quarta-feira, 7 de setembro de 2011

“NOVO CHOQUE DO PETRÓLEO” EVIDENCIA O FRACASSO DA DOUTRINA BUSH

(...) A Conferência da OPEP em 3 de junho decidiu elevar o teto máximo de produção em um total de 2,5 milhões de barris/dia (...).

Assim o teto para a OPEP-10 (não incluindo o Iraque) subiu (...) para 26 milhões de b/d a partir de 1 de agosto. Essa decisão, tomada sob um pano de fundo de preços espantosamente altos destinava-se (...) a conduzir os preços de volta a níveis mais aceitáveis para produtores e consumidores. Reagindo à decisão, alguns analistas observaram que (...), como a produção da OPEP, de 23,5 milhões de b/d, já era excessiva, o movimento anunciado (...) pode não ter efeito como meio de reconduzir os preços a níveis razoáveis. Contudo (...), não se deve esquecer que quando os mercados são dirigidos pela psicologia, geralmente é muito eficaz enviar-lhes uma mensagem psicológica.
(Boletim da OPEP, junho 2004, pág. 3)
Próxima parada, US$ 50?”. The Economist, a tradicional revista britânica de negócios e política escolheu esse título para comentar, em meados de agosto, a disparada dos preços do barril de petróleo, que chegaram a ultrapassar a marca de US$ 44, um recorde histórico em termos nominais. É um “novo choque do petróleo”, na expressão usada por diversos analistas?
Os “choques do petróleo” de 1973 e 1979, que têm lugar assegurado em qualquer história econômica do século XX, originaram-se de eventos políticos, mas possuíam fundas raízes econômicas. A Guerra de Outubro (ou do Yom Kippur), em 1973, assinalou a estréia da OPEP na geopolítica mundial. A Revolução Iraniana de 1979 proporcionou ao cartel dos países exportadores de petróleo um pretexto para a segunda puxada dos preços do barril. Nos dois casos, a OPEP controlava uma parcela decisiva da produção mundial de petróleo e agia coordenadamente para alavancar os preços, por meio da redução da oferta. No fim das contas, a geopolítica do petróleo expressava-se na moldura normal do jogo entre oferta e procura.
O “novo choque do petróleo” de 2004 é outra coisa. Os preços, que permaneceram em níveis estáveis e relativamente baixos no último biênio, explodiram sem aviso. Em junho, quando as cotações do barril pareciam fora de controle, a OPEP tomou a decisão de elevar significativamente a produção. Contudo, a decisão não surtiu nenhum efeito prático, a não ser o de aumentar a pilha de petrodólares dos países exportadores. Em agosto, profetizava-se em tom lúgubre a quebra da marca dos US$ 50. Mas a corrida dos preços não tem explicação na esfera da economia.
No seu boletim de junho, a OPEP reconhecia que oferta e demanda  encontram-se em equilíbrio. De fato, a produção mundial cresceu quase 10% entre 1999 e 2004 e quase todo o incremento aconteceu fora da OPEP, que atualmente responde por apenas 36% da oferta global. Sozinha, a Rússia assegurou quase metade do incremento total na produção petrolífera.
A OPEP não tinha a menor intenção de provocar um “novo choque do petróleo”.
Seu boletim justificava a decisão de aumentar a produção como forma de enviar “uma mensagem psicológica” aos mercados enlouquecidos. Mas a “psicologia” da OPEP falhou. Os mercados sabem perfeitamente que a oferta e a procura estão ajustadas.
Também sabem que os estoques de petróleo dos Estados Unidos, Europa Ocidental e Japão encontram-se nos seus níveis históricos – ou até um pouco acima deles.
Sobretudo, porém, os mercados estão embutindo nos preços a avaliação que fazem da geopolítica mundial. Eles estão dizendo que temem pelo futuro do Oriente Médio e, no curto prazo, pela estabilidade das exportações da Rússia e da Venezuela.
A Rússia, que extrai quase 11 milhões de barris/dia, tirou da Arábia Saudita a posição de maior produtor mundial de petróleo. Parte significativa das imensas reservas petrolíferas russas é controlada pela Yukos, que nasceu como empresa estatal pós-soviética e foi privatizada em 1996. Contudo, há um ano, os principais dirigentes da corporação tornaram-se foco de uma ofensiva do governo russo para suprimir a influência política dos oligarcas. Mikhail Khodorkovsky, o chefão da Yukos, foi preso e sua empresa ameaçada de perder os direitos de concessão para exploração do petróleo.
A novela da Yukos continua a evoluir, mesmo após o afastamento de Khodorkovsky. Sob uma barragem de processos por evasões milionárias de impostos, a empresa encara agora a ameaça de divisão judicial. Alguns analistas imaginam que o governo de Vladimir Putin opera no sentido de absorver partes do conglomerado à estatal petrolífera Rosneft. No embalo da tormenta, espalha-se o medo de brusca redução nos investimentos e exportações de petróleo da Rússia.
A Venezuela não é nenhuma Rússia, mas extrai perto de 3 milhões de barris/dia, o que a coloca na terceira posição entre os produtores da OPEP, atrás da Arábia Saudita e do Irã. O persistente confronto entre o regime de Hugo Chávez e a oposição degenerou, no passado recente, numa greve política na PVSA, a estatal petrolífera. Desde o início desse ano, o espectro da desordem ronda o país, contribuindo para o nervosismo dos mercados do petróleo. A vitória do presidente no referendo tende a reduzir um pouco a tensão, principalmente se Chávez abrir as portas das reservas venezuelanas aos investidores internacionais .
Entretanto, o mundo do petróleo gira em torno do Golfo Pérsico. A Arábia Saudita extrai cerca de 8,5 milhões de barris/dia, menos que a Rússia, mas as areias do seu deserto e as águas que banham seu litoral ocultam nada menos que um quarto das reservas comprovadas de petróleo do mundo. O Iraque, que agora extrai 2,1 milhões de barris/dia, é dono da segunda maior reserva do globo, que representa 11% do total. A reserva do Irã, por sua vez, representa pouco mais que 9% do total.
Em conjunto, o Oriente Médio abriga 65% das reservas globais do “ouro negro”. A trajetória enlouquecida dos preços do barril reflete, antes de tudo, a extensão do caos que se espalha pelo Oriente Médio.
O foco do incêndio é o Iraque ocupado, cuja estabilização parece cada vez mais distante. A resistência à ocupação disseminou-se por vastas áreas do país, desde o norte curdo até as cidades sagradas xiitas, passando pelo “triângulo sunita” na região central.
O governo fantoche instalado em Bagdá e as tropas americanas não têm controle efetivo sobre dezenas de cidades.
Fora do Iraque e longe das manchetes principais, as fagulhas de um outro incêndio propagam-se na Arábia Saudita, o país que tem a chave dos preços do petróleo no mundo. A monarquia dos Al-Saud, aliada de Washington, enfrenta o assédio do fundamentalismo islâmico. O conflito desenvolveu-se lentamente nas entranhas do regime saudita, instalando-se no interior da elite milionária do petróleo que se confunde com a numerosa família real composta por cerca de 20 mil integrantes.
Um setor dessa elite alinha-se com a dinastia e, indiretamente, com Washington.
Outro setor, mais vinculado à seita puritana Wahabita, acompanhou Osama Bin Laden desde a sua declaração de jihad contra os Estados Unidos, em 1991, e rompeu definitivamente com a dinastia após o 11 de setembro de 2001. Os atentados que abalam o reino há mais de um ano revelam a profundidade da crise.
Se a Arábia Saudita ocupa um dos pólos da geopolítica do petróleo, o outro pólo corresponde aos Estados Unidos. A administração de George Bush entregou-se, há quase dois anos, à aventura da reorganização geopolítica do Oriente Médio. O “novo choque do petróleo” é a prova mais cabal do fracasso desse empreendimento.

Boletim Mundo Ano 12 n° 5

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