domingo, 16 de setembro de 2012

Theodore Roosevelt: No coração da selva


Luthero Maynard e Nicolas Farfel
Depois de fracassar nas eleições de 1912, o ex-presidente americano Theodore Roosevelt veio ao Brasil conhecer a floresta Amazônica. Enfrentou corredeiras, animais selvagens e ataques de índios. E quase não voltou para contar o que viu por aqui.

Presidente dos Estados Unidos entre 1901 e 1909, Theodore Roosevelt costumava dizer que enfrentar os desafios da vida era necessário para moldar um caráter firme. Se ele acreditava mesmo nisso, deve ter achado ótimas as eleições americanas de 1912 – pelo menos em se tratando de firmar o próprio caráter. Em busca de seu terceiro mandato presidencial, ele concorreu pelo Partido Progressista, pois estava rompido com seus ex-colegas republicanos. Em 19 de outubro daquele ano, foi vítima de um atentado cometido pelo imigrante alemão John Schrank: a bala disparada acertou o peito de Roosevelt, alojando-se perto do coração. Apesar de ferido, o ex-presidente seguiu em campanha. No mesmo dia, discursou apaixonadamente. Encerrou sua fala fazendo pouco da tentativa de assassinato, declarando que era “necessário muito mais para abater um touro”. A 6 de novembro, o resultado da eleição foi oficializado. O vencedor era o democrata Woodrow Wilson. O touro havia sido, finalmente, abatido. E, aos 55 anos, restou a Roosevelt abandonar a política.
A derrota nas urnas foi um duro golpe para aquele homem extremamente competitivo, a ponto de deixá-lo em depressão. O remédio para a melancolia veio do distante Brasil. Lauro Müller, ministro das Relações Exteriores do governo Campos Salles, chamou Roosevelt para participar de uma expedição pela Amazônia. O ex-presidente ficou extremamente animado com a idéia e aceitou o convite – segundo declarou à época, era a “última chance de ser novamente um garoto”. Na juventude, Roosevelt fora fracote e míope, mas tratou de superar as limitações físicas com muitos exercícios, adquirindo gosto pelo contato direto com a natureza.
O espírito aventureiro de Roosevelt era bem conhecido. Antes de vir ao Brasil, ele tinha participado, com o filho Kermit, de um safári de quase um ano na África. Foi em 1909, logo após deixar a Casa Branca (o nome da residência oficial do presidente dos Estados Unidos, aliás, foi dado por ele próprio). Devido à grande insistência de Edith, esposa de Roosevelt, Kermit também foi incluído na viagem pelo Brasil. No grupo havia ainda renomados cientistas do Museu de História Natural de Nova York, encarregados de pesquisar a fauna e a flora da floresta tropical.
Diante da resposta afirmativa do convidado, as autoridades brasileiras deram um tratamento especial à expedição. O renomado coronel Cândido Rondon, profundo conhecedor das matas e sertões brasileiros (veja quadro na pág. 51), aceitou participar dela, desde que lhe fosse conferida uma tarefa científica: navegar e mapear o rio das Dúvidas, descoberto por ele mesmo alguns anos antes, na Amazônia. O empreendimento foi então batizado de Expedição Científica Roosevelt-Rondon.
Em 12 de dezembro de 1913, Roosevelt desembarcou no Rio de Janeiro, de onde seguiu, por terra, para Corumbá, no Mato Grosso. Lá encontrou-se com membros de sua equipe que estavam em Buenos Aires e haviam navegado desde a capital argentina pelo rio Paraguai. A comitiva de americanos estava completa, somando 25 pessoas. Na cidade de Cáceres, ao norte, finalmente se encontraram com Rondon e sua equipe. De lá, a expedição navegou pelas águas do rio Sepotuba até a fazenda Taberapuã (no atual município de Tangará da Serra). No lombo de burros e em carroças puxadas por bois, atingiram a nascente do rio das Dúvidas, já em plena selva amazônica, no dia 27 de fevereiro de 1914. A essa altura, dois americanos haviam se separado da expedição para seguir rotas diferentes: enquanto o explorador Anthony Fiala foi até o rio Tapajós, o naturalista Leo Miller coletava espécimes no Ji-Paraná .
Essa seria uma aventura muito diferente das que Roosevelt havia vivido antes. No safári africano, a vida do ex-presidente não havia estado em risco em nenhum momento: o roteiro tinha sido planejado para que o percurso evitasse regiões completamente inóspitas. Já no Brasil, o desconhecido era a regra – e o perigo, iminente. A primeira dificuldade do percurso estava no leito do rio, lotado de pedras que, aos poucos, iam destruindo as embarcações. A forte correnteza era outro grande obstáculo. No meio do trajeto, o barco que transportava Kermit foi arrastado em direção a uma cachoeira, mas os hábeis remadores conseguiram controlá-lo antes de uma possível tragédia. Se Kermit foi salvo, o incidente com seu barco fez com que grande parte do suprimento de comida do grupo fosse perdida.
Com a escassez de mantimentos, todos, sem exceção, foram obrigados a racionar comida. A intensidade das chuvas e os constantes ataques dos índios cinta larga – conhecidos por serem canibais – dificultavam a prática da pesca e da caça. Apesar dos percalços, Roosevelt conseguiu se divertir. Em seu livro Nas Selvas do Brasil, ele narra com gosto a maior emoção vivida na viagem: abater uma onça pintada. O felino, uma fêmea adulta, foi tido como uma ameaça pelos membros da expedição. “Desse modo, atirei imediatamente, a uma distância de 60 metros, usando a minha espingarda favorita, uma Springfield pequena, com a qual já havia abatido muitas espécies africanas, desde o leão até o elefante”, escreveu. A bala, com ponta de aço, feriu profundamente a onça, que caiu da árvore em que estava e pôde dar apenas alguns passos antes de morrer. Ela foi servida em refeição naquele mesmo dia. “A propósito, devo dizer que sua carne, apesar de não ter sido convenientemente preparada para o jantar, demonstrou ser bem apetitosa”, disse Roosevelt.

Lei da selva
Diante da situação precária da expedição, Roosevelt e Rondon até que não brigaram muito no percurso. “Apesar das emoções e dos ânimos naturalmente acirrados devido às circunstâncias, é admirável como os dois conseguiram superar suas desavenças numa relação de cordialidade e respeito”, afirma o historiador Armando Dantas, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. O bom relacionamento foi estabelecido mesmo com barreiras de comunicação. “Eles só se falavam em francês, língua da qual ambos tinham domínio apenas razoável”, diz Dantas.
O principal momento de atrito entre os dois ocorreu quando um membro da expedição foi denunciado por roubar comida – a ordem era dividir rigorosamente todo o alimento. Desesperado, o infrator matou o companheiro que o havia delatado e fugiu, desaparecendo dentro da floresta. Roosevelt achava que o homem deveria ser perseguido, capturado e levado à justiça. Com muito esforço, Rondon explicou-lhe que, no meio da Amazônia, não era possível aplicar as leis da civilização. Aos poucos, o sertanista foi conquistando a admiração do americano – que posteriormente dedicaria a ele seu Nas Selvas do Brasil e o descreveria como um dos maiores exploradores de sua época.
Quando a viagem pela Amazônia completou um mês, a figura de Roosevelt havia se transformado drasticamente: com desidratação e disenteria, já tinha perdido nada menos que 30 quilos. Como se não bastasse, ao ajudar a recolocar sua canoa nas águas do rio das Dúvidas, o ex-presidente acabou ferindo uma das pernas numa pedra. Àquela altura, no início do mês de abril, o médico da equipe, José Antonio Cajazeira, quase não conseguia mais dar conta dos doentes. No caso de Roosevelt, a solução encontrada foi carregá-lo numa maca improvisada. De tão debilitado, ele já não podia mais caminhar.
Naquele estado, o americano se sentia culpado por atrasar a missão. Achava também que estava colocando a vida dos companheiros em perigo. Por esses motivos, decidiu ser abandonado à morte. Assim, pediu ao coronel Cândido Rondon e ao filho Kermit para que o deixassem no caminho e continuassem a viagem sem ele. Obviamente, esse suposto “último desejo” não foi atendido. Uma semana depois, com o auxílio do médico Cajazeira, Roosevelt estava recuperado. E, no fim de abril de 1914, após aproximadamente dois meses e 1 500 quilômetros de navegação, ele pôde ver a foz do rio das Dúvidas. Ali, no conhecido rio Madeira, a expedição finalmente atingia seu objetivo. E, para alívio de todos, apareceram vestígios de ocupação humana: casas de palha construídas por seringueiros.
Após visitar Manaus (onde se reencontrou com Fiala e Miller, sãos e salvos) e Belém, o ex-presidente retornou aos Estados Unidos. Em homenagem ao americano, Rondon sugeriu mudar o nome do rio das Dúvidas para Theodore Roosevelt, o que logo foi feito. Informado da honraria, o homenageado declarou que preferia a denominação antiga, por causa das incertezas e angústias que enfrentara no local.
Emprestar seu nome a um rio brasileiro, entretanto, cobraria de Roosevelt um preço muito alto. Ao retornar para os Estados Unidos, ele trouxe consigo muito mais do que a memória das aventuras amazônicas: havia contraído malária. Em carta escrita a um amigo, falando sobre sua saúde, disse que a selva havia “roubado dez anos” de sua vida. A doença tropical indubitavelmente contribuiu para a morte de Roosevelt, ocorrida cinco anos depois da viagem, em 6 de janeiro de 1919. Aos 60 anos, ele morreu em sua casa, na cidade de Nova York, enquanto dormia.
Em 1992, Tweed Roosevelt, bisneto e biógrafo do ex-presidente, veio ao Brasil para percorrer novamente o roteiro da Expedição Roosevelt-Rondon. Com meios modernos e seguros de transporte, navegou pelas águas que seu antepassado havia ajudado a mapear. Hoje, a extensão do rio Theodore Roosevelt encurtou um pouco (oficialmente, não vai mais até o Madeira). E, na fala dos habitantes atuais da região, ele é chamado simplesmente de “Teodoro”.

 Eternizado em pelúcia
Ursinhos ganharam o apelido de Roosevelt.
Nos Estados Unidos, a expressão Teddy bear (“urso Teddy”) é o nome genérico dado aos ursinhos de pelúcia. Por mais estranho que possa parecer, essa é uma homenagem a Theodore Roosevelt – conhecido justamente por cultivar a fama de durão. O brinquedo foi batizado assim durante o primeiro mandato do político na presidência. No fim de 1902, os estados da Louisiana e do Mississípi se envolveram numa disputa pela demarcação de sua fronteira. Roosevelt foi pessoalmente ao local e, após resolver o impasse, foi convidado a participar de uma caçada. Para garantir que a autoridade máxima do país não saísse dela de mãos abanando, um urso foi capturado e oferecido a ele para ser executado e levado como lembrança. Para surpresa geral, Roosevelt recusou-se a abater o animal, que já havia sido muito ferido por cães de caça. O fato foi presenciado por Clifford Berryman, cartunista do jornal Washington Post, que dedicou uma charge ao episódio. No dia 16 de novembro o desenho (abaixo) foi publicado, e a legenda enaltecia a atitude piedosa do presidente. O urso, batizado por Berryman de “Teddy” (numa referência ao apelido de Roosevelt), voltou a aparecer em muitas outras ilustrações feitas pelo cartunista. O personagem inspirou o imigrante russo Morris Michtom, dono de uma papelaria em Nova York, a produzir ursos de pelúcia e exibi-los na vitrine ao lado de uma cópia do Washington Post. Michtom manteve o nome Teddy, e o sucesso das vendas o levou a fundar a Ideal Novelty and Toys Company, hoje uma das maiores fábricas de brinquedos dos Estados Unidos.

Um guia de luxo
Rondon foi o grande desbravador do Brasil no século 20.
O nome do sertanista Cândido Mariano da Silva Rondon está no panteão dos maiores exploradores de todos os tempos. O reconhecimento oficial veio em 1914, quando a Sociedade Geográfica de Nova York o condecorou com o prêmio Livingstone, considerando seu trabalho o mais relevante conjunto de estudos em terras tropicais. O brasileiro teve seu nome perpetuado numa placa de ouro, dividindo a honraria com os americanos Robert Peary e Richard Byrd (exploradores do Pólo Norte e da Antártida, respectivamente), o norueguês Roald Amundsen (primeiro a atingir o Pólo Sul) e o francês Jean-Baptiste Charcot (que mapeou a península Antártica). Nascido em 5 de maio de 1865, em Mimoso, no Mato Grosso, Rondon formou-se em Engenharia e Ciências Naturais no Rio de Janeiro. Em 1894, já no Exército, ingressou para a Comissão Construtora de Linhas Telegráficas, cujo objetivo era promover a integração do território nacional. Em quase duas décadas, cruzou mais de 1 600 quilômetros de sertões e quase 2 mil quilômetros de florestas inexploradas instalando postes de comunicação. Rondon abriu novos caminhos, mapeou regiões desconhecidas e, o mais importante, estabeleceu relações pacíficas com muitas etnias indígenas – ele próprio era descendente de índios. Esse contato próximo o levou a criar, em 1910, o Serviço de Proteção aos Índios, órgão oficial destinado a demarcar territórios exclusivos para esses povos. Assim, conseguiu criar reservas para povos como os bororos e os terenas. Em 1939, recebeu do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) o título de “Civilizador dos Sertões”. Em 1956, o Congresso Nacional conferiu ao militar o título de marechal, além de homenageá-lo mudando o nome do então território de Guaporé para Rondônia. Rondon morreu em 19 de janeiro de 1958, aos 92 anos.

Três um um
A expedição se dividiu para realizar tarefas distintas.
I. Roosevlet e Rondon mapearam o rio das Dúvidas
II. Leo Miller coletou animais no Ji-Paraná e no Madeira
III. Anthony Fiala explorou os rios Papagaio, Juruena e Tapajós

Eternamente selvagens
Roosevelt achou o Brasil moderno. Só falta convencer os outros americanos.
Ao visitar o Brasil, o ex-presidente americano ficou admirado com o “quase assombroso desenvolvimento do Brasil”. O que chamou mais sua atenção foram as cidades de Manaus e Belém: graças ao comércio da borracha, eram ilhas de progresso em plena região amazônica. Sobre a primeira, ele escreveu: “Sessenta anos atrás, era simplesmente um aglomerado de cabanas ocupadas por índios e alguns cidadãos da classe mais pobre do país. Atualmente é uma grande, bela e moderna cidade”. Sobre a segunda, Roosevelt foi ainda mais enfático: “Não é apenas uma cidade bonita: as docas, o serviço de pesca, os armazéns, as lojas e casas comerciais, tudo isso reflete a solidez de seu comércio. É tão asseada, saudável e bem policiada como qualquer outra cidade do mesmo tamanho na zona temperada do norte”. Os comentários estão em Nas Selvas do Brasil, livro escrito por ele com as memórias da viagem e publicado em 1914. Cerca de 90 anos depois que Roosevelt registrou essas impressões, entretanto, os americanos continuam se deliciando em mostrar o Brasil como um país selvagem. Em 2002, um episódio do desenho animado Os Simpsons mostrou Homer e família passando férias no Rio de Janeiro. Encontraram uma cidade em que macacos circulavam livremente no meio da população. Escrachar diversas culturas e países (a começar pelos Estados Unidos) é um hábito antigo de Matt Groening, o criador do seriado. Mesmo assim, a viagem dos Simpsons desagradou até o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que, na época, repudiou publicamente esse “retrato errôneo”. É de se imaginar a impressão que ele teria se visse filmes como Bem-Vindo à Selva, de 2003. Ambientado na Amazônia, mas filmado no Havaí, traz de índios capoeiristas a macacos babuínos (espécie que só existe na África). O herói, interpretado pelo grandalhão The Rock, está em busca da estatueta de uma divindade local chamada, em bom espanhol, de El Gato. É de chorar.

Aventuras na História n° 033

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