Eles andam em grupos de indivíduos selecionados. Vivem em ambientes tão exclusivos que somente uns raros eleitos têm acesso. Seus hábitos alimentares são refinados. Com vocês, um novo tipo de humanos: os ricos.
Um homem no alto dos seus 40 anos, sentado confortavelmente no banco de couro de um Porsche conversível pára num semáforo. Estamos em Beverly Hills. Uma linda jovem sai da loja da Cartier deixando para trás mais de 100 mil dólares. Entra no carro e eles seguem felizes para a mansão com 20 suítes num condomínio exclusivo, afastado da cidade. Na mesma tarde, ele recebe a notícia de que suas aplicações na bolsa subiram, rendendo-lhe lucros na casa dos milhões. Para comemorar, reúne um grupo de amigos para degustar um repasto finíssimo, regado a vinho e champanhe. Se isso lhe faz pensar, o que eles têm que eu não tenho, saiba que a resposta é fácil. Porém desanimadora. Eles fazem parte de um grupo de indivíduos cujo isolamento em ambientes de difícil acesso e os hábitos reprodutivos e alimentares exóticos fizeram com que se tornassem outro ramo da espécie humana: os ricos.A nova (e divertida) teoria de “evolução das espécies” foi desensvolvida pelo jornalista americano Richard Conniff. Depois de anos observando os animais em seus hábitats na África e no sudeste asiático (Conniff trabalha na revista National Geographic), ele lançou o livro The Natural History of the Rich (que agora sai no Brasil com o nome de A Hitória Natural dos Ricos, pela Editora Jorge Zahar), onde compara, com muito humor e doses de sarcasmo, pessoas ricas a chimpanzés, pavões, zebras e outros animais menos afortunados. Tudo para mostrar que os Homo sapiens pecuniosus (como ele batizou a “nova espécie”) possuem características próprias e únicas, que os torna muito diferentes do resto de nós humanos.
Por que os ricos têm mais facilidade para conquistar as atenções do sexo oposto? Por que os ricos sempre ficam mais ricos? Eles parecem atrair dinheiro – ou você já viu um pobre Homo sapiens como nós receber uma herança de uma tia distante? Se você acha que isso é um assunto mais apropriado para um bar do que para uma revista séria, saiba que a tese nasceu assim mesmo: num bar. Está certo que não foi em um boteco qualquer, mas num piano-bar em Mônaco. A inusual idéia de Richard Conniff surgiu enquanto visitava a cidade para fazer uma reportagem. Lá, conheceu um rico corretor de valores e passaram a freqüentar, juntos, um bar onde só ia gente muito rica, ambiente perfeito para observar essa espécie em seu hábitat. Por noites seguidas, Conniff registrou a maneira que o novo amigo fazia para atrair as mulheres, imediatamente se lembrou do ritual de acasalamento de animais selvagens. “Ele segurava um copo com uma mão, gesticulava com a outra ostentando seu relógio Rolex. Falava com a voz empostada e empinava o peito diante da mulher que o interessava como um pavão que dizia: ‘fêmea, preste atenção em mim’”, afirma Conniff. Ele que, durante anos havia estudado o comportamento dos animais, se sentiu como se descobrisse um fóssil vivo, um espécime ainda não catalogado pelos cientistas que se dedicam ao estudo do mundo animal.
Safári
Para reconhecer os indivíduos dessa espécie, o melhor jeito é a observação, como os biólogos fazem com animais, ou procurar seus vestígios, como os paleontólogos fazem com fósseis. Os ricos são aquelas pessoas que vivem num mundo quase irreal, longe da pobreza e sem se preocupar se o salário vai durar até o fim do mês. Fazem questão de relacionar-se somente com os semelhantes e só se enturmam com os do mesmo naipe. Um dono de um casarão de 1 000 metros quadrados na Costa do Sauípe, na Bahia, não vai se misturar com um caiçara local. E, como num grupo de chimpanzés vivendo em um pedaço da floresta, só admitirá novos membros que demonstrarem seu merecimento. No caso dos macacos, o mérito pode ser providenciar comida. No dos ricos, isso equivaleria a passar pela rígida seleção de um clube exclusivo ou promover uma festa para os membros mais importantes do grupo e aproveitar para mostrar sua casa e seus carros na garagem.
Com um pouco de prática dá para identificar um rico pela quantidade e facilidade com que consegue sexo. E a analogia com os bichos aqui também vale. Entre a macacada, aqueles que juntam maior quantidade de comida ganham a atenção das fêmeas, que vêem naquele macho a figura do provedor para seus futuros filhotes. E não é assim que um empresário de sucesso consegue as mais lindas e belas modelos/atrizes/apresentadoras de TV nos camarotes no Carnaval do Rio e de Salvador?
Você pode até pensar que com os pobres também é assim. Que os pobres também selecionam seus parceiros baseados naquilo que o outro pode prover. Mas Conniff acha que não. “Os pobres tendem a escolher parceiros sexuais baseados em coisas subjetivas como amor, empatia e outras bobagens.”
Zoológico
Não é só no ritual de conquista que os ricos lembram os bichos. A analogia com o reino animal é mais ampla. Ronald Perelman, o ricaço proprietário da fábrica de cosméticos Revlon, por exemplo, não levava a mulher, Patricia Duff, a festas ou eventos públicos. Fazia como algumas vespas que deixam suas fêmeas escondidas para que outros machos não queiram estabelecer contato com objetivo de acasalamento.
Os próprios ricos gostam de comparar-se com animais. O americano Robert Dedman, integrante da lista da revista Forbes dos 400 homens de negócio mais poderosos do mundo, disse uma vez, depois de adquirir mais uma empresa: “Sinto-me como um mosquito numa praia de nudismo, não sei por onde começar”. John D. Rockfeller, dono de uma das maiores fortunas do planeta, também usa esse tipo de metáfora. Antes de uma ousada operação financeira, confidenciou à sua mulher que se sentia um leão enjaulado, atacaria qualquer um se precisasse.
Em seu zoológico particular, Conniff mantém o próprio rei da floresta, o homem mais rico do mundo, Bill Gates. Ele foi observado e tomado como exemplo para demostrar como funcionam as relações de dominância entre os Homo pecuniosus. E, também nesse quesito, concluiu que os bilionários são idênticos aos animais. A diferença está nas armas em que utilizam. Enquanto os irracionais usam a troca de favores sexuais e a força física, os ricos se valem do dinheiro para superar e se impor diante dos mais fracos. Até para ganhar mais dinheiro. “Ter dinheiro é ter poder. E ter dinheiro e poder é o melhor jeito para ter ainda mais dinheiro e mais poder”, afirma Conniff.
Bill Gates também é exemplo de como entre os ricos não vale muito esse papo de amizade ou de velhas fidelidades. “O que interessa é o interesse”, diz Conniff. E o dono da Microsoft está aí para provar isso. Quando fez sociedade com Paul Allen para fundar uma empresa de softwares, convenceu o parceiro a ficar com 40% e ele com 60% da sociedade. Em 1999, Allen havia perdido mais de 15 bilhões de dólares com essa divisão.
Mas não é só com os machos da espécie que agem como os animais da floresta. As mulheres ricas também são feras. Segundo Conniff, elas apresentam uma pré-disposição para a infidelidade, como as fêmeas do pássaro azulão, cujos hábitos sexuais ganharam dos biólogos um termo pomposo: “copulação fora do par”. Em uma busca incansável, a fêmea do azulão pula de galho em galho atrás do macho que lhe oferecer melhores genes, nunca se sentindo satisfeita com um único parceiro. Jennie Jerome e Randolph Churchill, os pais de Winston Churchill, viveram como azulões. Randolph sofria de sífilis e Jennie teve dezenas de amantes. Em 1879, um deles apareceu em público, era o coronel britânico John Strange Jocelyn. “Os pobres tendem a ser fiéis ao companheiro e, quando não são, a coisa acaba em briga e confusão. Porém, entre os ricos, como entre os animais, o sexo com vários parceiros é mais aceitável”, diz.
Os ricos são geneticamente iguais a nós, é claro, mas desenvolvem ao longo da vida mecanismos biológicos e sociais diferentes. Não é mutação, mas adaptação. Isso aumentou o abismo entre eles e o resto da humanidade. Mas mesmo a riqueza parecendo algo inacessível, haverá sempre a possibilidade de tornar-se rico, de mudar de turma. É só olhar Bill Gates, um jovem de classe média que entrou para o mundo dos ricos em menos de duas décadas. Para os que sonham em viver num hábitat com chão de mármore, se alimentando de caviar e champanhe, ainda há esperança.
Todo rico tem
Para reconhecer um verdadeiro Homo pecuniosus, basta observar dez características. São os universais dos ricos, comportamentos comuns a todos da espécie.
1 - Verdades e mentiras
As três maiores mentiras que os ricos falam: “não me interesso por dinheiro”, “ter poder não é importante para mim” e “não ligo a mínima para o que as outras pessoas pensam de mim”. Se ouvir uma dessas pérolas, acredite, você tem um ricaço na sua frente.
2 - Amigos práticos
Os ricos são espertos na hora de escolher os amigos: cultivar bons relacionamentos significa ter aliados no futuro. Por isso, enviam as crianças para a escola certa, moram perto de vizinhos influentes e passam as férias em Aspen para garantir boas amizades.
3 - Mulheres mimadas
Ricos prestam atenção especial nas mulheres: tratam-nas bem, dão presentes, flores e doces. Isso é fundamental. A fêmea garante a continuidade da espécie (e da riqueza).
4 - Bom coração
Ricos fazem caridade. É uma forma de ostentação. Preferem doar a grandes hospitais ou para políticos em época de campanha.
5 - Primeiro lugar
Pobres gostam de competir, ricos adoram ganhar. Numa partida de tênis, os ricos preferem um adversário mais fraco para aumentar suas chances de vencer.
6 - Pais e filhos
Eles colocam a família sempre em primeiro lugar. É uma forma de manter a fortuna entre quatro paredes. Pôr os filhos para dirigir a empresa também ajuda a construir uma dinastia.
7 - Jogo sujo
Não existe vitória feia. Ou campeão moral. Guerra é guerra e, numa situação de “sou eu ou ele”, o rico escolherá “eu” sem o menor constrangimento. Numa disputa, os ricos golpeiam sem dó e, quando têm certeza de que podem contar com o apoio de aliados, atacam até seus superiores.
8 - Pulso firme
Ricos exercem dominância e cultivam as relações em que podem demonstrar superioridade.
9 - Casinha pequenina
Os ricos constroem casas menores do que poderiam. Pobres costumam exagerar, endividam-se para fazer edículas, “puxadinhos” ou quartos para um bebê que ainda não nasceu.
10 - Plano B
Ricos sempre têm uma rota de fuga: nunca entram por uma porta (ou fecham um negócio) sem conhecer pelo menos duas saídas. Assim como os animais, eles têm pavor de ficar presos.
Saiba mais
The Natural History of the Rich, Richard Conniff, Editora Norton - 384 páginas.
Revista Aventuras na História n° 009
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