quarta-feira, 7 de setembro de 2011

GIGANTES DO PETRÓLEO PREFEREM CHÁVEZ À ANARQUIA

Newton Carlos

Na contra-mão das elites venezuelanas e de Washington, as corporações apostam em grandes negócios com um regime que precisa das rendas petrolíferas.
Os países latino-americanos vivem um “isolamento estratégico”, uma ausência da geopolítica global: são quase zero os acontecimentos na América Latina com capacidade de repercussão mundial. Há uma exceção, conhecida como “petropolítica”.
Três coisas têm ficado ultimamente sob olhares apreensivos dos mercados financeiros de Nova York e Londres, na medida em que os preços do petróleo se comportavam (e continuam se comportando) de um modo quase anárquico. A primeira delas era a insurreição xiita no Iraque e a instabilidade política na Arábia Saudita, carregadas de ameaças de interrupção ou redução no fornecimento do petróleo. Em seguida, vinham as disputas na Rússia envolvendo a gigante petrolífera Yukos e o referendo na Venezuela sobre a revogação do mandato presidencial de Hugo Chávez.
No caso sul-americano, as atenções se voltavam sobretudo para o potencial de violência do confronto entre Chávez e a oposição. A partir daí, tratava-se de determinar qual seria a melhor opção para os grandes interesses petrolíferos, cansados não tanto do “chavismo”, como poderia parecer, mas de incertezas.
Como explicou um analista londrino, “os negócios e os humores nessa área são indexados à estabilidade ou não estabilidade dos preços”. Tradução: o mercado do petróleo é realista: não exercita devaneios ideológicos.
Na contra-mão das elites venezuelanas e dos investidores estrangeiros de setores não-petrolíferos, as corporações do petróleo optaram por apostar discretamente na permanência de Hugo Chávez. Era um meio de acabar com o clima de incertezas, que afetava transações bilionárias. Chávez ganhou e, de imediato, os preços do petróleo baixaram. A Venezuela é o quinto maior exportador mundial. A produção vinha caindo e em julho não ultrapassou a marca de 2,210 milhões de barris/dia. No momento do referendo, com leve recuperação, aproximava-se de 2,5 milhões de barris.
As corporações do petróleo não se esquecem da greve de dezembro de 2002 e fevereiro de 2003 e da demissão de 18 mil grevistas da estatal petrolífera. A greve de uma “aristocracia operária” na PVSA, a estatal petrolífera incluída pela revista Fortune entre as 500 maiores empresas do mundo, foi em apoio ao golpe frustrado contra Chávez. Por meio das demissões em massa, o “chavismo” assumiu o controle da PVSA e, durante a campanha do referendo, o ministro da Energia disse que haveria nova greve em caso de derrota do presidente. As corporações do petróleo não querem mais turbulências desse tipo e pareciam convencidas, às vésperas do referendo, de que Chávez seria a escolha mais acertada.
O presidente e seu truculento ministro da Energia, por outro lado, se apressaram em oferecer contra-partidas.
Só ele, Chávez, afirmou o próprio Chávez, teria condições de garantir estabilidade nos preços e fornecimentos do petróleo. De nenhuma maneira seriam suspensas as exportações aos Estados Unidos. A Venezuela fornece 1,4 milhão de barris/dia. É o terceiro maior fornecedor, atrás apenas do Canadá e da Arábia Saudita.
A paisagem mais ampla também pesou no comportamento das corporações do petróleo. A política tradicional venezuelana, baseada durante quatro décadas no revezamento no poder de dois partidos, teve todo esse petróleo nas mãos, porém a pobreza e as desigualdades só aumentaram, ao mesmo tempo em que uma corrupção galopante favorecia às elites. O petróleo funcionava como galinha dos ovos de ouro, alimentando “cadeia delinqüente e bilionária que cobria governantes, empresários e a classe política”, como escreveu um sociólogo venezuelano.
Continuar apostando num sistema caduco? A pobreza não se reduziu com Chávez, mas pelo menos ele colocou na equação política a questão da pobreza.
Edgardo Lander, outro sociólogo, resumiu a história.
Antes de Chávez entrar em cena, a política venezuelana era como festa das classes altas, todos protagonistas refinados, educados e cosmopolitas com o controle das riquezas petrolíferas. De repente, o povo de fora entrou na festa: gente que cheira mal, indígenas e pretos de más maneiras.
A revista liberal britânica The Economist previu a vitória de Chávez e sugeriu às elites internacionais o reconhecimento de que Chávez é popular, embora seu populismo possa ser chamado de demagógico. É difícil convencer “chavistas” latino-americanos de que as corporações do petróleo optaram por Chávez. O presidente venezuelano chegou a qualificar George Bush de “cretino” e disse estar numa guerra de baixa intensidade contra o governo americano. Em que pesem esses “pontos negros”, a gigante americana Chevron Texaco propôs há pouco investir seis bilhões de dólares na transformação de petróleo pesado do Orenoco em petróleo leve, ajustando o produto venezuelano às refinarias dos Estados Unidos. A empresa, com quartel-general no Texas, terra de Bush, fez suas reflexões estratégicas e concluiu que Chávez, depois do referendo, convidará as corporações estrangeiras a explorar o enorme potencial petrolífero da Venezuela.
Importantes projetos de parceria das corporações com a PVSA foram paralisados pelo impasse político.
É o caso da exploração de gás natural, com investimentos de US$ 2,7 bilhões acertados com a Mitsubishi, a Shell e o emirado do Catar. A British Petroleum e a Statoil, da Noruega, só esperam sinal verde das autoridades venezuelanas para explorar áreas “promissoras”.
Duas dezenas de empresas estrangeiras se agrupam na Associação Venezuelana de Hidrocarburantes. “Só precisamos de decisões, de flexibilidade, para ir adiante; em tal contexto de instabilidade ninguém fará investimentos de longo prazo”, disse seu presidente, Luis Xavier Grisanti. A lei sobre recursos energéticos, destinada a aumentar a produção de petróleo e já aprovada no Congresso, aguarda promulgação.
O petróleo representa 80% das exportações e cobre a metade do orçamento nacional. É com recursos petrolíferos que Chávez procura desenvolver programas sociais vitais à sua sobrevivência política. Mas, contando apenas com capitais próprios, a Venezuela não conseguirá incrementar as rendas do petróleo nos níveis exigidos pela gravidade da crise nacional. Mark Weisbrot, de um centro de estudos estratégicos de Washington, disse que a importância “estratégica” do petróleo venezuelano impõe escolher entre estabilidade e turbulências.
Nada disso muda a imagem de um país dividido em duas sociedades. “Chavistas” e “antichavistas” continuam sem freqüentar os mesmos bairros, sem ver as mesmas televisões e sem ler os mesmos jornais.

Boletim Mundo Ano 12 n° 5

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