Thereza Venturoli
Entrevistamos Leonardo
momentos antes de uma sessão de O Código Da Vinci. O gênio não leu o livro que
deu origem ao filme. Nem entende por que suas pinturas ainda causam tanta
comoção.
Em seu tempo e sua terra – a Itália da segunda metade do
século 15 – Leonardo da Vinci foi o verdadeiro homem dos mil instrumentos.
Arquiteto, desenhista, pintor, escultor, engenheiro, inventor e anatomista,
dedicou-se a tantas áreas que poderia hoje manter sozinho um portal enciclopédico
na internet. Nascido no vilarejo de Anchiano, perto da cidade de Vinci, em
1452, Leonardo dominou como ninguém a arte de observar e representar a
realidade. Ele analisou o galope dos cavalos, estudou como a luz altera a
aparência de um objeto, abriu vísceras de cadáveres. Chegou até mesmo a
vislumbrar o futuro: projetou engenhocas que só se tornariam realidade séculos
mais tarde, como o helicóptero e o escafandro. Ainda assim, Da Vinci não previu
que, no início do século 21, serviria de pretexto para O Código Da Vinci,
best-seller de Dan Brown que chega agora às telas de cinema. Conversamos com o
velho mestre num café, enquanto ele aguardava para ver uma sessão do filme.
O que o senhor achou do livro O Código Da Vinci?LEONARDO DA VINCI – Não tenho opinião, pois não li. Não encontrei nenhum exemplar em latim e fiquei com preguiça de ler em italiano. E olhe que, mesmo que encontrasse uma edição em latim, eu levaria muito tempo para acabar o livro... Preferi assistir ao filme de uma vez.
Observar, aliás, é sua grande habilidade.
Sim, minha filha... Ver é tudo. Como eu costumo dizer, é
preciso saber ver. Sem aprender a ver não é possível descobrir as leis que
regem as forças e os movimentos que constituem tudo o que existe no mundo.
E o senhor sempre teve um talento excepcional para
reproduzir o que vê, não? O senhor se considera um gênio?
Sinceramente, sim. Mas minha época é pródiga em gênios na
arte de reproduzir a natureza. Na pintura, tinha o Michelangelo e o Rafael. Na
astronomia, tinha o Nicolau Copérnico, que observou tanto o céu que acabou
mudando a posição da Terra ao afirmar que era nosso planeta que girava em torno
do Sol, e não o contrário. Tutti buona gente. Agora, cá entre nós, depois que
restauraram o afresco da Capela Sistina, o Michelangelo, que eu prefiro chamar
de Mike, deu de ficar mais convencido ainda, tá se achando todo. Ah, fala
sério...
Ainda assim, com tantos talentos em volta, o senhor foi o
mais completo, que dominou mais áreas do conhecimento...
É o que eu sempre disse ao Mike: a diferença entre ele e eu
é que não passei a vida inteira só pintando ou esculpindo. Na verdade, pintei
pouco durante toda minha vida – tanto que hoje só sobraram umas 17 obras
completas. Não tinha tempo. Por outro lado, sempre fui curioso e gostei de
resolver problemas. Por falar em problemas, você tem se dado bem com esse
quebra-cabeça japonês que apareceu por aí, o Sudoku? Eu ando obcecado por
preencher aqueles esquemas com números. Mas o que eu gosto mesmo é de desmontar
motor de carro. Aliás, uma de minhas frustrações é ter nascido muito antes da
invenção do motor de combustão interna. Outra é não ter conseguido voar. Você
sabe, todas as engenhocas que inventei jamais saíram realmente do chão.
O senhor costumava trabalhar para militares. Não é irônico
que uma guerra tenha impedido a conclusão de uma de suas maiores obras, o
monumento a Francesco Sforza, em Milão?
Pois é. Passei 12 anos da minha vida construindo aquele
molde de argila imenso, de 5 metros de altura. Aí, com o molde pronto, na hora
de fundir o bronze, todo metal foi desviado para a fabricação de canhões. No
fim, até o molde ficou em ruínas. É o que eu digo: a elite sempre preferiu
investir na guerra e não na arte – uma escolha, aliás, de bom senso, já que os
saques rendem muito mais dividendos do que um retrato pendurado na parede.
O senhor deixou muitos projetos inacabados, incluindo
anotações em que largou uma frase no meio e jamais voltou a ela. Por quê?
Esse sempre foi meu problema. Minha cabeça fervilhava tanto
e eu ficava tão ansioso em dar forma às novas idéias que me vinham que acabava
largando os projetos no meio, louco para começar outro. Mas confesso ter
largado muitos deles por pura preguiça, mesmo.
Sobre os estudos de anatomia: o senhor não tinha um certo
receio de passar noites dissecando cadáveres?
Certo receio? Eu tinha era paúra. Era uma aflição terrível.
Ficava enjoado de ver o corpo por dentro, todo aquele sangue. Mas eu tinha de
trabalhar – e rápido, porque senão o corpo apodrecia. Para você ver o que se
faz pela ciência...
Uma pergunta inevitável: qual o segredo do sorriso de Mona
Lisa?
Dentes maltratados. Quando fui chamado a fazer o retrato,
convenci a dama a dar um leve sorriso – como, aliás, era sinal de boa educação
entre as mulheres da aristocracia naquela época. De resto, só porque brinquei
com alguns jogos de luz e perspectiva, vocês ficaram falando desse quadro por
cinco séculos.
Voltando ao romance O Código Da Vinci, há quem acredite que
n’A Última Ceia a figura que oficialmente corresponderia ao apóstolo João é, na
verdade, Maria Madalena. Isso é verdade?
Sim, aquela é mesmo Maria Madalena. Mas não existe nenhuma
mensagem secreta nisso. João tinha acabado de se levantar para buscar mais
vinho, pois Madalena tinha se cansado de servir de garçonete e o empurrou,
dizendo: “Agora é sua vez”. Por isso, Pedro, ali do lado, faz aquele gesto
ameaçador: estava tentando colocá-la de volta em seu devido lugar de mulher...
Calma, é brincadeira! Agora, o que eu não entendo mesmo é o que faz vocês
especularem tanto sobre A Última Ceia.
Aventuras na História n° 034
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