Álvaro Oppermann
Se hoje as mulheres
param de comer para atingir um padrão de beleza, na Idade Média as anoréxicas
procuravam a comunhão com Deus.
A adolescente italiana Catarina Benincasa, filha de um
artesão da Toscana, não conseguia mais comer. Magérrima e extremamente pálida,
ingeria por dia um pedaço de pão com ervas cruas. Às vezes, o estômago não
suportava nem esse pouco e ela vomitava. Catarina não era obcecada por um corpo
esbelto. Longe disso – estava se lixando para a beleza física. Mais tarde,
ficou conhecida como Santa Catarina de Sena (1347-1380). E virou uma das
jejuadoras mais ilustres da história.
Por toda a Idade Média, centenas de moças, como Catarina,
deixaram de comer para sofrer como Jesus Cristo. Caso, por exemplo, das
mulheres que ficaram conhecidas como Santa Clara de Assis (1193-1253) e Santa
Rosa de Lima (1586-1617), esta última peruana. Só assim acreditavam entrar em
comunhão com Deus.Hoje, historiadores denominam esse tipo de comportamento de “anorexia santa”, que tem sintomas parecidos com os da moderna anorexia nervosa. A doença, atualmente, é considerada um transtorno do comportamento alimentar que se caracteriza por uma grave restrição de ingestão de alimentos, pela busca incessante da magreza, distorção da imagem corporal (a pessoa acha todo mundo magro, menos ela), medo mórbido de engordar e ausência de fluxo menstrual. “Através dos séculos, os médicos depararam com sinais e sintomas similares, mas suas interpretações foram coloridas pelas crenças da sociedade em que viveram”, diz o médico inglês J.M. Lacey, autor de um artigo sobre o tema para o British Medical Journal.
O hábito de jejuar existe na história ocidental desde pelo menos o Egito antigo. Lá, quem quisesse ser iniciado nos mistérios dos deuses Ísis e Osíris tinha de passar antes uns bons dias sem comer. A Bíblia está repleta de casos de jejuns voluntários, praticados, por exemplo, por Moisés e Jesus Cristo. Até no Oriente, reza a lenda que Sidharta Gautama, o Buda histórico, jejuou intensamente antes de atingir a iluminação. Mesmo quem desconhecia o jejum para fins místicos, como os gregos, o adotavam: Hipócrates (460-370 a.C.) o receitava como tratamento de doenças.
Segundo a psicanalista Cybelle Weinberg e o psiquiatra Táki Cordás, autores do livro Do Altar às Passarelas – Da Anorexia Santa à Anorexia Nervosa, depois da Idade Média a Igreja começou a ver com maus olhos os casos das santas jejuadoras – poderia ser possessão diabólica, e não santidade – e o hábito caiu em desuso. Nos conventos, bem entendido, porque o jejum migrou para as feiras populares. No século 17, várias moças que, garantia-se, passavam semanas sem comer, se apresentavam para o povão. Eram as “virgens jejuadoras”. Uma delas, a inglesa Martha Taylor, de 19 anos, dizia ter jejuado por 13 meses. No século 19, outra virgem, Sara Jacobs, teve um fim trágico. Aos 10 anos, foi posta pelos pais como atração de circo nos Estados Unidos, mas acabou morrendo aos 12 de inanição. Os pais de Sara, considerados culpados de negligência, foram condenados a trabalhos forçados.
Greve de fome
Conheça algumas mulheres famosas que tiveram a doença.
Santa Vilgefortis (século 8)
Diz a tradição que, quando o pai a prometeu em casamento
para um nobre dissoluto, a portuguesa Vilgefortis – que queria entrar para o
convento – fez um jejum rigoroso. Pediu também para Deus que a enfeasse. Dito e
feito. Pêlos teriam começado a crescer em seu corpo cadavérico. O nobre,
assustado, pulou fora.
Santa Clara de Assis (1193-1253)
A italiana não comia nada durante três dias da semana. Nos
outros, passava quase sempre a pão e água. Para as irmãs da sua ordem, porém,
recomendava moderação.
Santa Rosa de Lima (1586-1617)
A peruana comia apenas três dias por semana. O cardápio
nunca mudava: batatas com ervas amargas.
Santa Verônica Giuliani (1660-1727)
Na sexta-feira, esta italiana só comia cinco sementes de
laranja, em memória às cinco chagas de Cristo.
Sara Jacobs (1857-1869)
A irlandesa começou a jejuar cedo. Virou atração de circo,
mas morreu aos 12 anos de inanição.
Santa Catarina de Sena (1347-1380)
Também italiana, a moça, além dos jejuns rigorosos que
fazia, só dormia uma hora a cada dois dias.
Mary Stuart (1542-1587)
Herdeira do trono inglês, suspeita-se que teve anorexia –
mas morreu executada, a mando da rainha Elizabeth I.
Katherine Anne Porter (1890-1980)
Escritora americana anoréxica, foi a primeira a tratar do
tema na ficção, no romance Old Mortality, de 1937.
Juliette Greco (1927)
A cantora francesa teve anorexia – dizem que após o jazzista
Miles Davis acabar um romance com ela, em 1949.
Jane Fonda (1937)
A atriz americana lutou contra a anorexia dos 15 aos 40
anos.
Sally Field (1946)
Quando a americana fazia A Noviça Voadora, nos anos 60,
pesava 45 quilos para 1,70 metro.
Karen Carpenter (1950-1983)
A americana da dupla pop The Carpenters era gordinha na
infância e ficou obcecada com a magreza ao se tornar famosa. Morreu em 1983, de
anorexia.
Diana Spencer (1961-1997)
A princesa de Gales confessou que teve anorexia e bulimia
(comia e provocava o vômito).
Victoria Désirée Bernadotte (1977)
A princesa é filha do rei Gustaf da Suécia e da rainha
brasileira Silvia. Em 1997, veio à tona o seu distúrbio alimentar.
Keira Knightley (1985)
A atriz inglesa, do filme Piratas do Caribe, teve avó e a
bisavó anoréxicas. Ela garante que não é...
Ana Carolina Reston (1985-2006)
A modelo Ana Carolina Reston Macan morreu em novembro do ano
passado por causa de problemas decorrentes da anorexia. Ela tinha 19 anos e
pesava 42 quilos – e reacendeu a polêmica da ditadura da magreza.
Aventuras na História n° 042
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