifia, em 1776. Depois, veio o ataque ao Iraque, em março de 2003, quando Bush ignorou solenemente a ONU, os aliados da OTAN (particularmente, França e Alemanha) e os milhões que se manifestaram, em todo o mundo, no dia 15 de fevereiro.
Nada parecia capaz de deter a moto niveladora colocada em movimento pela Casa Branca. Até que os soldados de Bush começaram a morrer às dezenas no Iraque, numa situação de guerra de guerrilha prolongada.
Evidenciou-se o óbvio: seria impossível estabilizar, no Iraque, qualquer governo central aliado de Washington no curto ou médio prazo. Decorridos seis meses da invasão, o problema passou a ser como organizar a retirada com o menor prejuízo possível, de preferência salvando alguma coisa para a disputa presidencial.
A revelação das fotos de tortura funcionou como a gota d’água. Bush invadira o Iraque sob os pretextos de encontrar e eliminar o suposto arsenal de armas de destruição em massa que teria sido construído por Saddam Hussein, e acabar com um ditador que torturava seus adversários. Bush nunca encontrou o tal arsenal (que não existia, como concluiu, em 9 de julho, uma comissão do Senado) e suas próprias forças, agora, encarregavam-se de torturar os iraquianos. Era a completa desmoralização.
Mas a Arábia Saudita reserva “surpresas” ainda mais graves. Começa a tornar-se cada vez mais público  e Michael Moore contribui para isso – que Osama Bin Laden era freqüentador íntimo da monarquia saudita, a mais fiel aliada de Washington no Oriente Médio; que ele e a Al Qaeda foram armados e treinados pela CIA, nos anos 80, para combater as tropas da União Soviética que ocupavam o Afeganistão; e que o fundamentalismo islâmico foi amplamente instrumentalizado pela Casa Branca em Kosovo (na antiga Iugoslávia) e na Chechênia (no Cáucaso russo), após o “período afegão”.
Durante sete décadas, a monarquia saudita viveu de seu prestígio como guardiã dos locais mais sagrados do Islã, e como parte integrante da seita fundamentalista wahabita. Agora, a “guerra ao terror” de Bush, impregnada de sentimento anti-islâmico, produziu um crescente distanciamento entre os fundamentalistas e a monarquia que os financiou. O apoio da monarquia saudita à política de Bush destruiu os pilares da ordem interna no reino que detém quase um quarto das reservas mundiais de petróleo. Há mais de um ano, a Arábia Saudita é palco de atentados fundamentalistas, que têm o apoio de parte significativa da população que não se beneficia dos petrodólares. A monarquia parece prestes a perder o controle sobre o país. E se as tensões degenerarem em guerra civil? E se o governo for tomado pelos fundamentalistas?
Bush ocupará também a Arábia Saudita?
E há a situação explosiva em Israel e nos territórios ocupados. Ariel Sharon defende a manutenção dos assentamentos na Cisjordânia, a continuidade das obras do muro que divide a Palestina em “bantustões” (cuja construção foi condenada pelo Tribunal Internacional de Haia, em 9 de julho), a política de assassinatos seletivos de líderes palestinos, o método de destruição de casas, a violência indiscriminada do exército contra a população civil. Faz tudo isso com o apoio de Bush. O resultado, todos já conhecem: multiplicação dos atentados a bomba, novas mortes, mais sangue, mais violência.
O que virá depois de Bush?

Boletim Mundo Ano 12 n° 4

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