Luís Guilherme Duarte
Os novos trajes dos
astronautas deixaram de ser apenas uma proteção contra um ambiente hostil para
se tornar uma ferramenta de trabalho fora das estações orbitais.
Desde os anos 30, quando Buck Rogers era o herói do espaço
nas histórias em quadrinho, os astronautas de
ficção, depois de verdade são reconhecidos pelas roupas extravagantes que
usam. Para os cientistas, contudo, não se trata de extravagância alguma. Ao
projetar os trajes a ser usados, por exemplo, pelos tripulantes de ônibus
espaciais nas chamadas atividades extraveiculares ou Eva,
no jargão da NASA , eles buscam criar, para cada astronauta, o equivalente a
uma nave sob medida. De fato, a moda espacial de hoje em dia avança
tanto em relação às roupas dos pioneiros das incursões ao Cosmo, no final dos
anos 50, como a estação Mir em comparação com a Vostock pilotada pelo
cosmonauta Iúri Gagárin.
Nos tempos heróicos da aventura espacial, esses trajes serviam
basicamente para manter a pressão sanguínea dos astronautas em níveis
aceitáveis, quando a nave entrava em órbita terrestre, além, obviamente, de
supri-los de oxigênio. A questão ficou complicada quando tiveram início as
missões que envolviam as Eva. É fácil entender por quê. Sem a proteção
proporcionada pela nave espacial, o astronauta depende de um traje
extraveicular que impeça de ele ser torrado pelo Sol, ou que suas veias saltem
através da pele, ou que um micrometeorito o atravesse como um tiro de fuzil.Confeccionar um traje espacial, portanto, é como fabricar um salva vidas: o que interessa é a função, não a estética. Mesmo assim, tem lá suas semelhanças com a encomenda de um modelo exclusivo a um grande costureiro francês: custa muito caro, é feito sob medida e, o que é pior, não é reutilizável. O próprio ato de envergá-lo exige cuidados dignos de uma grande dama da França de antes da Revolução preparando-se para um baile de gala em Versalhes: dependendo da missão, vestir um traje espacial pode requerer um trabalho meticuloso de algumas horas. Para pisar na Lua, há vinte anos, por exemplo, o astronauta americano Neil Armstrong usou uma roupa pressurizada de nada menos de 21 camadas, sob as quais havia uma complexa aparelhagem de sobrevivência.
Atualmente, os projetistas de trajes para astronautas estão pensando nas futuras estações espaciais, como a Freedom, que os Estados Unidos pretendem lançar por volta de 1995, das quais os passeios ao exterior serão mais frequentes, com várias saídas no mesmo dia. Até hoje, um astronauta precisa se submeter a um período de pré-respiração antes de colocar o traje. Isso se não quiser que a diferença de pressão fora da Terra faça com que o nitrogênio de sua corrente sanguínea forme bolhas que podem levá-lo à morte. Esses períodos de pré-respiração duram cerca de quatro horas, durante as quais o astronauta consome oxigênio puro para expurgar o nitrogênio do organismo. Demasiado tempo, sem dúvida, se for necessário sair da nave mais de uma vez ao dia. O ideal seria que a pressão arterial do interior da estação similar à da Terra fosse mantida nos trajes.
Até há pouco, porém, isso parecia impossível, porque muita pressão dentro do traje acabaria por transformá-lo numa espécie de armadura cósmica, prejudicando a mobilidade do astronauta. No entanto, se depender de Hubert Vykukal, do Ames Research Center, da NASA, a solução pode estar próxima. Sua criação, o traje AX-5, feito inteiramente de alumínio, pode manter uma pressão interna de até uma atmosfera (1,033 quilo por centímetro quadrado), que é a pressão ao nível do mar, sem comprometer a mobilidade. A única exceção é a área das luvas, onde os movimentos são mais frequentes, pressurizada a 600 gramas por centímetro quadrado, pouco mais da metade de uma atmosfera. Por sinal, a mesma pressão que outro projetista americano, apropriadamente chamado Joseph Kosmo, conseguiu para todo o seu modelo Mark-3.
A maior inovação desses dois trajes, porém, está na solução encontrada para que sejam utilizados por qualquer outro astronauta o que promete acabar com um crônico contratempo das viagens espaciais. O segredo se localiza na região do dorso, onde foram instalados anéis de expansão, que aumentam longitudinalmente o tamanho do traje. Assim, tanto um hipotético astronauta de 1,60 m quanto um mais plausível, de 1,90 m, poderiam usar o mesmo traje uma facilidade de dar inveja a qualquer pai de filhos adolescentes. Dependendo da altura da pessoa, anéis são encaixados ou retirados.
Outra novidade muito útil é o artifício criado para facilitar o trabalho de vestir e despir o traje. O astronauta literalmente entra na roupa como se entrasse numa mininave espacial. Essa concepção certamente contribuirá para mudar o conceito dos trajes espaciais herdado de Buck Rogers. Daqui para a frente, a vestimenta do astronauta não será tão somente uma carapaça de proteção, mas uma ferramenta de trabalho no espaço. Dentro dela, o astronauta poderá ir mais longe da nave, com mais auto- suficiência, e, na volta, guardá-la no guarda roupa da estação para que outro colega possa também fazer uso de seus recursos.
Na ficção científica,
a moda do exotismo
A ficção científica
sempre apelou para o exótico na concepção dos trajes espaciais de seus heróis.
Já em 1934, o idealizador do personagem de história em quadrinhos Buck Rogers
cobria-o com uma vestimenta supostamente capaz de protegê-lo contra condições hostis
nos planetas onde vivia suas aventuras embora, vista
pelos olhos atuais, não pareça dar proteção nem mesmo aqui na Terra. Da mesma
forma, num dos primeiros seriados levados à TV, no final dos anos 50, Flash
Gordon surgia paramentado como um cavaleiro europeu do século XIX. Nos
anos 60, Jane Fonda foi transformada numa cinematográfica Barbarella dentro de
um modelito de acrílico que Ihe valorizava as formas e expunha o umbigo a todos
os perigos. Só a partir do filme 2001 uma odisséia no
espaço de 1969, os cineastas passaram a buscar ajuda especializada para
vestir seus personagens espaciais com um mínimo de realismo.
Revista Super Interessante n° 028
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