sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Defesas contra a astrologia


Andrew Fraknoi
Dez perguntas e um punhado de informações constrangedoras para quem acredita que os astros influem sobre a vida humana.

Acontece com todos nós – astrônomos profissionais, amadores ativos e curiosos preguiçosos. É só falarmos a alguém de nosso interesse nos céus e rapidamente nos vemos arrastados a um debate sobre astrologia. Para muitos de nós é difícil saber como reagir educadamente a alguém que leva a sério essa antiga superstição. A revelação, feita no ano passado, de que as agendas diárias da Casa Branca, no tempo do presidente Reagan, eram acertadas e reajustadas com base nas previsões de uma astróloga de São Francisco trouxe um novo foco de atenção à ampla aceitação da astrologia por parte do público. Mais do que nunca, qualquer pessoa está sujeita a se envolver numa discussão sobre o valor e a eficácia da astrologia. Assim, eis aqui um guia de fácil acesso para algumas das respostas que se pode dar às alegações dos astrólogos. A base da astrologia não poderia ser mais simples: o caráter e o destino de uma pessoa podem ser entendidos a partir das posições do Sol, da Lua e dos planetas no instante do nascimento. Interpretando a posição desses corpos celestes, mediante o uso de um mapa chamado horóscopo, os astrólogos alega, prever e explicar o curso da vida e ainda ajudar pessoas, empresas e até nações em decisões de grande importância. Por mais implausíveis que essas alegações possam soar aos ouvidos de quem saiba o que realmente são e quão distantes estão o Sol, a Lua e os planetas, uma pesquisa do Gallup, realizada em 1984, revelou que 55 por cento dos adolescentes americanos acreditam em astrologia. E, diariamente, milhares de pessoas baseiam cruciais decisões médicas, profissionais e pessoais em conselhos recebidos de astrólogos e de publicações dedicadas à astrologia.
Os detalhes de suas origens exatas perdem-se na Antiguidade, mas a astrologia tem, pelo menos, milhares de anos de idade e aparece sob diversas formas em muitas culturas. Ela surgiu em uma época em que a visão que a humanidade tinha do mundo era dominada pela magia e pela superstição, quando a necessidade de compreender os padrões da natureza era frequentemente uma questão de vida ou morte.
Os corpos celestes, naquele tempo, pareciam ser deuses ou espíritos importantes ou, pelo menos, símbolos ou representantes de personagens divinos, que pareciam passar o tempo mexendo com as vidas diárias dos seres humanos. As pessoas procuravam ansiosamente no céu sinais que lhes permitissem descobrir o que os deuses fariam em seguida.
Considerado nesse contexto, um sistema que relacionasse os planetas brilhantes e as constelações zodiacais às significativas questões da vida tinha tudo para ser atraente e tranquilizador. E mesmo hoje, apesar de tantos esforços empregados no ensino e na divulgação da ciência, para muita gente o apelo da astrologia não diminuiu. Para essas pessoas, pensar no planeta Vênus como um mundo deserto, coberto de nuvens e quente como um forno é muito menos sedutor do que vê-lo como uma fonte de ajuda na hora de decidir um casamento. Uma boa maneira de começar a pensar na perspectiva astrológica é dar uma olhada cética, mas bem-humorada, nas consequências lógicas de algumas de suas alegações. Aqui estão minhas dez perguntas favoritas aos defensores da astrologia.

Qual a probabilidade de que 1/12 da população mundial esteja tendo o mesmo tipo de dia?
Os astrólogos que publicam horóscopos nos jornais (que aparecem em mais de 1200 diários, só nos Estados Unidos) asseguram que você pode saber algo sobre seu dia lendo um dos doze parágrafos no seu matutino predileto. Uma divisão elementar mostra que 400 milhões de pessoas pelo mundo afora terão o mesmo tipo de dia, todo santo dia. Dada a necessidade de atender a tantas expectativas ao mesmo tempo, torna-se claro o motivo pelo qual as previsões astrológicas  vem acondicionadas em um palavreado o mais vago e o mais genérico possível.

Por que a hora do nascimento, e não a da concepção, é crucial para a astrologia?
A astrologia parece científica para algumas pessoas porque o horóscopo é baseado em um dado exato: o tempo do nascimento de cada um. Quando a astrologia foi estabelecida, há muito tempo, o instante do nascimento era considerado o ponto mágico da criação da vida. Mas hoje entendemos o nascimento como o ponto culminante de um desenvolvimento ininterrupto de nove meses dentro do útero. Tanto assim que atualmente cientistas acreditam que muitos aspectos da personalidade de uma criança são estabelecidos muito antes elo nascimento. Suspeito que o motivo pelo qual os astrólogos ainda se mantêm fiéis ao momento do nascimento tem pouco a ver com a “teoria” astrológica. Quase todo cliente sabe quando nasceu, mas é difícil (e talvez embaraçoso) identificar o momento da concepção de uma pessoa.

Se o útero da mãe pode afastar influências astrológicas até o nascimento, será que podemos fazer a mesma coisa com um pedaço de filé?
Se  forças tão poderosas emanam do céu, por que elas são inibidas antes do nascimento por uma fina camada protetora feita de músculo, carne e pele? Se o horóscopo potencial de um bebê for insatisfatório, será que poderíamos retardar a ação das influências astrológicas circundando imediatamente o recém-nascido com um naco de carne até que os Signos celestiais fiquem mais auspiciosos?

Se os astrólogos são tão bons quanto afirmam, por que eles não são mais ricos?
Alguns astrólogos respondem que não podem prever eventos específicos, apenas tendências amplas. Outros alegam ter o poder de prever grandes eventos, mas não pequenos acontecimentos. Mas, seja como for, os astrólogos poderiam ganhar bilhões prevendo comportamento geral do mercado de ações ou do mercado futuro de ouro - assim não precisariam cobrar consultas tão caras de seus clientes. Em outubro de 1987, quantos astrólogos previram a Segunda-Feira Negra na Bolsa de Valores de Nova Yourk e advertiram seus clientes a respeito?

Estarão incorretos todos os horóscopos feitos antes da descoberta dos três planetas mais distantes?
Alguns astrólogos afirmam que o signo do Sol (a localização do Sol no zodíaco no instante do nascimento), usado exclusivamente por muitos horóscopos de jornais, é um guia inadequado para os efeitos do Cosmo. Esses praticantes “sérios" (geralmente aqueles que perderam o lucrativo negócio das colunas de astrologia na imprensa) insistem que a influência de todos os corpos principais no sistema solar deve ser levada em consideração - incluindo Urano, Netuno e Plutão, que somente foram descobertos em 1781, 1846 e 1930, respectivamente. Nesse caso, o que será que acontece com a alegação de alguns astrólogos, segundo a qual sua arte tem permitido previsões corretas durante muitos séculos? Não estarão errados todos os horóscopos traçados antes de 1930? E por que as imprecisões dos antigos horóscopos não levaram os astrólogos a deduzir a presença de Urano, Netuno e Plutão muito antes que os astrônomos os descobrissem? E que acontecerá se os astrônomos descobrirem um décimo planeta? E que dizer dos asteróides e das luas do tamanho de planetas, localizados na periferia do sistema solar?

Não deveríamos condenar a astrologia como uma forma de intolerância?
Numa sociedade civilizada, deploramos todos os sistemas que julgam os indivíduos meramente pelo sexo, cor da pele, religião, nacionalidade ou por quaisquer outros acasos de nascimento. No entanto, os astrólogos alardeiam que podem avaliar as pessoas baseados em outro acaso de nascimento - as posições dos corpos celestes. Será que a recusa em namorar alguém do signo de Leão ou de empregar alguém de Virgem não é tão condenável quanto a recusa em namorar um protestante ou dar emprego a um negro?

Por que diferentes escolas de astrologia discordam tão frontalmente entre si?
Os astrólogos parecem discordar em relação às questões mais fundamentais de seu ofício: levar ou não em conta a precessão (o movimento) do eixo da Terra, quantos planetas e outros corpos celestes devem ser incluídos e principalmente - que traços de personalidade devem ser atribuídos aos fenômenos cósmicos. Leiam-se dez colunas diferentes sobre astrologia, ou consultem-se dez diferentes astrólogos e provavelmente se sairá com dez interpretações diferentes. Se a astrologia fosse uma ciência, como seus proponentes sustentam, por que seus praticantes não estão convergindo para uma teoria consensual depois de milhares de anos de coleta de dados e de refinamento de sua interpretação? Idéias científicas geralmente convergem com o passar do tempo, na medida em que são testadas em laboratórios e cotejadas com outras evidências. Em contraste, sistemas baseados em superstição ou em crença pessoal tendem a divergir, pois seus praticantes vão esculpindo nichos separados enquanto se acotovelam na disputa por poder, riqueza ou prestígio.

Se a influência astrológica é exercida por alguma força conhecida, por que os planetas dominam?
Se os efeitos da astrologia podem ser atribuídos à gravidade, à força das marés ou ao magnetismo (cada qual invocado por uma escola diferente), mesmo um calouro em Física poderia realizar os cálculos necessários para ver o que realmente afeta um recém-nascido. Esses cálculos estão formulados para muitos casos diferentes no livro Astrology: frue or false (Astrologia: verdade ou mentira,  ainda não editado no Brasil), de Roger Culver e Philip Ianna.
Por exemplo, o obstetra que faz o parto exerce um força gravitacional cerca de seis vezes superior à Marte e cerca de dois trilhões de vezes maior do que a da maré. O médico pode ter muito menos massa do que o planeta vermelho, mas estará muito mais perto do bebê.

Se a influência astrológica é exercida por uma força desconhecida, por que não depende da distância?
Todas as forças de longo alcance conhecidas no Universo ficam mais fracas à medida que os objetos se distanciam. Mas, como seria de esperar de um sistema que tivesse a Terra no sue centro, imaginado há milhares de anos, as influências astrológicas não dependem em nada da distância. A importância de Marte em um dado horóscopo é idêntica, esteja o planeta do mesmo lado do Sol que a Terra ou sete vezes mais distante, do outro lado. Uma força independente da distância seria uma descoberta revolucionária.

Se a influência astrológica não depende da distância, por que não existe astrologia de estrelas, galáxias e quasares?
O astrônomo francês Jean-Claude Pecker observou que os astrólogos parecem ter uma mente muito estreita quando limitam seu ofício a nosso sistema solar. Bilhões de estupendos corpos espalhados por todo o Universo deveriam somar sua influência à dos nossos  pequenos Sol, Lua e planetas. Será que um cliente, cujo horóscopo omite seus efeitos de Rigel, do pulsar do Caranguejo e da galáxia M31, recebeu um mapa astrológico realmente completo?
Mesmo se concedermos aos astrólogos o benefício da dúvida em todas essas questões – aceitando que possam existir influências astrológicas além de nosso conhecimento atual do Universo -, há um devastador pormenor final. A astrologia simplesmente não funciona. Muitos testes comprovaram que, a despeito de suas alegações, os astrólogos não podem prever coisa alguma. Afinal de contas, não precisamos saber como algo funciona para perceber se funciona. Durante as duas últimas décadas, enquanto os astrólogos sempre estavam de alguma forma muito  ocupados para conduzir testes estatisticamente válidos de seu trabalho, cientistas físicos e sociais o fizeram por eles. Consideremos alguns estudos representativos.
O psicólogo Bernard Silverman, da Universidade de Michigan, estudou as datas de nascimento de 5956 pessoas que estavam casando e de 956 outras que estavam se divorciando. A maioria dos astrólogos afirma que podem ao menos prever quais os signos astrológicos compatíveis ou incompatíveis quando se trata de pessoas. Silverman comparou tais previsões com os registros reais e não encontrou nenhuma correlação. Homens e mulheres com “signos compatíveis” casaram e se divorciaram com a mesma frequência de casais com “signos compatíveis”. Muitos astrólogos insistem que o signo do Sol de uma pessoa se relaciona fortemente com a escolha de sua profissão. Realmente, o aconselhamento vocacional é uma importante função da moderna astrologia. O físico John McGervey, da Universidade Case western Reserve, de Cleveland, analisou biografias e datas de nascimentos de cerca de 6 mil políticos e 17 mil cientistas para ver se os membros dessas profissões estariam agrupados em certos signos, como os astrólogos predizem. Ele verificou que os signos de ambos os grupos se distribuíam completamente ao acaso.
Para superar as objeções que seriam levantadas por astrólogos que acham que apenas o signo é insuficiente para uma avaliação, o físico Shwan Carlson, do Laboratório Lawrence Berkley, realizou  um engenhoso experimento. Grupos de voluntários foram solicitados a dar as necessárias informações para a preparação de um horóscopo completo e a preencher o chamado California Personality lnventory, um questionário padrão empregado pelos psicólogos, que trabalha apenas com o mesmo tipo de termos descritivos, genéricos e amplos que os astrólogos utilizam. Uma "respeitada" organização astrológica construiu horóscopos para os voluntários enquanto 28 astrólogos profissionais, que haviam aprovado o procedimento antecipadamente, receberam cada qual um horóscopo e três perfis de personalidade, um dos quais pertencia ao sujeito do horóscopo. A tarefa deles era interpretar o horóscopo e determinar a qual dos três perfis ele correspondia.
Embora os astrólogos tivessem previsto um resultado superior a 50 por cento de acertos, o resultado final, em 116 tentativas, foi de apenas 34 por cento de acertos - exatamente o que se pode esperar de simples palpites. Carlson publicou seus resultados na edição de 5 de dezembro de 1985 da revista científica Nature, para grande constrangimento da comunidade astrológica. Outros testes mostram que pouco importa o que diga um horóscopo, desde que a pessoa sinta que as interpretações foram feitas para ela, pessoalmente. Poucos anos atrás, o estatístico francês Michel Gauquelin enviou a 150 pessoas o mapa astral de um dos piores assassinos da história francesa e perguntou-lhes se elas se identificavam com aquela descrição. Noventa e quatro por cento das pessoas responderam que se reconheciam naquele mapa.
Os astrônomos Culver e Ianna verificaram que, de mais de 3 mil previsões de astrólogos conhecidos (muitas das quais sobre políticos, artistas de cinema e outras pessoas famosas), somente cerca de 10 por cento deram certo, Se as estrelas levam os astrólogos a nove previsões incorretas em cada dez tentativas, elas dificilmente podem ser consideradas como guias confiáveis para quaisquer decisões. Evidentemente, aqueles de nós que amam a Astronomia não podem simplesmente esperar que desapareça a paixão desenfreada do público pela astrologia. Devemos nos manifestar contra ela, sempre que necessário ou apropriado, debatendo as suas deficiências e encorajando um interesse pelo Cosmo real, de mundos e sóis remotos, que piedosamente não estão preocupados com as vidas e os desejos das criaturas do planeta Terra. Não devemos permitir que mais uma geração de jovens cresça algemada a uma antiga fantasia, resquício de um tempo em que o homem se encolhia perto do fogo, com medo da noite.

E agora, a jatologia
Uma boa maneira de fazer com que as pessoas pensem sobre a validade da astrologia é inventar uma “ciência” similar, porém não tão curvada ao peso da tradição e da história: a jatologia. Ela garante que as posições dos Jumbos em vôo no mundo inteiro, no instante do nascimento de uma pessoa, afetam sua personalidade e seu destino. Para obter os benefícios totais de um mapa jatológico, um jatólogo profissional deve analisar cuidadosamente o padrão das posições dos jatos em todo om mundo. (Como é necessário um computador para ajudar a colher os dados e organizá-los, a jatologia deve ser uma disciplina científica.) Mas, mesmo quando seu mapa jatológico estiver terminado, o leigo não será capaz de interpretá-lo. Anos de treinamento são necessários para que o mapa seja adequadamente analisado. Tome-se por exemplo o congestionamento habitual de aviões dobre o aeroporto O'Hare, em Chicago – seu significado para a vida amorosa da pessoa exigirá muito estudo de um jatólogo experiente.
Se esta proposta fizer alguém sorrir, talvez seja o caso de perguntar qual é a graça. Afinal de contas, as posições daqueles objetos no céu devem ter algo com as nossas vidas. Ou não?

US$10 mil para quem achar o Sol
A 11 de julho de 1991, a sombra da Lua irá se estender sobre o hemisfério ocidental, fazendo com que milhões de pessoas mergulhem na escuridão durante o mais longo eclipse total do Sol. Outro igual só ocorrerá no ano de 2132. Essa mesma escuridão, no entanto, irradiará uma nova luz sobre as alegações dos astrólogos se Ben Mayer, um astrônomo amador de Los Angeles, conseguir seu intento. Mayer lançou o Desafio de Gêmeos, oferecendo um prêmio de 10 mil dólares. As regras são simples: produza uma fotografia autêntica, mostrando o Sol eclipsado no dia 11 de julho de 1991 contra as estrelas da constelação de Câncer – e o prêmio será seu. Mas, antes, saiba que no dia 11 de julho de 1991 o Sol estará quase diretamente em frente à estrela Delta de Gêmeos e quase 10 graus fora da fronteira de Câncer. Somente os astrólogos afirmam que o Sol estará em Câncer nessa data.
Qualquer horóscopo de jornal dirá que alguém nascido entre 21 de junho e 21 de julho é do signo de Câncer. Assim, no dia 11 de julho, é de esperar que o Sol esteja mais ou menos no meio da constelação de Câncer. E é provável que de fato tenha estado - há milhares ele anos, quando os astrólogos elaboraram mapas de posições do Sol, da Lua e dos planetas, para ajudá-los em seus horóscopos. Mas, com o passar dos séculos, mudou lentamente o momento do ano em que o Sol está em determinada constelação. Hoje, os astrólogos ocultam essa discrepância referindo-se a "signos" astrológicos, e não às estrelas propriamente ditas.
É aí que entra o Desafio de Gêmeos. Durante o eclipse de 1991, quando  o Sol ficar encoberto, Mayer quer que as pessoas vejam por si mesmas se o Sol está realmente na constelação de Gêmeos. Se assim é, por que inventar um concurso que ninguém pode ganhar? Mayer acredita que, olhando o céu, as pessoas aprenderão a verdade sobre a astrologia, embora ele próprio se guarde de dizer o que acha dela. Talvez queira apenas que as pessoas vejam a beleza das estrelas.

Revista Super Interessante n° 033

Empresa privada quer ir à Lua


Instituto Americano de Estudos Espaciais, uma organização particular de pesquisa, pretende construir e lançar uma sonda-robô à Lua para realizar pesquisas.
O mais novo visitante da Lua poderá ser um cilindro de 1.5 metro de diâmetro, 227 quilos e uma série de antenas. Pelo menos essa é a intenção do Instituto Americano de Estudos Espaciais, uma organização particular de pesquisas, de Princeton, Nova Jersey. Até 1992, a entidade pretende construir e lançar o Lunar Prospector, uma cilíndrica sonda robô dotada de cinco instrumentos de rastreamento, para mapear eventuais depósitos de recursos minerais, localizando ainda as geleiras que poderiam abastecer de água uma futura base americana. Pelo menos, milhões de dólares serão necessários para levar adiante o projeto, que conta com o apoio da NASA. Esse custo, já pequeno em relação ao padrão habitual das missões espaciais, pode ficar ainda menor se o robô for lançado junto com algum satélite de comunicação.

Revista Super Interessante n° 033

 

Um planeta e seu satélite


Cientistas americanos acabam de divulgar as fotos de Plutão e de seu satélite Caronte, feitas por telescópio, que mostram o movimento de Caronte ao redor do planeta e um eclipse.
Vistos da Terra, os três planetas mais distantes do sistema solar - Urano, Netuno e Plutão - não passam de pontinhos de luz. Urano e Netuno, no entanto, foram fotografados de perto pelas sondas Voyager, que enviaram magníficas imagens de suas atmosferas e de alguns de seus satélites. Para consolo de quem gostaria de ver melhor também o último e mais gelado planeta em Órbita do Sol, três astrônomos americanos acabam de divulgar as fotos de Plutão e de seu satélite Caronte tiradas através de telescópio há dois anos. As cinco imagens da esquerda, de baixo para cima, mostram o movimento de Caronte ao redor do planeta a 6 de fevereiro de 1988. As da direita mostram um eclipse de Caronte três dias depois. Descoberto há doze anos, o satélite tem quase a metade do diâmetro do pequeno Plutão, do qual dista 20 mil quilômetros.

Revista Super Interessante n° 033

Implante para perto e longe


3M americana inventa lente de contato que permite enxergar ao mesmo tempo objetos próximos e distantes, como se a pessoa usasse óculos bifocais.
Quem usa óculos e foi operado de catarata pode agora ganhar uma visão melhor do que antes  e sem óculos. No lugar da lente natural danificada, o implante de uma nova lente inventada pela 3M americana permite enxergar ao mesmo tempo objetos próximos e distantes, como se a pessoa usasse óculos bifocais. "Esperamos que, depois de alguns aperfeiçoamentos, muita gente possa usar essa lente", acredita o oftalmologista Newton Kara José. Baseadas na refração da luz, as lentes comuns implantadas focalizam apenas objetos distantes: já as do novo tipo usam a difração, fenômeno pelo qual os raios luminosos se dispersam, em vez de convergir como no caso anterior, que lhes possibilita captar também a luz dos objetos próximos. Além disso, uma série de saliências de apenas 2 mícrons (milésimos de milímetro) recobre metade da superfície da lente, para imitar o movimento de dilatação e de contração da íris, que define a distância focal do olho. Nas partes elevadas se enxerga o que está perto e nas baixas  o que está longe. Embora a duas imagens se formem simultaneamente no cérebro, a pessoa ignora a luz que estiver fora de foco na retina, assim como ignora um inseto morto no para-brisa do carro enquanto dirige.

Revista Super Interessante n° 033

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

A vitoriosa trama dos polímeros


Pesquisadores descem a 6 000 metros de profundidade no Oceano Pacífico, nas proximidades do Japão, e encontram animais e plantas desconhecidos do homem, além de uma descoberta geológica importante: um redemoinho de água e terra que parece infiltrar-se subsolo adentro.
Na tarde do dia 23 de abril do ano passado, milhares de pessoas vibravam com os carros de Fórmula 1 que corriam pelo Grande Prêmio de San Marino, numa das menores e mais antigas repúblicas do mundo, encravada nos montes Apeninos da Itália. De repente a vibração do público se transformou em sobressalto. O piloto austríaco Gerhard Berger perdeu o controle de sua Ferrari numa suave curva para a esquerda e bateu no muro de concreto armado, a 270 quilômetros por hora. O bólido vermelho capotou por uns 100 metros e em seguida começou a queimar. Enquanto as chamas cresciam, o público engolia em seco, temendo que Berger estivesse sendo consumido pelo fogo. Depois que os bombeiros extinguiram o incêndio e retiraram o piloto do carro, viu-se que ele sobreviveu quase ileso.
Sua vida esteve literalmente por um fio, isto é, por uma fibra chamada Nomex ou Clevyl, conforme o fabricante, que tem excepcional resistência ao fogo e com a qual se faz o tecido dos macacões que os pilotos vestem. Tecidos leves e muito resistentes como este, confeccionado com uma fibra sintética criada em 1967 pela  multinacional americana Du Pont, são o produto acabado de uma tecnologia relativamente jovem, a Engenharia Química, que nasceu no final do século passado, foi descoberta pela indústria têxtil logo em seguida e já proporcionou uma variedade de artigos definitivamente incorporados à vida moderna, a começar do náilon. Esta nova geração de fibras parece representar o limite das possibilidades atuais do setor—depois de um percurso e tanto.
Na Antiguidade, com efeito, o homem só tinha nos pêlos de animais, como a lã da ovelha, e nas fibras vegetais, como o algodão, a fonte de matérias-primas para a confecção de roupas.
Depois, os chineses exploraram a fibra firme e ao mesmo tempo suave que o bicho-da-seda produz e com a qual constrói seu casulo. Desde então, até os tempos modernos, ficou sem resposta a questão de como reproduzir e melhorar as tramas naturais. Todas as fibras que existem na natureza são feitas de longas cadeias de moléculas alinhadas no sentido do comprimento — os polímeros. A celulose, por exemplo, é um polímero composto de milhares de moléculas de açúcar.
No início dos anos 20 alguns cientistas começaram a estudar essas cadeias de moléculas, descobrindo as propriedades que as mantêm tão unidas. A conclusão foi imediata: é possível criar fibras sintéticas, bastando juntar em sequência as moléculas certas, uma após a outra. "Os primeiros pesquisadores das fibras começaram a manipular as moléculas da celulose como se fossem contas coloridas, unidas por um cordão para fazer um colar ao gosto do freguês", lembra o professor Atílio Vanin, do Instituto de Química da Universidade de São Paulo. Foi assim que em 1922 se criou o rayon, uma seda artificial à base de celulose. Essas primeiras vitórias levaram à produção de fibras completamente isentas de produtos naturais.
A mais conhecida delas, o náilon (poliamida), foi descoberta pelo químico W. H. Carothers, nos Estados Unidos, em 1934. O produto revolucionou a indústria têxtil porque pela primeira vez reunia propriedades tão distintas como elasticidade e resistência, suavidade ao tato e secagem quase instantânea. Qualquer fibra é formada por outras inumeráveis fibras microscópicas. Mas nem sempre elas estão alinhadas. Na maioria das fibras naturais o emaranhado é irregular. Por isso não são muito fortes. Só quando as moléculas estão bem alinhadas é que se pode explorar ao máximo a força física que as mantém unidas. Nas fibras sintéticas, este fator de resistência pode ser controlado.
Depois de trabalhar com polímeros feitos de moléculas de fibras naturais, os cientistas descobriram que os hidrocarbonetos, extraídos do petróleo, são mais fáceis de manipular—e bem mais baratos. Destes, os mais simples são o etileno e o propileno, nos quais a coesão entre as moléculas é quebrada com calor. Unindo 10 mil moléculas de etileno se obtém um polímero chamado polietileno. Da mesma forma que de 50 mil a 200 mil moléculas de propileno formam o polipropileno. "A configuração dessas cadeias moleculares determina as propriedades dos polímeros", explica Rudy Pariser, que foi diretor de pesquisa da Du Pont americana.
Polímeros do tipo do polietileno formam, como dizem os químicos, uma massa cristalina, translúcida e termo- plástica, isto é, quando aquecidos adquirem a forma pastosa. Esta é transformada em fios espremendo-a através de uma fiandeira — uma máquina muito parecida com a que se faz macarrão. Quando o fio sai pelos orifícios da fiandeira, ainda é um amontoado desordenado de filamentos moleculares, a exemplo das fibras naturais. "Para obter uma fibra resistente é preciso estirá-la, porque só assim o emaranhado se converte em uma estrutura quase cristalina", explica Ulrich Schwair, diretor de produção da Hoechst do Brasil. A maior parte dos tecidos no mercado é formada por uma mescla de fibras naturais e sintéticas. O que favorece a criação de dois tipos básicos de estruturas: amorfas e soltas, de um lado, e cristalinas e fortes, de outro. A combinação entre ambas dá ao tecido a resistência e a elasticidade desejadas.
"Conforto é a meta dos laboratórios de pesquisa das grandes indústrias de fiação", informa o químico Jean Alfred Eisenzimmer, da Rhodia, em São Paulo. Desde que foram recrutados pelas indústrias, os engenheiros químicos têm buscado um fio sintético que seja tão macio como o algodão e a lã, mas que os supere em matéria de resistência, absorção de umidade e custo. Uma das melhores novidades é um fio sintético mais fino que uma fibra de algodão. Conhecido pelo nome de Trevira micronesse, está sendo lançado na Europa pela multinacional alemã Hoechst, que deve lançar fios de microfilamentos no mercado brasileiro a partir deste mês de junho. O polímero do micronesse é o poliéster, cujas moléculas são formadas por anéis de benzol, um hidrocarboneto hexagonal, alinhados com átomos de carbono.
Para se ter uma idéia de como reage a estrutura dessa cadeia, imagine-se uma roda de crianças que se dão as mãos e não querem se soltar. "É uma união que se fortalece quando se tenta rompê-la", ressalta Rex Delker, gerente do departamento de desenvolvimento da Hoechst do Brasil. O mesmo acontece quando se estica a fibra de poliéster e os anéis de benzol se juntam entre si. Quando as moléculas estão a 10 mícrons (milésimos de milímetro) umas das outras, as forças laterais de coesão entre elas alcançam seu ponto máximo — da mesma forma que, ao se tentar abrir a roda das crianças, elas se agarram com mais força, trocando as mãos pelos braços. Esse é o motivo pelo qual o poliéster não enruga.
Apenas 2 quilos de pasta de poliéster produzem um filamento que poderia dar a volta no planeta. Basta observar a medida técnica usada pelas indústrias, o decitex: 75/30 decitex, por exemplo, significa que com 75 gramas de pasta de poliéster se produzem 10 mil metros de um fio composto com a união de 30 fibras microscópicas. O micronesse pode alcançar a medida de 75/128 decitex.
Uma tecelagem com esse fio, numa trama que lembra a da palha num artefato de junco, produz uma superfície cujos poros são 50 vezes menores que o diâmetro de um fio de cabelo, ainda assim o suficiente para a passagem de uma molécula de suor em forma de vapor.
"Daqui para a frente, os laboratórios de pesquisa dificilmente criarão um novo polímero", prevê Antonio Buriola, gerente de fibras importadas da Du Pont do Brasil. "As inovações acontecerão na tecnologia que vai aperfeiçoar o uso dos polímeros já existentes." Uma prova de que isso já está acontecendo é o Tyvek, que combina as melhores qualidades da película plástica, do material têxtil e do papel. Na verdade, o Tyvek é um não-tecido, feito de milhões de minúsculas fibras de polietileno prensadas da mesma forma que as fibras de celulose das quais se origina o papel. Sua superfície, portanto, filtra mais de 99 por cento das partículas maiores de 0.5 mícron, sendo uma excelente proteção contra a passagem de pós químicos, como chumbo, fibra de vidro ou amianto. Roupas feitas com esse material já são usadas por empregados de usinas nucleares ou pessoas que manipulam produtos tóxicos em geral. Outra possibilidade é utilizar como matéria-prima o Teflon, o mesmo material antiaderente das frigideiras. Esse hidrato de fluorcarbono é resistente ao calor, ao ácido e à ruptura, tanto que se pode compará-lo a um metal nobre como a platina. Suas propriedades resultam da força extra que o flúor dá às cadeias de carbono. Ele é laminado até se conseguir uma membrana de centésimos de milímetro de espessura. Mesmo possuindo 1,4 milhão de poros em cada milímetro quadrado, preenchidos por ar, é mais estável que o aço.
Um teste demonstrou que um tecido de Teflon é capaz de sustentar uma coluna de água de até 80 metros de altura, sem que escape uma gota sequer. Como os jardineiros que melhoram as rosas realizando enxertos com talos de distintas espécies, também os engenheiros químicos podem combinar diferentes matérias-primas. Com um aparelho laser de alta energia, por exemplo, soldam outras cadeias moleculares nos pontos de união das moléculas dos polímeros, ampliando as propriedades dos materiais compostos dessa forma. O polímero adquire uma configuração que se pode comparar à espinha de um peixe: a coluna dorsal é a fibra principal, enquanto as espinhas laterais são as substâncias acrescentadas. Estas podem ser até mesmo essências aromáticas, se se quiser que o tecido tenha sempre, digamos, um frescor de lavanda. A próxima grande inovação no uso das fibras sintéticas para vestuário sairá dos laboratórios da Secretaria da Agricultura dos Estados Unidos. Trabalhando com substâncias politérmicas—muito sensíveis a pequenas mudanças de temperatura—, seus técnicos impregnaram um tecido comum de poliéster com um composto chamado polietilenglicol. A mistura alcança um ponto próximo ao da fusão quando absorve calor superior a 20 graus Celsius, o que num tecido acarreta uma expansão na malha dos fios. Mas, quando é posta a uma temperatura abaixo de 20 graus, a mistura se solidifica e emite o calor que antes havia absorvido, isto é, a malha se contrai e aquece o corpo de quem a está vestindo. Impregnada com essa substância, portanto, uma camiseta pode se converter em uma peça de vestuário apropriada a qualquer temperatura.
Como segurança também é conforto, os engenheiros químicos preocupados com a resistência dos tecidos buscaram um fio sintético que suportasse também o fogo. A roupa que salvou a vida do piloto Gerhard Berger é feita de uma poliamida aromática que a Du Pont vende como Nomex e a Rhodia como Clevyl. Um tipo diferente de polímero é o polibenzimidazol, ou PBI. Quando se põe fogo num tecido como esse, a quantidade de nitrogênio liberada inibe a ação das chamas, evitando que elas se propaguem. Um tecido antifogo ainda mais revolucionário é o Trevira CS, que a Hoechst acaba de lançar. É feito com um polímero fosforado, que atua como um escudo contra o calor. O fósforo reage ao fogo absorvendo o oxigênio, sem o qual não existe combustão.
Mas as vantagens dessas fibras resistentes ao fogo não se destinam apenas ao corpo humano. Atualmente são feitos com elas tecidos para forrar móveis de hotéis, escolas, escritórios e até objetos de uso de bebês — medida de segurança obrigatória nos Estados Unidos no Japão e em alguns países da Europa. Seu emprego em aviões já mostrou o que vale. A 31 de agosto de 1988, um Boeing 727 da empresa americana Delta caiu em Dallas. Embora um incêndio tenha consumido boa parte do avião, os passageiros sobreviveram graças aos novos tecidos usados na forração dos assentos, que retardaram a ação do fogo, dando tempo para que as pessoas pudessem escapar.
Não obstante a busca das indústrias químicas e têxteis por um tipo de tecido que funcione cada vez melhor de acordo com as necessidades de quem o vista, tudo indica que o próximo passo marcante nesse campo será a fabricação de uma roupa biodegradável. "Todos os fios sintéticos são resistentes a traças, bem como a outros parasitos, ao contrário das fibras naturais", lembra Delker, da Hoechst do Brasil. "É por ai que a Biotecnologia vai fazer sua entrada no setor." Espera-se que em futuro bem próximo seja possível confeccionar um tecido que, ao ser descartado, sofra com o tempo um processo natural de destruição, ou uma biodegradação, como acontece com as fibras naturais. Então, quem começou copiando a natureza, como a Engenharia Química, terá superado seu modelo ao imitá-la no que tem de melhor.

Vestindo a terra sob medida
Uma das mais recentes aplicações das fibras sintéticas são os chamados geotecidos. Feitos de polímeros muito resistentes, como o poliéster, são usados para diversos fins. Na agricultura, servem para evitar a erosão, deixando passar a água enquanto seguram a terra. Na construção civil, mantêm no lugar morros e barrancos, evitando que caiam sobre estradas e pontes. Em algumas ferrovias na Europa foram colocados logo abaixo dos trilhos para amortecer o ruído e impedir deslizamentos. Os habitantes da ilha espanhola de Tenerife, na costa noroeste da África, foram beneficiados por uma especial ousadia: um forte tecido de poliéster impermeabilizante foi usado para revestir o interior de um vulcão extinto, transformando-o numa supercaixa ;água, abastecida constantemente pelas chuvas.

Revista Super Interessante n° 033

Rastreamento via satélite ajuda caminhoneiro


Começa a ser implantado nos EUA e na França um projeto que equipa com terminais especiais os caminhões que transportam cargas perigosas, para que possam ser vigiados por satélites.
Um clássico filme francês de 1953, O salário do medo, conta a odisséia de dois caminhoneiros que transportam uma explosiva carga de nitroglicerina pelas estradas de um imaginário país da América Central. Um filme desses, no futuro, poderá ter cenas extraterrestres - e nem por isso ser ficção científica. É que começa a ser implantado nos Estados Unidos e na França um projeto de equipar com terminais especiais os caminhões que transitam cargas perigosas, como materiais radioativos, para que possam ser vigiados,  quilômetro após quilômetro, por satélites semelhantes aos que localizam incêndios na floresta amazônica. Assim, a qualquer momento, as empresas transportadoras e as polícias rodoviárias não só ficariam sabendo a quantas andam veículos e cargas, como também alertariam os motoristas sobre quaisquer problemas no caminho, de modo a evitar acidentes de percurso.

Revista Super Interessante n° 033

Velozes raios de Sol


Luiz Guilherme Duarte
Os projetistas do carro solar queriam ganhar uma corrida, mas conquistaram um prêmio maior: provaram que o automóvel movido a energia limpa não é um sonho de todo impossível.

Foi dada a partida para mais um grande prêmio automobilístico. Mas desta vez não se ouve o ronco atordoante dos motores nem se vê fumaça no ar, como em qualquer corrida do gênero. Na verdade, os veículos concorrentes não têm cilindros e pistões, nem mesmo escapamentos, já que não queimam combustível — são movidos a energia solar. Trata-se da Grande Prova Mundial do Sol, realizada em 1987 na então recém- pavimentada rodovia Stuart, que atravessa o continente australiano de mar a mar. Da cidade de Darwin, na costa norte, os 25 carros vindos de sete países — Austrália, Dinamarca, Alemanha Ocidental, Japão, Paquistão, Suíça e Estados Unidos — partiram sob o sol intenso do deserto para percorrer os 3 200 quilômetros que levam até Adelaide, na costa sul. O vencedor da competição foi uma idéia: a de que o carro tal qual existe há quase um século, baseado na combustão poluente de matéria fóssil, talvez possa um dia ceder passagem a modelos movidos a energia limpa. Para Hans Tholstrup, um aventureiro australiano defensor das chamadas fontes de energias alternativas, era a realização de um antigo sonho. Em 1983, ele já tinha sido um dos primeiros a construir e dirigir um carro solar, percorrendo os 4 mil quilômetros que separam as cidades de Perth e Sydney. No rastro da publicidade em torno de seu feito, resolveu convocar os maiores fabricantes de automóveis do mundo para uma grande corrida de veículos solares, certo de que isto levaria à pesquisa e desenvolvimento desse tipo de tecnologia.
Os resultados foram melhores do que ele poderia esperar, pois entre os concorrentes estava um superprojeto da multinacional americana General Motors (GM): o Sunraycer — um jogo de palavras que se poderia traduzir livremente por raio de sol corredor (Sun-ray-racer). Em cinco dias e meio de corrida, à velocidade média de 80 quilômetros durante o dia (a ausência de Sol durante a noite obrigava todos a parar), a "barata voadora", como o carro da GM ficou conhecido devido à carapaça de coletores solares, cruzou a linha de chegada em primeiro lugar, seguido muito de longe pelo protótipo.australiano Ford Model-S, com um dia inteiro de diferença. Ao todo, catorze carros completaram a prova, o último deles um mês depois da largada. Todos ganharam o mérito de colaborar para a pesquisa séria de veículos não poluentes, em particular daqueles movidos por baterias, considerados pelos engenheiros especializados como ideais para o transporte urbano. Mas coube unicamente ao Sunraycer demonstrar que os carros solares podem alcançar uma velocidade respeitável — o máximo atingido foi 112 quilômetros por hora — com quantidades de energia surpreendentemente pequenas. Para atravessar a Austrália de cima a baixo, ele consumiu energia solar equivalente a menos de 20 litros de gasolina. Como boa parte da corrida estava prevista para uma autoestrada. as poucas regras estipulavam apenas os limites para o tamanho dos carros, que deveriam ainda obedecer às leis de tráfego locais, apresentando luzes de freio, indicadores de mudança de direção e espelhos retrovisores.
“Essa liberdade de criação nos permitiu imaginar as mais diversas configurações", conta um de seus criadores, o americano Paul MacCready, engenheiro mecânico e professor universitário, famoso anteriormente por inventar a bicicleta voadora que atravessou o canal da Mancha, entre a Inglaterra e a França, em 1977. "E, por sinal, a maior parte dos engenhos que imaginamos acabou sendo construída por outros concorrentes", orgulha-se. Além de uma aerodinâmica que conquistou os especialistas, a forma em lágrima do Sunraycer revelou-se também bastante moderna e esportiva em suma, algo que o famoso agente 007, certamente pilotaria numa de suas aventuras.
Dos primeiros testes no túnel de vento com um modelo em escala até o protótipo real, fabricado em menos de cinco meses, os engenheiros capricharam no acabamento, incluindo uma tela que substitui o espelho retrovisor convencional, com imagens captadas por fibras ópticas na traseira do carro, e sinalizadores de direção embutidos em pequenas asas estabilizadoras no alto do capô. A parte do teto sobre o motorista foi chapada em ouro, o que garante um reflexo de até 90 por cento da luz, impedindo assim que também o piloto acabasse recebendo os raios do Sol. Para criar um veículo tão notável, entretanto, as limitações técnicas mostraram-se bem maiores que as impostas pelos organizadores da corrida. Os engenheiros da GM tiveram de extrair o máximo desempenho de cada sistema do carro que, afinal, só contaria com o escasso rendimento energético de suas células solares.
Para se ter uma idéia do problema enfrentado, basta dizer que as células fotovoltaicas de silício, comumente usadas nos satélites de comunicação, convertem em eletricidade útil algo como 10 por cento da luz solar que recebem. E o que é pior: as curvas e pregas da carroceria do carro reduziam em mais de um décimo o rendimento das células solares. Quanto maior fosse o veículo, maior seria também sua área exposta ao sol; logo, maior seria a energia captada, como nas usinas movidas a energia solar. Mas como não teria sentido desenhar um carro gigantesco, a saída deveria ser procurada em outra parte. Assim, para compensar a falta de energia, apostaram-se todas as fichas na aerodinâmica, o que acabou por garantir ao Sunraycer o mais baixo coeficiente de resistência ao ar (0,125) jamais obtido por um veículo terrestre. Os coeficientes da maioria dos carros de hoje são pelo menos o dobro. Além disso, os engenheiros substituíram as células solares comuns por outras de arsenieto de gálio, que liberam de 20 a 30 por cento  mais energia para a mesma quantidade de luz.
No total, foram 9500 células, captando uma energia de até 1 550 watts ao meio-dia — o suficiente para acender quase 26 lâmpadas comuns. Na verdade, as grandes preocupações com a forma do veículo se justificavam não só pelo desempenho que dele se esperava, mas também pelo fator segurança. O protótipo precisava provar que poderia suportar os ventos fortes do deserto australiano, além do tráfego dos chamados "trens do asfalto", as enormes carretas de 150 toneladas e quase 60 metros de comprimento que circulam a mais de 110 quilômetros por hora em todo o trajeto da rodovia. Um desses pesados caminhões tipicamente australianos poderia até fazer voar longe o pequeno e leve Sunraycer, tão vulnerável nos seus 6 metros de comprimento por 2 de largura e 1 de altura.
De fato, nada é muito pesado no raio de sol corredor, a começar pela carroceria feita com um sanduíche de dois materiais plásticos leves e resistentes: o kevlar, utilizado em coletes à prova de balas e o nomex, caracterizado pela forma de colméia. O sanduíche recobre um esqueleto de tubos de alumínio — parecido com os empregados em carros de corrida comuns para proteger o piloto—que pesa apenas 7 quilos e, no entanto, suporta todo o peso do resto do carro e do passageiro: mais de 270 quilos no total. Pesando a metade de um fusca, ainda menor que ele, o Sunraycer conseguiu dispensar pneus mais grossos, bastando aqueles usados em bicicletas, cuja pressão de quase 7 mil gramas por centímetro quadrado é capaz de garantir a aderência do veículo ao solo sem aumentar o atrito
Para um determinado peso, os pneus de bicicleta têm cerca de um terço do atrito apresentado pelos pneus de automóveis e metade daquele dos pneus de motocicletas. O coração de um carro a sol é sua bateria, que armazena a energia solar, a qual nem sempre está disponível e aí apareceram mais desafios para a equipe da GM, pois as baterias não evoluíram praticamente nada desde sua concepção, há quase um século. A solução encontrada foi utilizar as caras baterias de prata-zinco, cuja capacidade de estocagem é de 3 quilowatts-hora e pesam apenas 30 quilos. As melhores baterias de ácidos, capazes de estocar a mesma quantidade de energia, pesariam quatro vezes mais.
A maior dificuldade é que esse tipo de bateria pode ser danificada se descarregada totalmente e não há um meio fácil e confiável de medir o nível de suas cargas. Para aproveitar a carga que conseguiu ser salva,  o motor adequado, por sua vez, precisaria ser simples, com o mínimo de eixos e engrenagens que dissipassem a energia. Os técnicos, então, criaram o motor magnequench, com apenas 5 quilos, que fornece ao Sunraycer em média 1 cavalo de potência, ainda que em movimento possa chegar a 10, em curtas acelerações. Produzido de acordo com uma tecnologia totalmente nova, esse poderoso tipo de motor com ímãs permanentes é feito de um composto de neodímio, aço e boro, que é temperado rapidamente segundo processo desenvolvido na GM.
Toda a força do motor é transmitida diretamente ao eixo traseiro, sem engrenagens intermediárias ou câmbio de transmissão; como só há uma roda atrás, também não existe diferencial (o mecanismo que faz algumas rodas girarem mais depressa que outras nas curvas). Isso significa que o motor perde ainda menos energia para o movimento do eixo. A quantidade de eletricidade vinda das baterias é regulada por um sistema eletrônico baseado no controle de uma ponte feita de materiais semicondutores, cuja eficiência é da ordem de 98 por cento. Sobrando, assim, uma única parte móvel em todo o sistema de tração, a maior parte da freada pode ser feita pelo próprio motor, que reaproveita a energia utilizada. Durante esse processo, o tráfego nas pontes se faz no sentido inverso, recarregando as baterias com até metade do esforço gasto. O motor, portanto, pára junto com o carro. Todas essas características fizeram do Sunraycer um vencedor de múltiplas competições — por uma forma aerodinâmica perfeita, por materiais leves e resistentes, sistemas eletrônicos e mecânicos de alto desempenho etc. Mesmo assim, ainda parece impensável utilizar a radiação solar como fonte de energia para automóveis comuns. Aumentam, entretanto, as esperanças no avanço dos carros elétricos.
A própria GM apresentou no Salão do Automóvel de Los Angeles do ano passado um protótipo de carro elétrico denominado Impact, capaz de percorrer 200 quilômetros sem recarregar as baterias, à média de 90 quilômetros por hora e aceleração até 160. Assim, oitenta anos depois de um breve surto, quando o número de carros elétricos chegou até a superar o de veículos a gasolina, a explosão da crise ambiental parece criar uma forte pressão pela sua volta. "O motor elétrico é realmente limpo, sendo ideal e viável para o tráfego urbano", defende Gilmar Barreto, engenheiro elétrico da Universidade de Campinas, que circula em uma Kombi que ele adaptou para essa energia.
Segundo ele, um carro de passeio particular costuma rodar uma média de 32 quilômetros por dia dentro das cidades, um padrão de uso que não é incompatível com um veículo elétrico. Em 1985 diversas fábricas holandesas já anunciavam modelos de carros com painéis solares de pouco mais de 1 metro quadrado, com uma autonomia de até 40 quilômetros. No ano seguinte, uma estimativa indicava que 140 mil veículos nos Estados Unidos poderiam ser convertidos a motores elétricos, considerando-se que as baterias de ácido em uso garantiriam um alcance de 100 quilômetros por dia. No Brasil, uma dupla de engenheiros está construindo um carro a sol por eles projetado.
Mas contra essa esperança ainda pesa um impedimento decisivo: a capacidade de estocar energia de uma bateria convencional é irrisória comparada a um combustível fóssil. Um motor comum poderia retirar da gasolina energia suficiente para carregar seu peso inicial a 1 600 quilômetros de distância, enquanto as melhores baterias de ácidos fornecem energia para movimentar seu próprio peso menos de 16 quilômetros, ou seja, rendem cem vezes menos que a gasolina. Até que essa proporção se altere, a energia da vida, aquela que vem do Sol, não conseguirá desalojar do pódio a energia do progresso industrial, que vem dos combustíveis fósseis poluentes.

A boa luz do deserto
A maior dificuldade dos engenheiros da General Motors ao desenvolver um veículo solar certamente foi a limitada área destinada às células fotovoltaicas, que captam a energia dos raios do Sol e a transformam em eletricidade. Afinal, por melhores que sejam, as células só podem aproveitar os raios solares que recebem: 500 watts por metro quadrado nas regiões tropicais. Mas, quando espaço não é problema, a energia solar tem condições de competir em termos de preço com usinas convencionais a óleo e a carvão. É o caso da usina solar SEGS VIII, em operação desde o início do ano no deserto de Mojave, na Califórnia. Considerada a maior do mundo, gera 80 megawatts (milhões de watts) de eletricidade — o suficiente para abastecer mais de 115 mil casas  ao custo de centavos de dólar por quilowatt-hora. Até 1994, a empresa americana Luz responsável pelo projeto, espera que a usina atenda a mais de 1 milhão de pessoas, quase a população de Brasília.
Para centros industrializados como São Paulo, entretanto, a energia solar pode não ser a melhor resposta. "Se considerarmos um consumo médio de 10 mil megawatts para toda a cidade, seria preciso espalhar células numa área de 20 mil quilômetros quadrados", calcula José Roberto Moreira, diretor do Departamento de Energia da Universidade de São Paulo. Trata-se de uma área praticamente igual à da própria cidade. Embora um projeto desses seja claramente inviável para uma metrópole da extensão de São Paulo, não seria necessariamente um absurdo no caso de cidades menores. "As grandes barragens das hidrelétricas alagam porções maiores de terra", lembra Moreira.

O solar móvel brasileiro
Um dia os pilotos brasileiros poderão vencer grandes prêmios sem causar nenhuma poluição ao meio ambiente. Está sendo construído no país um carro solar capaz de competir em corridas como a da Austrália e, quem sabe, tornar-se uma opção limpa e viável para o motorista urbano. É o chamado solar móvel Brasil Sol, projetado por Anne Corianna Gottberg, professora de Engenharia Elétrica da Universidade de Campinas e por seu aluno Augusto Cesar Redolfi. O empreendimento começou em 1987, inspirado num grande circuito turístico realizado por veículos solares na Suíça dois anos antes.
Desde então, o carro tomou forma no papel, recebendo algumas doações, como dois motores de 0,5 HP que deverão ser acoplados diretamente às rodas traseiras, baterias de chumbo ácido e níquel-cádmio, e ainda células solares de silício capazes de gerar até 35 watts de energia. "Nossa luta agora é para conseguir mais patrocinadores e fabricar um chassi de alumínio e a carroceria, em forma de gota, em fibra de vidro", descreve Augusto. O custo do protótipo, que poderia estar pronto em menos de um ano, seria igual ao de um Monza de luxo. O solar móvel alcançaria um máximo de 100 quilômetros por hora.

Revista Super Interessante n° 033

Os espetaculares anéis de Saturno


Ronaldo Rogério de Freitas Mourão
Características e detalhes dos anéis de Saturno.

Saturno gira ao redor do Sol em 29,5 anos (terrestres) à distância média de 1,4 bilhão de quilômetros, ou seja, quase o dobro de Júpiter. Planeta gigante, o segundo maior do sistema solar, com uma massa 95 vezes maior que a da Terra, possui composição e estrutura muito semelhantes às de Júpiter. Saturno executa sua rotação em 10h14min, numa velocidade tão rápida quanto a de Júpiter. A grande  fama e popularidade desse planeta se origina dos anéis que o circulam, com cerca de 70 mil quilômetros de largura e um de espessura.
Pelo telescópio, apenas três desses anéis podem ser vistos. Mas as sondas interplanetárias Pioneer 2 (em 1980) e Voyager 2 (em 1981) revelaram que eles são milhares, separados por inúmeras divisões ou lacunas que correspondem a órbitas instáveis, onde quase não circulam os fragmentos que compõem o sistema de anéis. Durante muitos anos, pensou-se que esses anéis fossem gasosos: depois, que fossem sólidos. Sabe-se hoje que são compostos de milhares de minúsculas partículas que, vistas de longe, parecem construir uma massa sólida. No entanto, a origem dos anéis ainda permanece obscura.
Se, por um lado, pode-se imaginar que eles resultam da desagregação ou mesmo do esfacelamento de um ou vários satélites naturais de Saturno que se aproximaram muito de planeta, por outro, acredita-se também que se trate de um satélite que não conseguiu se constituir, ou seja, não se condensou. Ao redor de Saturno giram dezessete satélites conhecidos. Mas esse número deve ser bem superior, pois as naves Pioneer e Voyager coletaram informações sobre outros satélites cuja descoberta definitiva ainda depende da confirmação. O maior dos satélites é Titã, com um diâmetro de 4320 quilômetros. Sua atmosfera possui grande porcentagem de metano.
Tal descoberta foi feita em 1944 pelo astrônomo americano Gerard Kuiper (1905 – 1972). A Pioneer 2, em 1979, encontrou Titã coberto por uma atmosfera avermelhada e admite-se a possibilidade de que ela comportaria o desenvolvimento de formas de vida, embora nada de concreto tenha sido descoberto. Febo, o satélite mais externo, é o único que possui movimento retrógrado, ou seja, gira no sentido contrário dos demais. Alguns astrônomos acreditam que ele é um antigo asteróide capturado pelo campo gravitacional de Saturno.
Saturno e seus anéis oferecem ao espectador um dos espetáculos mais fascinantes do sistema solar e talvez do céu. A olho nu, tem o aspecto de uma estrela de primeira grandeza, de coloração amarelada. Mas com uma modesta luneta (aumento de 50 vezes) é possível observar o anel como uma encantadora miniatura. Com um instrumento de 75 milímetros de abertura e um aumento de 100 vezes será possível distinguir a diferença entre a borda exterior e a interior, quando os anéis estão suficientemente abertos. Em caso de uma imagem extremamente calma, é possível observar nas efemérides do anel, a divisão de Cassini, que separa as duas regiões. Com uma luneta ou telescópio de 120 milímetros pode-se visualizar o anel interior escuro – o anel de crepe. Os detalhes do globo de Saturno são muito análogos aos de Júpiter. Observamos faixas escuras e zonas claras com algumas manchas. As bordas do globo parecem muito difusas em virtude da absorção exercida pela sua espessa atmosfera.
O astrônomo Ronaldo Rogério de Freitas Mourão é membro da Comissão de Estrelas Múltiplas e Duplas de História da Astronomia e de Asteróides e Cometas da União Astronômica Internacional.

Revista Super Interessante n° 033

Jornada de um Ponto de Luz


Govert Schilling
Quando um telescópio localiza um astro distante, é como se recebesse uma mensagem do passado. A viagem da luz de um quasar, que durou a eternidade de 12 bilhões de anos, ajuda a entender por quê.

Noite de primavera nas Ilhas Canárias, Oceano Atlântico. Neste arquipélago paradisíaco pertencente à Espanha, longe das luzes e da poluição das cidades, os europeus instalaram há quatro anos um conjunto de potentes telescópios destinados a observar distantes objetos celestes. Ali, no topo das montanhas, um astrônomo usa o maior dos instrumentos - o telescópio anglo-holandês William Herschel - para fotografar um distante quasar. Quando o espectrógrafo, aparelho que mede a intensidade da luz, é ajustado ao foco, o computador aponta o telescópio para o astro. Nesse momento, a luz do quasar passa pelo telescópio e imediatamente é registrada pelo detector eletrônico. Para quem está acostumado a observar o céu, nada de mais - apenas a rotina de outra noite de trabalho. Mas o que significa capturar a luz de um objeto celeste que, segundo se calcula, está nos confins do Universo conhecido? Que aconteceu com ela durante essa colossal viagem? Ao chegar às Canárias, uma região perto do equador deste terceiro planeta do sistema solar, a luz do quasar viajou inimagináveis 12 bilhões de anos-luz. Apesar do nome, essa unidade - ano-luz - mede comprimento, como se sabe. Ela toma como referência o tempo que a luz gasta para percorrer determinada distância. Em 1 segundo, um raio de luz percorre aproximadamente 300 mil quilômetros, o equivalente a sete voltas em torno da Terra; em R minutos. viaja do Sol até aqui. Em um ano, atravessa perto de 10 trilhões de quilômetros, multo mais do que o raio do sistema solar. Por isso, sabe-se que as débeis partículas de luz registradas pelo telescópio europeu das Canárias começaram a sua jornada num momento do passado quando a Terra nem sequer existia.
Corpos celestes parecidos com as estrelas, os quasares (do inglês quasistellar radio source, fonte de rádio quase estelar) são tidos como os mais distantes conhecidos. Acredita-se que sejam os núcleos explosivos de galáxias ainda jovens. Quanto mais distante estiver uma galaxia observada, mais criança ela será e muito provavelmente terá a imagem de um quasar (veja quadro). Voltando ao astrônomo das Canárias - ou melhor, ao instante em que foi dada a partida para que um conjunto de fótons, as partículas de energia que formam um raio de luz, iniciasse a viagem que seria documentada por seu telescópio. Desde aquele momento imemorial passaram-se, pois, 12 bilhões de anos. Mas, na viagem, esse tempo representou pouquíssima coisa.
Transcorridos 10 mil anos da partida, os fótons ainda não tinham ultrapassado as fronteiras da galáxia onde o quasar havia nascido. Só então começou o seu passeio pelo frio e vasto espaço intergaláctico. Ali, espalhados como espuma de sabão, distribuem-se aglomerados e superaglomerados de bilhões de galáxias ai redor de grandes vazios. Em determinada época, uma ilha estava se formando no espaço. Era a nossa galáxia, a Via Láctea, um disco com dois braços em espiral, composto de gás, poeira e estrelas. Seis bilhões de anos depois, o raio de luz do quasar tinha percorrido apenas a metade da distância até o telescópio terrestre. Mas naquilo que hoje é o sistema solar não havia ainda nenhum sinal da Terra ou mesmo do Sol. Somente 1 bilhão de anos depois - ou seja, 7 bilhões de anos após ser emitida a luz do quasar - uma pequena nuvem de gás e poeira interestelar na Via Láctea foi aos poucos se contraindo, até formar o Sol e os nove planetas ao seu redor.
Naquela época, os fótons de luz passavam por um superaglomerado de galáxias. Quinhentos milhões de anos depois, à medida que eles viajavam pela escuridão do espaço, os primeiros organismos unicelulares começavam a se desenvolver na Terra. Era o início da evolução graças à qual apareceria, muito tempo depois, um animal mamífero inteligente e curioso. A medida que evoluíam os organismos multicelulares terrestres, o raio de luz continuava o seu caminho, percorrendo sem descanso 10 trilhões de quilômetros por ano. Ele já estava passando por estes lados do Universo: há 350 milhões de anos, estava na altura de Coma, uma das maiores concentrações de galáxias nas proximidades da Via Láctea. Cinquenta milhões de anos depois estava ainda mais perto do que o aglomerado de Perseus, uma fonte poderosa de emissão de raios X. Na Terra, naquela época, apareciam os primeiros anfíbios. Numerosos peixes habitavam os oceanos e as samambaias cobriam os continentes.
Para o astrônomo do século XX, o planeta seria então irreconhecível. Não havia semelhança alguma entre os oceanos e os continentes atuais, de um lado, e a distribuição de terras e mares existente há alguns milhões de anos. Enquanto os fótons passavam pelo aglomerado de Virgem, há 200 milhões de anos, a Terra possuía apenas um imenso supercontinente, a Pangea, O clima era ameno, a água  dos oceanos mais temperada e a paisagem compunha-se de plantas sem flores. A essa altura, a luz já percorrera 11.8 bilhões de anos - ou seja. 98.5 por cento da distância até a Terra. A viagem estava quase no fim mas ainda não havia nem sinal de mamíferos no planeta. Era então a era Mesozóica, quando reinavam os dinossauros.
O domínio desses grandes animais pode ter chegado ao fim justamente por causa de algo que, como os fótons de luz, veio do espaço. Há 65 milhões de anos, um asteróide ou um cometa teria se chocado com a Terra e provocado uma enorme cratera da qual até hoje não se tem o menor vestígio. Com o impacto, uma espessa nuvem de poeira teria se espalhado pela atmosfera, bloqueando a passagem da luz solar e provocando uma espécie de efeito estufa de grandes proporções. Se isso tudo aconteceu realmente, quebraram-se as cadeias alimentares e, em consequência, muitas espécies desapareceram. Sobraram outras, entre as quais os mamíferos, que estavam começando a se desenvolver. Enquanto essas formidáveis transformações ocorriam, o raio de luz vindo do quasar havia percorrido quase 99,5 por cento da distância e estava em pleno aglomerado de Virgem.
Mais adiante na viagem, alcançou o chamado Grupo Local, o aglomerado de galáxias onde se encontra a Via Láctea e suas vizinhas, a nebulosa de Andrômeda e as Nuvens de Magalhães. Enquanto passava a cerca de 2 milhões de anos-luz do sistema solar, isto é, já mais próximo do que Andrômeda, crescia na Terra a família de mamíferos. Já existiam grandes mamutes nas estepes geladas; antepassados do homem moderno, da espécie que viria a ser chamada Homo habilis, percorriam as extensas florestas tropicais. O sucessor dessa espécie, o Homo erectus, apareceu cerca de 500 milhões de anos depois, quando os fótons de luz passavam pelas Nuvens de Magalhães, galáxias tão próximas da Via Láctea que podem ser avistadas da Terra a olho nu. Alguns milhões de anos antes, haviam começado aqui as glaciações que remodelariam continentes e oceanos.
Ao passar a certa distância do centro da Via Láctea, o raio de fótons estava a meros 25 mil anos-luz do planeta. Para algo que já havia percorrido quase 12 bilhões de anos-luz, faltava uma insignificância para chegar ao seu destino - destino é força de expressão, porque a luz emitida pelo quasar não se dirige deliberadamente a parte alguma. Mesmo tão perto, o raio ainda teve que atravessar grupos de estrelas e nuvens de gás. Ao término do último período glacial, há 10 mil anos, o homem anatomicamente moderno já começava a mudar seu sistema de vida, promovendo aquela que é considerada a maior revolução na história da espécie. O cultivo de plantas e a criação de animais, antes considerados uma suplementação dos recursos obtidos mediante a coleta, a pesca e a caça, tornavam-se permanentes e organizados nas comunidades. O homem começava a olhar o céu  espera da melhor hora para o plantio e dava tratos à imaginação para matar a charada do que seria a infinidade de pontinhos de luz que avistava. Tinha nascido a Astronomia.
Muitas civilizações floresceram e desapareceram desde então. Guerras foram vencidas e perdidas, mas persistiram os problemas que as criaram. Descobriu-se a escrita e se fizeram os primeiros registros de observações astronômicas. Enquanto isso, o raio de luz se aproximava mais e mais. Há cerca de 2500 anos, com o apogeu da cultura grega, foram dados os primeiros passos na direção do que se convencionou chamar ciência moderna. Mil anos depois, o raio de luz ainda passava pela nebulosa de Orion, na Via Láctea. Mais um milhar de anos e estava nas Plêiades, grupo de sete estrelas visíveis a olho nu na constelação de Touro, a 400 anos-luz da Terra. Era chegado o momento de o cientista italiano Galileu Galilei (1564-1642) apontar um telescópio para o céu e provar que a Terra não era o centro do Universo.
Nos séculos seguintes. Astrônomos  ilustres como William Herschel, Charles Messier e Clyde Tombaugh descobriram planetas, nebulosas e aglomerados de estrelas. Os telescópios evoluíram: ficaram maiores e passaram a ter espelhos em vez de lentes, para focalizar melhor a luz dos astros mais distantes e fracos. Em 1948 a luz do quasar passou por Capella, uma das estrelas mais luminosas vistas no céu – 150 vezes mais brilhante que o próprio Sol. Naquele ano, o espelho de 5 metros do Monte Palomar, na Califórnia, então um dos maiores do mundo, começava a vasculhar o Cosmo. Em 1963, quando o astrônomo holandês Maarten Schimidt afirmava pela primeira vez que os quasares, recém -descobertos, emitiam ondas das de rádio amis intensas do que qualquer galáxia, o raio de luz passava pela estrada veja, uma das mais conhecidas do hemisfério sul. A viagem estava quase terminada
Durante o verão de 1985, foram dados os retoques finais na construção do observatório europeu nas Canárias e a luz do quasar deixou para trás a estrela Alfa, da constelação do Centauro, a mais próxima do Sol. Durante os meses que os engenheiros passaram ajustando o equipamento em Las Palmas, a capital do arquipélago, o raio de luz do quasar engoliu mais 26 bilhões de quilômetros. Em 1987, o telescópio Herschel finalmente estava pronto para capturá-lo. Era madrugada quando o astrônomo começou a se preparar para a observação do quasar. Ao meio-dia, já tinha conferido todos os detalhes da busca. Mas a luz do quasar ainda estava viajando: no meio da tarde, ultrapassava uma nave, viajando além da órbita de Plutão. Era a Pioneer 10, uma sonda automática terrestre lançada em 1972. A Pioneer 10 rumava para fora do sistema solar à velocidade de 27 quilômetros por segundo. Cobrindo 300 mil quilômetros em 1 segundo, ou seja 11 mil vezes mais depressa, os fótons fizeram a mesma jornada da Pioneer 10 em algumas horas apenas.
Assim, no início da noite, a luz cruzara a órbita de Plutão. Às 21h15 passou por Urano e às 22h30 por Saturno. Quarenta e cinco minutos depois, deixava Júpiter para trás. Naquele momento, o astrônomo ajustou o espectrógrafo ao foco do telescópio. Depois de tanto trabalho, acho que tinha direito a um cafezinho e deixou o observatório para uma pausa de 5 minutos. Nesse intervalo, a luz do quasar chegou a 96 milhões de quilômetros mais perto. Quando o astrônomo voltou à atividade, ele já havia passado pela lua e começava a alcançar o observatório. O homem moveu o instrumento e ajustou o foco: a luz entrou no telescópio. Passados 12 bilhões de anos, os sinais da existência do quasar eram registrados pelo astrônomo. Mais uma observação, desta vez de um astro distante, numa rotina familiar, talvez tenha pensado o astrônomo enquanto novamente ajustava o telescópio. Mas o que lhe parecia um trabalho trivial era o apogeu de uma viagem incomparável, entre milhões de aglomerados e superaglomerados de galáxias, vazios, nebulosas, estrelas duplas e solitárias. Sem se dar conta, o astrônomo tinha efetivamente recebido uma mensagem. Uma mensagem de energia inacreditável e de um lugar tão distante que nunca mais seria visto novamente do mesmo modo.

Um brilhante enigma
Há muito que descobrir sobre os quasares - afinal eles começaram a ser observados há menos de trinta anos e de lá para cá a Astronomia evoluiu muito. Sabe-se que esses astros possuem uma extraordinária luminosidade e que se não fosse assim não poderiam ser vistos onde se encontram. Há quasares tão brilhantes quanto mil supernovas explodindo juntas. Apesar disso, quando observados pelos mais poderosos telescópios ópticos, não passam de pontinhos de luz com a aparência de estrelas. Restam os radiotelescópios, mais sensíveis e capazes de discriminar a estrutura e a natureza dos quasares mesmo a bilhões de anos luz da Terra. Durante duas semanas, no último mês de março, a astrofísica brasileira de origem argentina Zulema Abraham, da Universidade de São Paulo, esteve em Atibaia, perto da capital, onde funciona o único radio observatório brasileiro, para observar o quasar 3C 273, na constelação de Virgem.
A mesma observação foi feita em mais uma dezena de lugares do planeta. Os aparelhos, que estavam conectados eletronicamente entre si, funcionaram como se fossem um único, gigantesco radiotelescópio.
Com os resultados obtidos, os cientistas pretendem montar uma imagem dos jatos de matéria que partem do núcleo do quasar e avançam milhões de quilômetros de distância. "Praticamente, a única explicação para essa extraordinária fonte de energia seria a existência de um buraco negro no núcleo do quasar", acredita a astrofísica. Alguns astrônomos supõem que, à medida que os quasares se apagam, as galáxias nas quais se originaram amadurecem e herdam de seus núcleos o buraco negro, corpo em que a força gravitacional é tamanha que aprisiona até a luz. Segundo um desses astrônomos, o inglês Donald Lynden-Bell, da universidade de Cambridge, um dos mais respeitados estudiosos da estrutura do Cosmo, "os núcleos das galáxias são os cemitérios dos quasares que vemos brilhando na aurora do Universo".

Revista Super Interessante n° 033

Precisa que haja vento sem parar


Espanhóis e americanos pretendem colocar em operação cerca de 500 moinhos de vento nos rochedos de Gibraltar, no extremo sul da Península Ibérica, com a intenção de gerar energia elétrica a partir do vento.
Para Dom Quixote, seria um pesadelo: até 1992, espanhóis e americanos pretendem colocar em operação cerca de 500 moinhos de vento nos rochedos de Gibraltar, no extremo sul da Península Ibérica. A idéia é gerar energia elétrica a partir do vento, como por sinal os americanos já fazem em grande escala na Califórnia, onde há mais de 16 mil moinhos desse tipo. Só nas montanhas de Tehachapi, 180 quilômetros a nordeste da cidade de Los Angeles, 4 mil moinhos abastecem de eletricidade mais de 750 mil habitações. No ano passado, a energia dos ventos, ou eólica, produziu ali o equivalente a 3 milhões de barris de petróleo. Mais da metade dessas turbinas de vento, que pesam uma tonelada e medem 25 metros, são fabricadas na Dinamarca, que até o ano 2000 pretende instalar na Europa moinhos suficientes para produzir tanta energia quanto quatro centrais nucleares. No Brasil, onde de modo geral venta pouco e o vento tende a ser fraco, abaixo de 7 metros por segundo, a energia eólica não parece prometer muito, salvo em certos pontos do litoral nordestino. "Esse tipo de energia ainda é economicamente inviável mesmo para os americanos, que têm de subsidiá-la ", esclarece o engenheiro Roberto Hukai, que construiu e vem testando o moinho de vento do canal de São Sebastião, no litoral norte de São Paulo.

Revista Super Interessante n° 033

A menor marca do mundo


Cientistas do Centro de Pesquisas da IBM conseguiram escrever sobre um cristal de níquel as letras IBM com 35 átomos de xenônio, cujo desenho mede 1,6 bilionésimo de milímetro.
Para mostrar que mesmo átomos microscópicos podem ser movidos sobre uma superfície e colocados onde se deseja, dois cientistas do centro de pesquisas da IBM da Califórnia fizeram com a sigla da empresa uma proeza insólita. Com a ajuda de um microscópio de tunelamento eletrônico, uma maravilha capaz de ampliar objetos mais de 500 mil vezes, eles conseguiram escrever sobre um cristal de níquel as letras IBM com 35 átomos de xenônio, um gás não reativo encontrado no ar. O resultado sem dúvida merece ser inscrito no livro Guinness de recordes: um desenho que não mede mais de 1,6 angstrom, ou inimaginável 1,6 bilionésimo de milímetro. Os cientistas, um americano, outro alemão, precisaram de muita paciência e habilidade. Vinte e duas horas foram gastas movendo a agulha de tungstênio do microscópio a fim de atrair, como um ímã, sobre a superfície do metal, cada um dos átomos que formariam as letras. Para que não escapassem, tiveram de ser congelados a uma temperatura de 269 negativos, marca não muito distante do zero absoluto. Foi mais que uma jogada de marketing: os Cientistas pretendem aprimorar a técnica para aplicações em transístores e em circuitos elétricos microscópicos de computadores cada vez menores.

Revista Super Interessante n° 033

O que é a caixa-preta dos aviões?


Marco Antônio P. Soares e Fernando Teixeira Reis
Sistemas de gravação eletrônica existentes no interior das caixas-pretas dos aviões registram automaticamente todos os dados relativos ao vôo, bem como os últimos 30 minutos de conversação da cabine de comando. Essas informações são de vital importância para os peritos que investigam as causas de um acidente. As caixas, na verdade, são vermelhas ou alaranjadas e possuem um transmissor de sinais justamente para facilitar sua localização nesses casos. Para resistir ao choques, ficam na cauda da aeronave e suportam temperaturas superiores a 1000 graus Celsius. Na gíria dos engenheiros, caixa-preta é também o equipamento cujo conteúdo ou funcionamento é desconhecido.

Revista Super Interessante n° 033

O funcionamento de um navio quebra-gelo?


Giovanna Chiappa
Existem dois tipos de navios quebra-gelo criados a partir do século XIX: um grande e potente com a proa em forma de cunha, que sobe no gelo e o rompe com seu peso; e outro, menor e menos potente, com a proa reforçada, que abre passagem cortando o gelo. Em qualquer tipo, a roda de proa - peça de madeira ou de metal que é uma continuação da quilha - deve ser muito robusta e inclinada para evitar abalos na estrutura do navio, caso o choque com o gelo seja insuficiente para que este se quebre. Os modelos atuais têm também tanques de lastro laterais que lhes permitem balançar de um lado para outro, facilitando o trabalho ele escavação.

Revista Super Interessante n° 033

 

Por que temos pintas na pele?


Ane Gonçalves, Leonardo G. Castro e Márcia M. Oliveira
As pintas surgem em consequência de uma concentração anormal de melanócitos - as células que produzem o pigmento melanina, responsável pela cor da pele. Quando ocorrem na camada mais profunda da pele, as manchas têm uma coloração azulada, mas geralmente são marrons ou pretas.
O recém-nascido raramente tem pintas, pois estas costumam aparecer e evoluir na infância ou, no caso da mulher, durante a gravidez, quando mais pintas se formam e as existentes aumentam de tamanho.

Revista Super Interessante n° 033

Assim caminha a humanidade


Lúcia Helena de Oliveira
Andar, correr, pular, chutar, dançar: pesquisas revelam passo a passo todo o trabalho mal recompensado dos pés e ensinam como proteger essa eficiente estrutura.

O jogador está parado, esperando a ordem do juiz para cobrar o pênalti. Ao soar o apito, ele dá alguns passos para trás, corre, chuta a bola com violenta precisão e comemora o gol aos saltos de alegria. A torcida eufórica talvez ponha nas nuvens a pontaria do artilheiro ou a força do chute, mas poucos se lembrarão dos verdadeiros responsáveis pela proeza, aqueles que sustentaram o atleta, impulsionaram o corpo a toda velocidade e enfim lançaram a bola na direção da rede — os pés. Aliás, além de não lembrar o que é devido, quase ninguém olha direito por onde anda, até porque andar é um ato reflexo, algo que se faz sem pensar. Assim, costuma-se passar distraidamente por cima dos pés, estes pedestres trabalhadores que estão em serviço mesmo quando imóveis, como os do jogador à espera do apito do juiz, e, em movimento, fazem a humanidade caminhar também no sentido figurado da palavra. Se uma pessoa permanece estática ou se ela anda, se dispara correndo ou sai pulando, para cada situação existe uma expressão corporal específica dos pés — um modo próprio de pisar. Os ossos, os músculos e os ligamentos de cada pé se comportam de forma diferente no passo de uma bailarina ou na marcha de um soldado, por exemplo. Essa versatilidade permite ao homem se movimentar segundo os mais diversos ritmos e coreografias. Em compensação, um bicho, ao andar de quatro, tropeça menos do que o ser humano que, para ter mãos livres e com elas modelar o mundo, ergueu duas patas, tornando-se bípede. Pôr apenas dois pés pelas mãos no chão tem um preço, que qualquer estudante de Geometria entende: onde existem no mínimo três pontos — e no caso dos quadrúpedes existem quatro — passa um plano, figura que se assenta com facilidade na superfície; já por dois pontos, formados pelos dois pés, só pode passar uma linha. Ou seja, é como se o homem sempre estivesse em uma corda bamba.
Resultado: o ser humano é o único animal com problemas de coluna e com eventuais dores de cansaço nos pés, embora estes permaneçam firmes no chão. "O equilíbrio é possível principalmente porque a sua estrutura óssea não é uma peça única soldada", nota o professor de Anatomia Aldo Junqueira Rodrigues, da Universidade de São Paulo, enquanto movimenta o esqueleto de um pé sobre a mesa, mostrando como os 26 ossos se acomodam aos altos e baixos de uma superfície coberta de livros e papéis. Além desse jogo de balanço, são responsáveis pela eficiência dos pés na tarefa de suportar o corpo 21 tiras fibrosas resistentes, os chamados ligamentos, que amarram os ossos para formar três arcos de sustentação: um lateral, um longitudinal e um transversal. "A maioria das pontes é em arco, a estrutura considerada ideal pelos engenheiros para aguentar grandes pesos", compara Rodrigues.
De fato, cada pé tem de 20 a 25 centímetros quadrados de área para sustentar um adulto parado no ponto de ônibus ou na fila de um banco. Quando uma pessoa fica em pé, a ponta da coluna lombar, conhecida como sacro, divide o peso em partes iguais sobre as duas pernas. Assim como a pedra angular de uma ponte reparte a carga pelas duas extremidades, a articulação que liga a perna ao pé distribui o peso do corpo entre o calcanhar e a base dos dedos. Mas como, na verdade, aquela articulação não fica bem no meio, como no caso da pedra, cerca de 70 por cento da carga acaba pesando sobre o calcanhar e apenas os 30 por cento restantes são sustentados na ponta do pé.
A situação só muda quando a contração dos músculos da perna e um leve requebrar da bacia arrancam um pé do chão: é quando se dá o primeiro passo de uma caminhada. "Então todo o peso fica sobre um único calcanhar e vai se deslocando para os dois primeiros dedos", descreve o anatomista Rodrigues, em pé na sua sala, reproduzindo em câmara lenta os movimentos. A mímica, porém, não sai perfeita porque, desde que sofreu um acidente na fazenda, no início do ano, o médico anda com problemas no hálux, o popular dedão. É esse dedo que, durante frações de segundo, suporta todo o corpo e, feito uma alavanca, dá o impulso jogando o pé para trás, marcando o início de um novo passo.
Não se negue, porém, a importância dos outros dedos, que em eternos pequenos movimentos vão agarrando o solo a cada passo. Sem eles, o homem sacolejaria como uma carroça com a roda lisa de madeira passando aos trancos sobre os obstáculos existentes no chão. Os dedos equivalem, portanto, às ranhuras esculpidas no pneu de um trator, razão pela qual é capaz de atravessar tranquilamente os terrenos mais difíceis. "É por isso que, usando sapatos, os quais dificultam o mexer dos dedos, é muito mais complicado subir em uma árvore", exemplifica o ortopedista paranaense Guglielmo Mistrorigo. Um passeio pode se tornar muito mais cansativo, contudo, para quem não tem as curvaturas dos pés — são os chamados pés planos, como dizem os médicos, ou pés chatos, como diz todo mundo. Neles, as articulações da região plantar desabam a ponto de repuxar os ligamentos dos dedos; estes, dessa forma, mal encostam no chão para auxiliar o andar.
Assim, os quarenta músculos dos pés acabam tendo um trabalho extra para avançar — daí que o dono do pé chato é um preguiçoso por justa causa, pois caminhar poucos metros que seja lhe custa o dobro de energia em relação ao pé normal e, eventualmente, provoca dores. "A criança com pé chato vive pedindo colo", observa  Mistrorigo. Mas, na infância, quando os ligamentos são frouxos e a musculatura ainda é fraca, o pé chato é quase uma unanimidade. Na criança os arcos podem até existir, mas quando elas ficam em pé o peso do corpo os achata  por isso, os primeiros passos do ser humano são desengonçados, como se calçasse pés-de-pato.
No final dos anos 60, Mistrorigo encontrou em uma festa a mãe de duas ex- pacientes, às quais ele havia receitado as tradicionais botas ortopédicas, com palmilhas que forçam a formação dos arcos. "A mulher elogiou o tratamento", recorda-se o ortopedista. "Mas, antes que eu saboreasse o comentário, ela acrescentou que as botinhas eram tão eficazes que as filhas só as usavam três vezes por semana e, mesmo assim, ficaram curadas." Desconfiado, Mistrorigo mais tarde arriscou abandonar as "botinhas milagrosas" em alguns casos e, desse modo, constatou algo que durante muito tempo deixou seus colegas com um pé atrás: "O pé plano nas crianças costuma ser um fenômeno temporário, que se corrige naturalmente sem a ajuda do médico".
De fato, um estudo com mais de 3 mil pessoas, publicado por ortopedistas americanos no início do ano, confirmou que apenas uma em cada 25 crianças continua com pés chatos depois dos 6 anos, calçando ou não palmilhas ortopédicas. Segundo o professor Henrique Sodré Fialho, da Escola Paulista de Medicina, que há dez anos se dedica exclusivamente ao estudo dos pés, tanto o pé normal como o chato ou ainda o cavo — aquele com arcos exagerados — não dão um passo sequer sem exigir conforto, "sem manter as estruturas no lugar certo para caminhar". Nesse sentido, o mundo caminha muito mal — porque caminha calçado. O sapato, criado ao que tudo indica pelos egípcios há 4 mil anos para proteger a sola natural dos pés, tornou-se com o tempo e com a moda um confinamento, algo que impede a acomodação correta dos ossos.
Cada homem que reclama de dores provocadas por esse verdadeiro espartilho pode estar certo de que a queixa é compartilhada por dezoito mulheres. A proporção é uma questão de altura. Embora os homens costumem calçar dois ou três números maiores do que as mulheres, graças ao seu esqueleto avantajado, a única diferença entre o pé masculino e o feminino é que este último tende a sofrer o castigo adicional do uso costumeiro de saltos altos, os quais deixam o pé feito uma ladeira sobre a qual o peso rola para baixo. "O melhor modelo de sapato é o do homem", receita o médico Sodré. Mas, cá entre nós, o andar de Marilyn Monroe não seria tão sinuosamente sedutor se ela calçasse um mocassino baixo de bico largo em vez de um salto agulha 7,5.
Os saltos, na realidade, foram uma invenção de machos, criados no século XVI para os oficiais do exército francês acomodarem o pé no estribo das montarias. No entanto, ao adotá-los, há pouco mais de cem anos, as mulheres parecem intuitivamente ter aprendido uma lição de anatomia. "Para compensar o peso jogado para a frente", descreve Sodré, "a coluna lombar vai para trás, arrebitando o bumbum." Além disso, os saltos ajudam a mulher a exibir uma antiga marca de feminilidade, isto é, caminhar a passinhos curtos, como gueixas. Isso porque andar é empurrar o chão para trás: ao contrair-se, o músculo da barriga da perna, que termina no tendão de Aquiles, flexiona os artelhos e apóia o calcanhar; o mesmo músculo se estica e, então, como uma alavanca, o pé puxa o solo.
Quanto maior o salto do sapato, menos o pé consegue fazer tal flexão e, portanto, menor a alavanca e menor o passo. Aliás, é justamente para aumentar a alavanca que os atletas largam agachados nas corridas, com os pés totalmente flexionados. Correr, porém, é outra história, pois de acordo com o ortopedista Flávio Murachovsky, do Hospital Albert Einstein, em São Paulo, "há instantes em que ambos os pés ficam no ar e só as pontas tocam o solo". Para quem busca velocidade, bater o calcanhar no chão é amortecer o impacto — e o ritmo. Mas o que não falta, segundo Murachovsky, é gente pisando errado ao acelerar a marcha. As consequências mais comuns são as entorses, quando o osso do tornozelo sai e volta imediatamente para o seu lugar. "O deslocamento, embora breve, é suficiente para machucar os ligamentos ao redor", explica o médico, especialista em traumas. Para o ortopedista paulista Osny Salomão, o avanço atual da Ortopedia foi possível graças ao aparecimento, há cerca de dez anos, da Biomecânica, a área da ciência que estuda os movimentos do homem. Hoje se sabe, por exemplo, que um pé se cansa menos ao chutar uma bola com força do que nas freadas repentinas que um jogador é obrigado a dar para driblar o adversário — algo que exige muito mais habilidade. Forçam mais os pés, no entanto, os jogadores de vôlei que, nas cortadas, caem sobre os pés com um peso quatro vezes maior do que o apontado na balança. Sempre que se pula numa quadra ou numa aula da saltitante ginástica aeróbica, quem faz força é a perna, mas quem pode sofrer são os pés: a musculatura relaxa para que os ossinhos, um por um, com diferença de frações de segundo, se amontoem ao bater no solo.
Quanto mais forte o impulso, maior o pulo e menor a capacidade dos amortecedores do pé. Assim, por exemplo, quando o jogador Oscar, da seleção brasileira de basquete, com seus 2,04 metros e 102 quilos, volta do salto para fazer uma cesta, seus pés sofrem um impacto de 800 quilos a uma tonelada. "Mas o pé mais problemático é o da bailarina", sustenta Osny Salomão que, aliás, se considera privilegiado por nunca ter sentido, em seus 54 anos, uma dor no pé. Quem vê o suave deslizar de um par de sapatilhas no palco não imagina que elas costumam calçar pés deformados por calos — que nada mais são do que a resposta da pele a uma situação de aperto. No caso, o aperto provocado pelos ossos metatarsianos dos dedos que, afinal, não nasceram para enfrentar, na posição vertical, a força da gravidade.
"Apesar da aparência, o problema não está tanto em ficar na ponta do pé, já que a musculatura da bailarina começa a ser treinada, a partir dos 5 anos, para diminuir o esforço dos ossos", revela Salomão. "O pior mesmo é o número de horas que uma bailarina ensaia diariamente." Sim, porque as articulações do pé suportam pegar no pesado por tempo limitado: a pressão constante faz o material rígido dos ossos e ligamentos ceder, causando um desgaste chamado artrose, que torna os movimentos difíceis como os de uma máquina enferrujada. Nos esportes, ao menos, existe uma corrida tecnológica para evitar seqüelas desse tipo, desde que nos anos 70 surgiram os primeiros tênis especiais para corrida . Justa preocupação: o carioca, ao praticar jogging em Copacabana, talvez nunca tenha se dado conta de que, percorrendo a praia de ponta a ponta, estará tocando o solo cerca de 10 mil vezes com um impacto equivalente a duas vezes e meia o peso do corpo.
"Atualmente, os pesquisadores sabem que cada esporte merece um tênis projetado especificamente para diminuir os riscos de lesões e melhorar o desempenho do atleta", conta o médico Mário Donato, que fez doutorado em Biomecânica na Escócia e comanda um bem montado laboratório na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Criar tênis para os brasileiros tem sido uma tarefa sob medida: uma pesquisa realizada há dois anos pela UFRJ apontou, por exemplo, que o pé nacional é cerca de 2 centímetros mais largo do que a média dos pés europeus. É irônico, mas, numa época em que a Medicina caminha a passos largos, prolongando a saúde de cada órgão, justamente as pessoas que mais correm, pulam e caminham, ou ainda driblam e chutam bolas a gol impecavelmente, têm a vida útil dos pés abreviada: os ligamentos afrouxam, os ossos se deslocam, a pele cria calos, a distribuição equilibrada do peso é perturbada. Conhecer a força que o pé faz é meio caminho andado para proteger essa estrutura que garante ao homem o direito de ir e vir.

Pé ante pé
Tudo que acontece durante um passo
O pé flexiona-se, apoiando-se no calcanhar, para onde o peso do corpo se desloca.
Então, encosta completamente no chão, dividindo o peso do corpo pelas duas extremidades enquanto o joelho começa a se dobrar para dar impulso. Ao mesmo tempo, o osso da bacia, na altura dos quadris, inclina-se para encurtar a outra perna e assim arrancar o outro pé do chão.
Como o corpo é levado para a frente, graças ao impulso do joelho, a carga sobre os pés começa a se deslocar em direção aos dedos; à medida que isso acontece, o calcanhar vai se erguendo.
Nesse instante, praticamente todo corpo é sustentado pelos dois primeiros dedos; o hálux, ou dedão, empurra o solo para trás e as articulações do joelho tiram o pé do chão. Enquanto isso, o outro pé já deve esperar flexionado, apoiado no calcanhar — é o início de um novo passo.

Anatomia de um tênis
Fazer o pé se sentir como se despencasse sobre uma cama de algodão: há quinze anos essa tem sido a pretensão dos fabricantes de tênis. Assim surgiram os solados porosos, usados até hoje, cujas inúmeras bolsinhas de ar absorvem choques. Mas, "com o tempo, o emborrachado acaba se compactando", nota Amaury Rosenberg, gerente de marketing no Brasil da Nike, que vende 70 milhões de pares por ano no mundo inteiro. Por isso foram criados dispositivos para completar o sistema amortecedor, como bolsas de líquidos ou molas de um vinil especial embutidos no solado. Há dez anos, a Nike criou o airbag (bolsa de ar, em inglês): um gás, cuja fórmula é guardada a sete chaves, é encapsulado para funcionar como um trampolim, transformando o impacto em impulso. "Com isso, o atleta se cansa menos", garante Rosenberg.
Outro objetivo dos tênis modernos é evitar torções: as palmilhas agora costumam ter uma espécie de moldura para que o pé não saia do lugar. Para que o calcanhar tampouco se mexa acrescentou-se uma peça rígida de plástico, o contraforte, moldada no seu formato. Um dos detalhes mais importantes, porém, são aquelas ranhuras visíveis na sola de borracha, que tornam o calçado especialmente adequado a certos movimentos. Nos tênis de basquete, por exemplo, o desenho de uma espiral ajuda o pé a deslizar nos giros necessários durante a partida.

Revista Super Interessante n° 033