A persistência do petróleo na condição de principal combustível do mundo deve-se, antes de tudo, ao lugar predominante dos Estados Unidos na economia global. A hiper potência é, de longe, o maior consumidor de petróleo. Algo entre um quarto e um quinto do petróleo produzido no mundo é queimado nos Estados Unidos .
No paraíso do automóvel, da urbanização horizontal, dos subúrbios de classe média e das vias expressas, a gasolina e o diesel custam muito pouco, cerca de metade do que custam na Europa Ocidental, pois praticamente não são taxados. O candidato democrata John Kerry, ao criticar a política energética de Bush, preferiu não comprar briga com a paixão nacional pelos SUV, os utilitários esportivos beberrões de gasolina: “Você quer dirigir um super SUV? Maravilha...mas você não acha que faz sentido poder dirigir um que faça maior quilometragem por litro?”
Nos Estados Unidos, o consumo per capita de petróleo chega a 2,6 toneladas/ano, contra 1,6 no Japão e 1,3 na Alemanha, para não falar do Brasil (0,4) ou China (0,2). A administração de Bill Clinton vacilou diante do Protocolo de Kyoto, negociado em 1997, mas o governo de George W. Bush, muito mais vinculado às corporações petrolíferas, não teve dúvidas em retirar a assinatura do tratado que se destina a limitar as emissões de “gases de estufa”.
A Arábia Saudita tem um quarto das reservas mundiais de petróleo; os Estados Unidos realizam mais de um quarto das importações mundiais de petróleo. Não é casual que uma das rodas da política externa de Washington gire em torno do eixo da “segurança energética”, que significa a garantia da estabilidade de fornecimento abundante e relativamente barato de petróleo.
No meio da turbulência econômica gerada pelo primeiro “choque do petróleo”, numa reunião confidencial com embaixadores americanos no Oriente Médio, Henry Kissinger, o poderoso secretário de Estado do presidente Gerald Ford, sintetizou um programa geopolítico: “Nós estamos tentando reduzir o poder da OPEP.
Estamos tentando diminuir nossa dependência da OPEP e restaurar a liberdade de ação do Ocidente.” Nas suas memórias, Kissinger explica que a operação anti-OPEP exigia o uso do poder de pressão de Washington sobre a Arábia Saudita e o Irã, dois países-chave do cartel, que “eram dependentes da sustentação política americana para a sua estabilidade interna e da proteção americana para a sua segurança externa”. O Irã tornou-se, meia década depois, um Estado islâmico anti-ocidental. Mas a Arábia Saudita estreitou ainda mais os laços de dependência política e militar que a prendiam aos Estados Unidos.
O Golfo Pérsico é, há muito, uma das prioridades da política global da hiper potência. Nos anos 80, a administração Ronald Reagan deu suporte ao Iraque de Saddam Hussein na guerra de oito anos contra o Irã.
Logo depois, em 1991, o presidente George H. Bush empreendeu a primeira Guerra do Golfo para impedir a anexação do Kuwait pelo Iraque. Washington não suportava a perspectiva de um Saddam Hussein fortalecido pelo controle sobre as reservas petrolíferas kuwaitianas e capaz de ameaçar a monarquia saudita.
A aliança com a Arábia Saudita é o pilar do edifício geopolítico construído no Golfo Pérsico. O Conselho de Cooperação do Golfo, liderado pelos sauditas, funciona como escudo de proteção dos pequenos emirados petrolíferos. As forças armadas americanas, por meio das bases militares regionais, serviam como instrumento de dissuasão de eventuais aventuras iraquianas ou iranianas.
Todo o edifício depende da estabilidade da dinastia saudita. Mas essa estabilidade começou a ser corroída após a primeira Guerra do Golfo, com a cisão entre a dinastia e o fundamentalismo islâmico de Osama Bin Laden. Os atentados do 11 de setembro precipitaram a crise no Estado saudita. A invasão do Iraque destinava-se a reorganizar todo o Oriente Médio e, em especial, a assegurar a retaguarda para que a dinastia saudita pudesse enfrentar a rebelião interna dos fundamentalistas.
A política americana de “segurança energética” tem no Golfo Pérsico o seu foco, mas abrange uma série de iniciativas geopolíticas em outras regiões do mundo. O México, quarto produtor mundial de petróleo, exporta praticamente todo o excedente para os Estados Unidos. A sua incorporação ao Nafta, em 1994, aprofundou os laços econômicos que o prendem ao grande vizinho do norte. A Venezuela é outro importante fornecedor dos Estados Unidos, o que ajuda a explicar o nervosismo de Washington diante do regime nacionalista de Hugo Chávez .
A bacia do Mar Cáspio, na Ásia Central, é a “nova fronteira dos hidrocarbonetos”.
As reservas comprovadas de petróleo, de 28 bilhões de barris, são modestas mas as prospecções ainda encontram-se em estágio inicial e há indícios de que exista muito mais petróleo na área. Além disso, as reservas de gás natural já mensuradas são imensas.
Um complexo jogo de interesses orquestra-se em torno de contratos e rotas para a construção de dutos que conectem a região a portos oceânicos. As disputas envolvem a Rússia, a China e as corporações petrolíferas globais. Atrás do jogo, espreita a instabilidade política no Afeganistão. Mas a operação militar conduzida por Washington nesse país, que começou com a derrubada do regime fundamentalista do Talebã e prossegue com a caçada a Osama Bin Laden, proporcionou as condições para a instalação de uma base militar americana no Tadjiquistão. O país, que faz parte da Comunidade de Estados Independentes (CEI), é o primeiro aliado militar formal dos Estados Unidos na área da antiga União Soviética.
Boletim Mundo Ano 12 n°5
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