sexta-feira, 2 de setembro de 2011

A CHINA TORNOU-SE UMA REDE GLOBAL

Gilson Schwartz

Durante muitos anos a economia chinesa foi visualizada como uma rede que se estendia além da China, envolvendo pólos em várias regiões da Ásia e mesmo no Pacífico norte-americano. Assim como a Índia, que estabeleceu laços e fluxos migratórios com a Califórnia, muitos empreendedores chineses foram incubados na cultura empreendedora do Vale do Silício.
O foco em desenvolvimento local teve na China uma versão mais planificada: as Zonas Econômicas Especiais (ZEEs). Essas zonas de desenvolvimento capitalista produziram, com estratégias agressivas de exportação baseadas na exploração de mão-de-obra barata, oportunidades de investimento para indústrias e empresas integradoras estrangeiras.
As novas oportunidades foram se consolidando, no interior da rede chinesa propriamente dita mas também fora da China, contribuindo para o redesenho das fronteiras nos mercados mundiais. É interessante comparar a evolução das exportações chinesas entre 1995 e 2002 com as vendas externas dos Novos Países Industrializados (NPIs), um conjunto composto por países em desenvolvimento, e do Japão, uma economia madura com forte investimento acumulado em estratégias exportadoras.
O desempenho da máquina exportadora japonesa oscilou ao longo do período, sofrendo mais diretamente os impactos da crise asiática de 1997 e depois do fim da bolha especulativa na economia americana, em 2000.
Os NPIs parecem acompanhar as oscilações da performance exportadora japonesa, igualmente sintonizada no vigor do mercado comprador dos Estados Unidos. De modo geral, tanto o Japão como os NPIs reproduzem os altos e baixos do conjunto do comércio mundial. A China, entretanto, é a exceção. É o único país nesse grupo que continuamente ampliou o valor de suas exportações de mercadorias .
É importante lembrar que a desvalorização competitiva da moeda chinesa foi apontada por muitos analistas como o primeiro choque a partir do qual propagou-se a crise asiática no final dos anos 90. O fato é que, depois de 1997, quando eclodiu a crise do “baht” (a moeda tailandesa) e sobreveio o efeito dominó de quebras financeiras e políticas na Ásia, a China passou ao largo da crise global, manteve a estabilidade de sua moeda e ampliou o seu espaço como potência exportadora.
A questão decisiva é: como os chineses fizeram isso? Dois aspectos combinam-se para explicar o sucesso econômico e comercial chinês: sua própria rede asiática e o uso estratégico de investimentos e financiamentos, criando oportunidades de comércio.
Os dados de comércio inter e intra-regional revelam que é enorme a densidade dos fluxos dentro da própria Ásia. O padrão é o mesmo revelado pelo mapa dos investimentos chineses. Investimentos que cresceram em paralelo ao crescimento do comércio exterior chinês e muitas vezes como seu braço estratégico. A tal ponto o comércio e o investimento exterior chinês caminham juntos que, pela primeira vez, a China despontou na lista das “Top 5” fontes globais de fluxos de investimento no período 2004-05, batendo até o Japão. A China já parece, para muitos países em desenvolvimento, em especial os que praticamente quebraram depois da crise asiática, como a segunda fonte mais importante, atrás apenas dos Estados Unidos.
A presença de empresas transnacionais chinesas amplia a expectativa de aumento de seus investimentos.
A média anual de investimentos chineses no exterior ultrapassou os US$ 2 bilhões nos anos 90. A garantia de acesso a recursos naturais e a mercados, assim como a aquisição de ativos estratégicos (como tecnologia e marcas famosas), são os principais fatores que motivam essa onda de investimentos chineses no mundo, alcançando 160 países. Entre 1979 e 2002, os investimentos diretos chineses no exterior implantaram perto de 7 mil projetos.
Quase 60% do valor desses fluxos tiveram como destino a própria Ásia .
A evolução da rede de comércio para uma rede de investimentos, finanças e serviços de integração global é o caminho natural. Quando a presença de produtos chineses começa a ganhar escala, em mercados como o dos Estados Unidos, a própria presença no mercado passa a exigir investimentos locais, por exemplo  em redes locais de distribuição.
A nova integração financeira chinesa aos mercados globais é, igualmente, um efeito do investimento externo realizado na China. Os volumes e a intensidade foram também responsáveis por um efeito demonstração e ampliação de possibilidades de investimento chineses  no exterior. Isso também significa acesso crescente a fontes externas de financiamento, o que levou as autoridades chinesas a ampliar o zelo com a supervisão bancária no período recente.

Boletim Mundo Ano 12 n° 4

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