domingo, 23 de setembro de 2012

Futebol: Campos de batalha


Beto Gomes
Durante a Copa do Mundo, países que já entraram em guerra vão se encontrar nos gramados da Alemanha.Veja o que esses antigos adversários andaram fazendo quando não estavam jogando futebol.

No próximo dia 14 de junho, o mundo vai acompanhar com atenção mais um confronto entre Alemanha e Polônia. Felizmente, ninguém deverá sair ferido – a menos que algum zagueiro dê uma entrada muito violenta. Na 18ª Copa do Mundo de futebol, sediada pelos alemães nos meses de junho e julho, países que guerrearam no passado vão poder resolver suas diferenças de modo mais nobre. Na primeira fase, além do jogo entre os anfitriões e os poloneses, haverá outro confronto que remonta à Segunda Guerra Mundial: Estados Unidos contra Itália – os americanos, devido a sua tradição bélica, têm chance de enfrentar ex-inimigos em todas as fases da competição. Também está garantido o embate entre Portugal e sua antiga colônia, Angola. De acordo com o desempenho das equipes, poderão acontecer outros cruzamentos entre ex-adversários da vida real, como Inglaterra contra Argentina e México contra Espanha. Confira a seguir como foi que países como esses perderam a esportiva e resolveram se engalfinhar em sangrentos conflitos.
Polônia 0 x 6 Alemanha
A Polônia praticamente não entrou em campo contra a Alemanha, naquele 1º de setembro de 1939. Às 4h45 da manhã, Adolf Hitler ordenou que seu exército fosse com tudo para cima dos poloneses. Em menos de um mês, rendeu o adversário e mostrou que era um dos grandes favoritos a vencer o conflito que começava ali mesmo: a Segunda Guerra Mundial. Dois dias depois da invasão, a França e a Inglaterra declararam guerra à Alemanha.
A estratégia adotada pelo exército alemão ficou conhecida como Blitzkrieg, a “guerra-relâmpago”, que consiste em ataques rápidos e fulminantes, usando as forças aérea e naval para abrir caminho e não dar chance de reação ao inimigo. Enquanto aviões nazistas bombardeavam os campos de pouso poloneses, navios abriam fogo contra armazéns navais e de munições. Ao mesmo tempo, os poderosos tanques Panzer atropelavam o que estivesse à frente, ajudando a dizimar as forças adversárias. Em apenas quatro dias, parte da Polônia já estava rendida. A capital, Varsóvia, se entregaria em 27 de setembro e o último foco de resistência, a fortaleza de Modlin, no dia seguinte. Para piorar, a União Soviética, cumprindo o pacto que havia feito com os nazistas, entrou no país pelo leste e acabou de vez com qualquer possibilidade de reação.
Ao recuperar os territórios perdidos para a Polônia depois da Primeira Guerra, os alemães davam início à expansão do nazismo (que só seria controlada em 1945, com a derrota para os aliados). Explorando o sucesso militar, o ministro nazista da Propaganda, Josef Goebbels, tornou-se um grande animador de torcida. Intimidava inimigos e convencia a população alemã sobre a superioridade da raça ariana, garantindo um fervoroso apoio para o time germânico.

Angola 3 x 1 Portugal
Angola era um verdadeiro alçapão na década de 1960. Nada menos que três movimentos de libertação atuavam em diferentes partes do país, lutando entre si e contra as forças de Portugal. O país europeu tinha um estilo de jogo ultrapassado: enquanto o mundo assistia à libertação de antigas colônias, os portugueses insistiam em manter suas possessões na África. Angola foi a última nação do continente a se emancipar.
A guerra de independência começou em 1961, quando o MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola) invadiu prisões da capital, Luanda, para tentar libertar militantes políticos. O ato desencadeou uma forte repressão por parte do governo português, que não queria arriscar perder o controle sobre o país, rico em petróleo e diamantes. Logo surgiram outros dois movimentos de libertação, a FNLA (Frente Nacional de Libertação de Angola) e a Unita (União Nacional para a Independência Total de Angola). Portugal passou a levar pancadas de todos os lados.
As tropas que combatiam em Angola, Moçambique e Guiné chegavam a consumir 40% da receita do governo português. Em vez de conseguir controlar as insurreições, ele é que acabou sendo derrubado. Em abril de 1974, a ditadura que vigorava desde os anos 30 foi extinta pela Revolução dos Cravos, liderada por militares insatisfeitos.
O novo governo resolveu então dar fim ao colonialismo. Em janeiro de 1975, representantes de Lisboa e dos três movimentos angolanos selaram o Acordo de Alvor, que previa uma independência pacífica para novembro daquele ano. Não foi o que aconteceu. O MPLA proclamou a independência em Luanda, foi aceito como governo pela comunidade internacional e embarcou numa guerra civil contra a FNLA e a Unita. Portugal abandonou o campo, mas os conflitos entre angolanos duraram até 2002, deixando 1 milhão de mortos.

Inglaterra 2 x 1 Argentina
Ao ordenar a invasão das Ilhas Malvinas, em 1982, o general argentino Leopoldo Galtieri estava jogando para a torcida. Recuperar o pequeno arquipélago atenderia a uma antiga aspiração nacional e ajudaria a melhorar a imagem da sangrenta ditadura instaurada no país em 1976. Mas os argentinos encontraram pela frente um adversário que jogava duro e não levava desaforo para casa.
A luta diplomática pelas Malvinas tinha se arrastado por mais de 150 anos. A Argentina reivindicava desde 1820 a posse do arquipélago, localizado a apenas 500 quilômetros de sua costa. Os ingleses, que no século 18 mantiveram assentamentos nas ilhas, voltaram a ocupá-las em 1833. Desde então, se recusaram a ceder o território. A questão esquentou quando a região se mostrou promissora na exploração de petróleo, no século 20. A população das ilhas, cuja maioria descendia de ingleses, queria continuar sob a tutela britânica. Esse argumento acabou sendo aceito internacionalmente, travando as negociações.
As tropas argentinas atacaram em 2 de abril de 1982, ocupando as ilhas. Do lado inglês, a primeira-ministra Margareth Thatcher foi duramente criticada pelo Parlamento britânico por não ter previsto a ação argentina. Seu ministro das Relações Exteriores, lorde Carrington, se demitiu no mesmo dia em que as primeiras 40 embarcações britânicas partiram para o Atlântico Sul.
Virar o jogo seria apenas uma questão de tempo. A superioridade das tropas inglesas logo faria diferença. E os Estados Unidos, que começaram atuando como um árbitro, mediando uma solução pacífica para o conflito, voltaram-se para o lado dos britânicos no dia 30 de abril. Sofrendo com as sanções econômicas impostas pelos americanos, a Argentina tentou levar a guerra para a prorrogação, afundando alguns navios britânicos. Mas, em 2 de maio, um submarino inglês atacou o cruzador General Belgrano. Foi uma falta fora do lance: o navio estava voltando para casa, inofensivo. O naufrágio matou 323 tripulantes e desmoralizou os argentinos.
A guerra terminou em 14 de junho, quando os ingleses retomaram a capital das Malvinas, Porto Stanley, e o governo argentino assinou a rendição. Com o fim dos combates, o presidente Galtieri abandonou o poder e o regime militar entrou em colapso.

Croácia 1 x 1 Sérvia
A região da antiga Iugoslávia é, há séculos, um verdadeiro caldeirão de raças e crenças convivendo lado a lado. E o clima entre sérvios, croatas, eslovenos, montenegrinos, macedônios e bósnios nem sempre foi de fair play. Em 1929, esses povos se agruparam num mesmo reino, chamado de Iugoslávia. Após a Segunda Guerra, ele se transformou numa república socialista liderada pelo herói nacional Josip Tito. Depois da morte do líder, em 1980, a instabilidade cresceu. Com a decadência final da União Soviética, na virada para os anos 90, as repúblicas iugoslavas se viram livres do domínio comunista e começaram a proclamar sua independência.
Em 1992, um ano depois de Croácia e Eslovênia, foi a vez da Bósnia-Herzegovina se declarar livre, em decisão apoiada por 99% da população num plebiscito. Os poucos sérvios que moravam no país se revoltaram contra o resultado. A Sérvia (que ainda era parte da Iugoslávia) resolveu então partir para o ataque, anexando as áreas da Bósnia habitadas por sua etnia – exemplo que foi seguido pela Croácia. As antigas rixas voltaram com toda a força. Católicos croatas, ortodoxos sérvios e muçulmanos bósnios se pegaram numa guerra civil que deixou 200 mil mortos. Verdadeiros massacres foram promovidos.
Pressionados pelos Estados Unidos e pela União Européia, os croatas suspenderam os ataques à arrasada Bósnia. Mas isso não significou o fim da guerra, pois, em março de 1994, eles mudaram de lado e passaram a lutar contra os sérvios. Em agosto de 1995, a Otan, organização das potências militares ocidentais, bombardeou posições da Sérvia, equilibrando as forças e facilitando a aceitação de uma proposta de paz. A guerra chegou ao fim em novembro e, no mês seguinte, foi assinado o Acordo de Dayton, que manteve as atuais fronteiras da Bósnia e dividiu o país em duas entidades semi-autônomas – uma sérvia e outra mulçumano-croata. A Iugoslávia deixou de existir oficialmente em 2002, passando a se chamar Sérvia e Montenegro.

México 5 x 4 Espanha
Foi uma longa partida. No primeiro tempo, disputado ainda na época da descoberta da América, os espanhóis golearam os mexicanos, conquistando a região com relativa facilidade e dizimando as populações nativas. Estabelecida a colônia, o resultado parecia definido. Mas no segundo tempo veio a virada mexicana. Ela começou na cidade de Dolores, na madrugada de 16 de setembro de 1810. Num encontro organizado pelo padre Miguel Hidalgo y Costilla, surgiram debates calorosos sobre a dominação espanhola – os mexicanos não tinham vez na política e eram governados por um punhado de galácticos vindos da Espanha.
Em 8 de dezembro, os conspiradores decidiram partir para o conflito armado, marchando em direção à capital, Cidade do México. No caminho, conquistaram, na base da vontade, alguns lugares estratégicos. Entretanto, durante um dos combates, o padre Hidalgo acabou capturado. Foi julgado pela Inquisição, condenado à morte por heresia e traição e fuzilado em julho de 1811.
Com a morte de Hidalgo, outro religioso assumiu a braçadeira de capitão do movimento: o sacerdote José María Morelos y Pavón. Ele convocou representantes de todas as províncias insurgentes para assinar, em novembro de 1813, uma declaração de independência. Seis meses depois, no entanto, as tropas rebeldes que cercavam a Cidade do México foram derrotadas. Preso, Morelos teve destino semelhante ao de Hidalgo – morreu fuzilado em dezembro de 1815.
Expulsos para longe da capital, os rebeldes perderam força. Para massacrá-los de vez, a coroa espanhola nomeou o hábil militar Agustín de Iturbide. Nascido no México, ele logo percebeu que, se vencesse, não teria chance de dividir o poder com os espanhóis. Para não ser deixado de escanteio, ele virou a casaca e se aliou aos rebeldes, que formaram um novo exército com milhares de pessoas. Em 24 de agosto de 1821, a coroa espanhola foi obrigada a reconhecer a independência mexicana.

C. do Marfim 0 x 0 França
Ex-colônia francesa, a Costa do Marfim se libertou pacificamente em 1960. Independente, chegou a ser um dos mais prósperos países da África – ainda hoje, é o principal produtor de cacau do mundo e um dos grandes exportadores de café. Se a rivalidade contra a ex-metrópole nunca chegou a se transformar em guerra, tampouco deixou de existir. Desde o início dos anos 90, quando houve uma queda mundial nos preços dos produtos agrícolas, a tensão aumentou. A economia marfinense entrou em crise e os franceses, que controlavam boa parte dela, se tornaram o foco principal do descontentamento popular.
A situação degringolou em 1993, com a morte do presidente Felix Houphouet-Boigny, que governara o país desde a independência. Seu sucessor, Aimé Henri Konan Bedié, foi derrubado em dezembro de 1999, num golpe dado por Robert Guei, ex-comandante das Forças Armadas. O país vivia uma profunda desagregação política: suas 60 etnias tinham pouca coisa em comum além do ódio contra os franceses.
Durante as eleições de 2000, o general Guei apelou para o tapetão: dissolveu a comissão eleitoral e se autoproclamou vencedor ao constatar que iria perder o cargo para Laurent Gbagbo. O povo saiu às ruas e, com o apoio de parte do Exército, conseguiu destituir Guei. Gbagbo assumiu a presidência, mas rebeldes e forças do governo seguiram se enfrentando em duras batalhas. A Organização das Nações Unidas e a França decidiram, então, enviar tropas para intermediar o conflito.
Em 2004, um ataque aéreo marfinense matou nove soldados franceses e feriu outros 31. A França retaliou destruindo toda a Força Aérea da Costa do Marfim – um catado de três caças e cinco helicópteros. Protestos contra a atitude tomaram as ruas de todo o país. Milhares de franceses foram expulsos de suas casas, em ações que incluíram estupros e assassinatos. Um cessar-fogo acalmou os ânimos e novas eleições foram marcadas para outubro de 2005. No entanto, novos conflitos na capital, Abidjan, impediram sua realização. Até hoje, o jogo continua suspenso.

Estados Unidos contra a rapa
Os americanos nunca foram muito bons no futebol. Já na guerra...
Dos 32 times que vão à próxima Copa, Inglaterra, México, Coréia, Japão, Itália e Alemanha já lutaram contra os americanos. E o retrospecto não é bom para nenhum deles. Os ingleses engoliram a independência dos Estados Unidos em 1776. No século 19, o México perdeu o Texas e outros territórios para os americanos. Já Itália, Alemanha e Japão foram esfolados na Segunda Guerra. Depois do fim desse conflito, em 1945, os americanos fizeram várias intervenções militares em terras estrangeiras, a ponto de serem chamados de “polícia do mundo”. “Essa idéia deriva da política externa americana, baseada em várias doutrinas nas quais eles assumem responsabilidades de países distantes”, afirma o professor de História Contemporânea Francisco Carlos Teixeira da Silva, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. A primeira dessas doutrinas foi a Truman, de 1947. Segundo ela, toda ameaça a países “democráticos” seria enfrentada pelos Estados Unidos. Exemplo disso foi a Guerra da Coréia: entre 1950 e 1953, os americanos apoiaram o sul do país contra as forças comunistas do norte – o conflito acabou dividindo o país em dois. Em termos de geopolítica, a partida mais tensa dos Estados Unidos na Copa seria contra o Irã (que pode ocorrer numa improvável semifinal ou final entre ambos). Os iranianos nunca lutaram diretamente contra os ianques, mas são sérios candidatos a sofrer um ataque. O presidente americano George W. Bush declarou que não descarta o uso da força para impedir que o país desenvolva sua tecnologia a ponto de poder fabricar armas nucleares. Essa é a essência da chamada Doutrina Bush: a “guerra preventiva”, em que eventuais ameaças são enfrentadas antes de se concretizar.

Aventuras na História n° 034

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