terça-feira, 31 de julho de 2012

Pesos e Medidas: As dimensões do Metro

Uma das mais antigas criações humanas, os pesos e as medidas surgiram para facilitar o comércio primitivo. Depois, ajudaram a conhecer o mundo.

Paris, 25 de junho de 1792. Por ordem da Academia Francesa de Ciências, uma equipe de respeitáveis físicos, astrônomos e agrimensores deu início a uma tarefa nascida do mesmo espírito racionalista que iluminara a Revolução de 1789. Naquela manhã de verão, eles se puseram em campo para medir a distância entre Barcelona, no nordeste da Espanha, e Dunquerque, noroeste da França, correspondente a um arco do meridiano que passava por Paris. O que se pretendia era encontrar uma base objetiva para definir cientificamente uma unidade a partir da qual fosse possível estabelecer um conjunto de medidas aceito por todos. O novo sistema, fundamentado no metro surgiu para pôr fim à colossal confusão de pesos e medidas fixados com mais do que razoável margem de arbítrio e que representavam um estorvo de proporções crescentes para a vida de toda gente na Europa em expansão econômica.
Essa confusão vinha de muito longe e a História do Ocidente registra mais de uma tentativa de pôr ordem na casa das dimensões utilizadas pelo homem para funcionar no mundo. O imperador Carlos Magno, no século VIII, e o rei inglês João Sem Terra, no século XIII, foram duas cabeças coroadas que se preocuparam com o assunto, baixaram decretos e instituíram medidas, cuja imprecisão, vista pelos olhos atuais, chegava a ser cômica. De fato, de tal maneira o homem incorporou à vida diária as unidades (de comprimento, massa, volume, principalmente), como parâmetros constantes e portanto confiáveis, que parece impossível conceber a civilização, e quem sabe a própria existência humana, dissociada do ato de medir e pesar. Quando as primeiras comunidades começaram a dispor de excedentes alimentares, nasceu o comércio primitivo, o sistema de trocas. Este exigia que se fizessem comparações - a forma básica de avaliar grandezas.
Ora, para realizar essas comparações, era necessário naturalmente um ponto de referência estabelecido de comum acordo. O homem primitivo logo deve ter-se dado conta de que dispunha de uma referência capaz de ser aceita sem resmungos por seus semelhantes - o próprio corpo. Assim, a mão e o pé foram adotados como as unidades inaugurais de comprimento. Há 25 séculos, um filósofo grego de nome Protágoras afirmou que "o homem é a medida de todas as coisas", querendo com isso coroar a importância absoluta que conferia aos humanos na ordem universal. A expressão, pelo visto, também ilustraria o antiqüíssimo costume humano de buscar em si mesmo os padrões para cotejar grandezas.
A criação do sistema métrico consistiu precisamente em atirar essa tradição à lata do lixo da História, não porque os cientistas e filósofos franceses dos séculos XVII e XVIII repudiassem o humanismo - muito ao contrário -, mas porque se deram conta de que o humanismo seria melhor servido por um sistema de pesos e medidas que pudesse ser aceito com naturalidade por todos os homens, sem distinção.
Não só as primeiríssimas unidades de comprimento mas também as de peso fundamentaram-se no corpo humano. No caso do peso, supõe-se que o homem comparava o que ele mesmo conseguia carregar com a capacidade de carga de um animal. Como o sistema não primava exatamente pelo conforto, foi descartado no devido tempo em favor de uma referência mais racional - um recipiente. O desdobramento lógico foi a balança, cuja invenção, 5 mil anos antes de Cristo, parece ter antecedido em dois milênios a das unidades de peso, originárias do Egito e da Mesopotâmia (parte do atual Iraque). O mais antigo padrão de medida linear - que originou medidas de área e volume - também foi concebido no Egito, por volta de 3000 a.C. Era o côvado, baseado no comprimento do braço, desde o cotovelo até a ponta do dedo médio. O submúltiplo básico era o dígito, como o nome sugere, da largura de um dedo. O côvado que os egípcios usavam como padrão era um bloco de granito negro de 52,4 centímetros de comprimento, subdividido em 28 dígitos.
Estes, por sua vez, eram divididos em até dezesseis partes - cada uma dedicada a uma divindade. Conforme hieróglifos da época, a padronização do côvado se deve ao faraó Anemenés I, que reinou entre 1991 e 1962 a.C. A precisão das barras de um côvado como unidade de medida pode ser atestada até hoje: após 4 500 anos de sua construção, os lados da pirâmide de Quéops variam apenas 0,05 por cento da largura média de 230 metros. Devido à inundação anual do rio Nilo, os agricultores egípcios desenvolveram métodos e instrumentos específicos para medir suas terras, baseados nas cheias. Eram feitas marcas nas margens dos rios, provavelmente com pedras. Quando as águas recuavam, os limites das propriedades podiam ser prontamente restabelecidos. As medidas agrárias originaram também uma atividade curiosa: a dos esticadores de corda. Esses agrimensores primitivos mediam as plantações com cordas graduadas com nós, cada nó valendo 2 côvados. A Babilônia, que ficava no sul do atual Iraque, e cuja civilização alcançou o apogeu entre os séculos VI e VII a.C., também gerou um rol de medidas. A mais antiga unidade babilônica era a mina, padrão de peso, que variava entre 500 e 600 gramas.
Um milênio havia transcorrido quando Carlos Magno, além de unificar as terras cristãs da Europa Ocidental, tentou uniformizar as medidas. Instituiu, entre outras coisas, a libra esterlina (350 gramas) para distingui-la dos padrões não-oficiais. A palavra esterlina vem do inglês medieval steorra, estrela. Por isso, a libra padrão de Carlos Magno trazia a gravura de uma estrela em alto-relevo. Não consta, porém, que tais padrões gozassem de popularidade comparável a uma medida da Antiguidade, campeã absoluta a seu tempo - por motivos óbvios. Era o velho pé, pous em grego. O matemático Pitágoras, que viveu no século VI a.C., observou que os estádios de várias cidades da Grécia eram todos divididos em 600 pés. Dai surgiu outra medida - o estádio, equivalente a 600 pés, como se os brasileiros adotassem o Maracanã, igual a 110 metros. Os romanos, que conquistaram a Grécia em 146 a.C., dividiram o pé grego em 12 onças (unciae) ou polegadas (polex), usando a mesma subdivisão para o peso - cuja unidade era a libra (cerca de 325 gramas).
Depois dos ensaios unificadores de Carlos Magno com sua libra estelar, quatro séculos se passaram até que um monarca europeu fizesse algo para disciplinar a balbúrdia das dimensões utilizadas pelos mortais comuns. O rei inglês João Sem Terra, o mesmo que em 1215 assinou a Magna Carta - a primeira declaração de direitos e deveres surgida na Europa -, anos mais tarde baixou um decreto chamado Padrão de Pesos e Medidas. O decreto foi tão bem aceito que vigorou quase seiscentos anos; seu problema era a imprecisão das medidas. A jarda real, por exemplo, unidade de comprimento, media três pés, "nem mais nem menos", como dizia o decreto. Interpretar a lei devia ser uma dor de cabeça, pois, é óbvio, os pés variam de pessoa para pessoa. Naqueles tempos, o pé real era, evidentemente, o pé do rei. Assim, a cada novo soberano, mudava o pé padrão e, consequentemente, todas as outras unidades derivadas.
No século XVII, cientistas europeus tentaram desenvolver um sistema racional e uniforme de pesos e medidas, para acabar com a desordem medieval - que atrapalhava, entre outras coisas, a incipiente comunicação científica. Em 1670, Gabriel Mouton (1618-1694), matemático e vigário da paróquia de São Paulo,em Lyon, na França, propôs um sistema baseado num padrão universal e invariável: a própria Terra. Era a primeira vez que alguém deixava de lado o homem no mundo das medições. A idéia era simples: medir a distância do equador ao pólo norte, através do meridiano que passa por Paris; um décimo de milionésimo daquela distância seria o metro (do grego metron, medida), com múltiplos e submúltiplos decimais. Esses múltiplos seriam criados a partir dos prefixos numéricos gregos, como kilo, mil, e centi, cem.
A proposta de Mouton, embora revolucionária, serviu apenas para mais de um século de discussões acadêmicas, porque o absolutismo político reinante na Europa não acolhia de bom grado novas idéias. Somente a Revolução Francesa de 1789 possibilitaria o ambiente político propício para um modelo que rompesse com os padrões da Idade Média. Em 1790, o influente pensador Charles-Maurice de Talleyrand (1754-1838) recomendou que a Academia Francesa de Ciências reformulasse os padrões de medida vigentes no país.
Para tanto, a Academia criou um comitê com as melhores cabeças da época, entre as quais o pai da Química moderna, Antoine-Laurent Lavoisier (SI nº 8, ano 3). Ele foi incumbido de calcular o peso de um volume conhecido de água, para determinar a unidade de massa. Em 1792, a Academia ressuscitou as idéias de Gabriel Mouton e mandou medir o meridiano de Paris. Nesse mesmo ano, uma equipe de físicos, astrônomos e geodesistas iniciou os trabalhos. Eles mediram a distância entre Barcelona e Dunquerque. Isso porque, para medir o segmento de meridiano era preciso escolher um arco, ou seja, um pedaço do quadrante. O arco entre Dunquerque e Barcelona ocupa 9,5 graus do quadrante. Como um quarto de circunferência tem 90 graus, calcula-se por extrapolação astronômica o comprimento total. Os pontos extremos desse arco básico não foram escolhidos ao acaso: Dunquerque e Barcelona ficam ao nível do mar, o que facilitou a medição.
Além disso, como a Terra não é perfeitamente esférica, os meridianos têm forma de elipse. A maior curvatura encontra-se no equador; a menor, nos pólos. Por essa razão, os graus da subdivisão dos meridianos aumentam do equador para os pólos. Escolhendo-se uma parte da Europa, entre a França e a Espanha, próxima ao paralelo 45 - que indica a distância ao equador -, fica-se num meio termo. Dessa forma, tornava-se mais fácil calcular o valor médio de um dos noventa graus que dividem o quadrante todo. Com esse método, os cientistas chegaram a 5 130 740 toesas, unidade dos tempos de Carlos Magno, ou aproximadamente 10 mil quilômetros - com uma margem de erro de 0,023 por cento, segundo medições recentes. Dividindo esse valor por 10 milhões, como sugerira o bom vigário Mouton, chegou-se ao metro, um padrão constante como o tamanho do planeta que lhe deu origem.
Em junho de 1799, finalmente, o metro padrão, uma barra de platina, foi apresentado à Assembléia Nacional, que oficializou o chamado sistema métrico na França. Os outros padrões foram calculados a partir do metro. O grama, unidade básica de massa, era igual à massa de 1 decímetro cúbico de água pura, à temperatura de sua maior densidade (4º C). Depois, um cilindro de platina, conhecido como Quilograma dos Arquivos, foi declarado padrão para 1000 gramas. O litro foi definido como o volume equivalente ao de um cubo com 10 centímetros de lado - um decímetro cúbico. Também foi definida a unidade de área, o are, igual a um quadrado com 10 metros de comprimento.
O sistema métrico acabou conquistando toda a Europa, não só por ser mais prático e lógico mas na esteira das vitórias militares de Napoleão Bonaparte. Napoleão ainda permitiu o uso do sistema antigo na França. Mas as vantagens do sistema métrico prevaleceram e, em 1840, ele foi declarado o único sistema legal do país - o que de novo ajudou a espalhar o metro pelo mundo. Trinta e cinco anos depois, tornou-se oficial também no Brasil. Os países anglo-saxões resistiram muito mais à inovação gaulesa. A Inglaterra só em 1963 decidiu abandonar legalmente o sistema antigo de polegadas, libras e galões - mas ainda hoje a libra-moeda, decimalizada, compra não 1 quilo de carne, mas 2,2 libras-peso.
A unificação da Europa, prevista para 1992, deverá apressar o fim dessa dualidade. Em consequência, até os renitentes americanos terão de aceitara hegemonia do metro, em última análise, para não perder dinheiro. O engenheiro José Carlos de Castro Waeny, do Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo, vai mais longe:"Todo progresso científico e tecnológico está amarrado ao progresso dos sistemas de medidas".

Metro, quilo e segundo, hoje
Os padrões de medidas criados no século XVIII não tinham a precisão exigida pela ciência atual. Por isso, uma convenção formulou, em 1960, o novo Sistema Internacional de Medidas, conhecido como SI. (Mais tarde, em 1983, a 17ª Conferência Geral de Pesos e Medidas alterou a definição do metro padrão internacional.) Suas unidades básicas são:
Comprimento: metro. Definido como o comprimento do trajeto percorrido pela luz, no vácuo, durante um intervalo de tempo de 1/299 792 458 de segundo.
Massa: quilograma. O padrão é um cilindro de platina iridiada, depositado no Escritório Internacional de Pesos e Medidas, em Sèvres, na França.
Tempo: segundo. A duração de 9 192 631 770 ciclos de uma determinada radiação de transição (mudança de nível energético) do átomo de césio.

No Brasil varas, onças e jeiras.
O Brasil, no tempo da colônia e mesmo no Império, tinha um sistema de medidas muito confuso e diversificado. O comprimento, por exemplo, era medido em palmos, côvados, varas, braças e léguas; o peso (ou a massa) em libras, onças e quintais; a área, em jeiras e alqueires. Em 1862, dom Pedro II determinou a adoção do sistema métrico decimal. Em 1875, o Brasil foi um dos vinte países que assinaram, em Paris, o Tratado do Metro, ratificando o uso oficial do novo sistema. Apesar do pioneirismo, o sistema métrico não é absoluto no país até hoje.
Tintas e solventes industriais, por exemplo, são geralmente vendidos não em litros, mas em latas de 1 galão (4,54 litros, padrão inglês, ou 3,78 litros, padrão americano); barras de ferro e tubulações para a construção civil são comercializados não em centímetros, mas em polegadas (2,54 cm); e, como todos sabem, os calibradores de pneus dos postos de gasolina expressam a pressão em libras-força por polegada quadrada - normalmente conhecida apenas por libras, quando a unidade oficial de pressão é o pascal. Se ela fosse usada, em vez de pedir ao frentista que deixasse os pneus com 26 libras, o motorista falaria em 169 quilopascals (kPa).
Sérgio Ballerini, diretor do Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro), nota que "o problema está na estrutura educacional brasileira, pois até mesmo nas faculdades se ensina a medir em polegadas". Embora o Inmetro possa aplicar pesadas multas aos que não usam o sistema métrico, Ballerini prefere, pessoalmente, investir na conscientização. Assim,diante de recentes anúncios de refrigerantes; que apregoavam as vantagens de seus "litrões" e "superlitros", o Inmetro limitou-se a mandar cartas de advertência aos fabricantes.

Revista Super Interessante n° 024

Qual a origem dos símbolos do homem e da mulher?

Jheovah R. Lopes

A origem desta convenção está na mitologia grega. O círculo encostado à cruz era o espelho de Afrodite (Vênus), símbolo da mulher, O círculo com uma flecha dirigida para o alto representa o escudo e a lança de Áries (Marte), o homem. A lenda diz que, quando o deus Cronos (Saturno) castrou seu pai, Urano, para lhe tomar o poder, jogou seus genitais ao mar. E do mar nasceu Vênus, deusa do amor. Esposa de Hefestos (Vulcano), ela o traiu com Marte, deus da guerra, de quem passou a representar a antítese.
Revista Super Interessante n° 024

Sífilis: Doença viaja por culpa de Colombo

Antropólogos desconfiam que a bactéria da sifílis é de origem americana.

Será que a sífilis sempre existiu em toda parte ou foi importada da América? Um estudo de antropólogos americanos sobre a origem dessa doença venérea reforça a segunda hipótese. A idéia de que a bactéria de sífilis, causadora de lesões fatais, infectou os antepassados do homem ao longo da evolução, sendo comum, portanto em todas as primitivas populações humanas, não se reflete na comparação de esqueletos, baseada nas inconfundíveis marcas que a doença deixa no crânio e nos ossos da perna. Os sinais aparecem em restos de homens que viveram há cerca de 4 mil anos na América do Sul. No velho mundo europeu, porém, não há marcas do mal em ossos de épocas anteriores a 1492 – mais do que coincidência, crêem os antropólogos, o ano em que a tripulação do genovês, Cristóvão Colombo descobriu a América.
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Mal de Parkinson: O olhar clínico de Leonardo da Vinci

Leonardo da Vinci pode ter sido o primeiro homem a identificar uma devastadora moléstia, conhecida hoje como Mal de Parkinson.

Lendo com atenção as copiosas anotações deixadas pelo supercriativo Leonardo da Vinci (1452-1519), pesquisadores ingleses descobriram mais um motivo para se tirar o chapéu ao genial artista e inventor. Ele teria sido o primeiro a identificar, como próprios de uma doença específica, os sintomas da devastadora moléstia conhecida desde 1917 como mal de Parkinson. De fato, numa das 6 mil páginas de notas sobre o tema tão diversos como Balística e Botânica, Da Vinci registrou: “O problema aparece claramente nos paralíticos, cujas mãos, braços e cabeça se movem sem a permissão do espírito, que, com toda a sua força, não impede a tremedeira”. Embora esteja longe de ser uma descrição completa da doença, o texto sugere que aos olhos atentos de Da Vinci não escapou a combinação peculiar dos tremores com a enorme dificuldade de movimentos, quase uma paralisia, característica do mal de Parkinson, que nos primeiros estágios costuma se confundida com o processo normal de envelhecimento.
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Observatórios primitivos na Itália

Ronaldo Rogério de Freitas Mourão

Os observatórios primitivos italianos serviam para orientar os antigos a determinar a entrada das estações do ano e, ainda, como abrigo em tempos de guerra.
Em 1987, ao estudar os monumentos típicos da região do Alto Adige, no norte da Itália, o astrônomo Edoardo Proverbio encontrou indícios de que eles teriam sido usados como observatórios solares. Dois em particular (um na colina de Joben e outro em San Pietro di Fie) estão nitidamente orientados em relação ao Sol. Assim, supõe-se que os antigos habitantes daquelas paragens determinavam com relativa precisão o inicio das estações e montavam seu calendário. Essas modificações, chamadas castellieri, se encontram por toda a Itália, mais especialmente na região alpina. São ruínas de terra batida, de forma mais ou menos circular, às vezes elípticas ou mesmo romboidais, que alcançam de 2 a 4 metros de altura e se estendem por 200 a 300 metros.
Do ponto de vista arqueológico, pouco se sabe sobre esses observatórios primitivos, pois até hoje continuam pouco estudados. E as perspectivas não são promissoras, já que eles vêm sendo lentamente destruídos por tratores que recuperam terras para a agricultura ou mesmo para erigir novas construções. Feitos com pedras grosseiramente talhadas e superpostas sem qualquer tipo de argamassa, eles se assemelham a fortificações, cercados por muralhas altas e espessas, algumas vezes rodeados por fossos. Tais características levaram especialistas a supor que em tempos de guerra serviam de abrigo às populações vizinhas.
Como alguns desses monumentos foram usados como bases militares durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) graças à sua posição estratégica, foram praticamente destruídos, particularmente na região de Triste. Os arqueólogos acreditam que os castellieri datam de diversas épocas a partir da Idade do Bronze (que em lugares do mundo começou por volta de 3000ª C.). Nas áreas que circulam as muralhas desses monumentos (espécies de praças), foram descobertos traços de habitações, como cabanas de forma circular feitas de pedra. Ali também existem grutas que podem ter sido usadas como local de cultos religiosos. Além dos castellieri, encontram-se com frequência nos campos de Veneza e Friuli pequenos montículos, chamados tumulus (que quer dizer sepulturas). Eles também são de terra batida, geralmente de forma cônica, têm entre 5 e 10 metros de altura e sua base se estende por um raio de 10 a 25 metros.
Como os castellieri, também devem ter servido como abrigo e observatório, As ruínas dos castellieri de Joben, próximo a San Paolo d´Appiano – 16 quilômetros ao sul da cidade de Bolzano –, situam-se no meio de um bosque de pinheiros. Os grandes blocos de pedra, com dimensões diversas, em forma de paralelepípedo, lhe dão o aspecto de uma fortaleza. Tais blocos se distribuem mais especificamente do lado leste, onde se situa um longo corredor. Os lados oeste e norte limitam-se com uma encosta em declive, e o lado sudoeste, por um largo fosso. Vista em seu conjunto, a construção forma uma grade elipse. O que mais impressiona é o corredor bem conservado na extremidade sul, 27 metros de comprimento por 2 de largura. No meio desse corredor há um pequeno muro onde começa um corredor interno. Ali, em tempos pré-históricos, havia uma fenda, que devia ser usada para observações.
Ao fim desse corredor interno, na direção sudoeste, a muralha se alarga, como se fosse um altar. Cálculos realizados por pesquisadores permitiram determinar que tanto o corredor externo quanto o altar estão orientados astronomicamente para s pontos do horizonte onde o Sol nasce em 21 de março e 22 de setembro, ou seja, nos equinócios (na Europa) de primavera e outono Já o corredor interno se orienta para o ponto onde o Sol nasce em 22 de dezembro, o solstício de inverno. Essas datas costumavam ser festejadas com cerimônia em que agricultores e pastores pediam que a vlta do Sol fosse favorável ás colheitas e, indiretamente, à vida.

EVENTOS DO MÊS
A posição dos planetas
Não é muito difícil reconhecer os planetas no céu, já que não cintilam como estrelas. Para quem quiser observá-los no mês de setembro, o melhor caminho será localizá-los em relação á Lua. Em 3 de setembro, Vênus estará ao norte; em 4 de setembro, Saturno também estará ao norte; e, em 22 de setembro, Júpiter estará ao sul. A posição dos planetas será assim:
Mercúrio: após seu máximo afastamento angular do Sol, em 29 de agosto, será visível como astro vespertino – logo depois do pôr-do-sol –, do lado poente, próximo do horizonte, até 18 de setembro (magnitude + 0,5).
Vênus: será visível como astro vespertino – depois do pôr-do-sol –, do lado a oeste. Em 6 de setembro, Vênus estará mais próximo ao norte de Spica, a estrela mais brilhante da constelação de Virgem (magnitude -3,6).
Marte: em conjunção com Sol estará praticamente invisível. Júpiter: será visível na constelação de Gêmeos, como astro matutino, do lado leste (magnitude – 1,8).
Saturno: pode ser visto na constelação de Sagitário como astro vespertino (magnitude 0,6).
Urano: visível na constelação de Sagitário como astro vespertino (magnitude 5,0).
Netuno: também visível na constelação de Sagitário como astro vespertino (magnitude 8,0).
Plutão: os amadores poderão tentar localizá-lo com telescópios de diâmetro superior a 20 centímetros de abertura. Como astro vespertino será visível na constelação de Virgem.

O cometa Brorsen-Metcalf
Entre os doze cometas periódicos cujo retorno estava previsto para 1989, o mais interessante deles, o Brorsen-Metcalf, poderá ser visto no mês de setembro: tanto por astrônomos amadores como pelos possuidores de pequenas e modestas lunetas, que após a passagem do Halley ficaram abandonadas à espera de um novo cometa. Será a terceira aparição desse astro desde que foi descoberto, em julho de 1847, pelo astrônomo dinamarquês Theodor Brorsen. Munido de um pequeno telescópio no Observatório da Universidade de Altona, em Hamburgo, Alemanha, Brorsen observou o cometa na constelação de Áries (Carneiro), como astro de tênue e difusa luminosidade. Em agosto de 1919, Joel Metcalf, astrônomo americano, observou o que logo foi chamado de Metcalf. Mas, em outubro daquele ano, outro astrônomo americano, Armin O. Leuschner, concluía que o Metcalf era o cometa de Brorsen.
As previsões sobre sua aparição este ano, baseadas nas duas anteriores, são incertas, mas os astrônomos esperam obter grande quantidade de dados sobre o movimento nos próximos meses. Em setembro, o cometa se dirigirá para sudeste através de Lynx (Lince), Leo Minor (Leão menor) e Leo (Leão). O brilho máximo que ele alcançara será a magnitude 6, na constelação do Leão, a 26 de setembro. Neste momento, o Brorsen-Metcalf estará nascendo pouco antes do início da aurora e daí em diante seu brilho vai decrescerem 15 de outubro alcançará a oitava magnitude; em 15 de novembro, a décima segunda; e em 15 de dezembro, a décima quinta.

Revista Super Interessante n° 024

Gutenberg: Primeiras Impressões


Um ourives curioso e intelectual inventa na Idade Média a prensa tipográfica, porta para o moderno mundo da difusão do conhecimento.
O ano do nascimento é incerto. De sua vida pouco se sabe, pois são raros os documentos que contam sua história. Nem poderia mesmo haver um extenso registro escrito sobre um homem que viveu na Idade Média, quando ler e escrever era privilégio de minorias, ainda que ele fosse o responsável por uma invenção que tornou a palavra escrita acessível a todos e assim ditou os caminhos por onde passaria a cultura humana. Afinal, somente depois que Johannes Gutenberg inventou a prensa tipográfica, as informações e o conhecimento começaram a ser divulgados de forma sistemática. Seu invento permaneceu o mesmo praticamente por quatro séculos. Hoje, ainda que ultrapassado tecnologicamente, sobrevive enquanto idéia, sempre onde houver palavras impressas sobre papel.
Johannes Gensfleisch nasceu entre 1395 e 1400 em Mainz, às margens do Reno, no coração da Alemanha. Conhecido por Gutenberg, o sobrenome de sua mãe, era filho de uma família de burgueses, uma classe que despertava na estrutura social da época, prosperando no comércio e nas incipientes indústrias. Na Alemanha daqueles tempos de ocaso medieval, a burguesia já ousava contestar o poder dos nobres - e a contestação se dava por disputas armadas. Mas a infância e a adolescência de Gutenberg transcorreram em tempos de trégua e paz. Por volta de seus 20 anos, porém, novas disputas entre nobres e burgueses o forçaram a deixar a já não tão pacata cidade natal e o jovem culto e bem-educado foi parar em Estrasburgo, cidade na fronteira franco-alemã, que viria a fazer parte da França.
Interessado pelas ciências e pelas artes, Gutenberg gostava também de pedras preciosas e delas fez seu ofício, tornando-se joalheiro e ourives. Em 1437, em plena atividade, em Estrasburgo, foi chamado à Justiça por uma senhorita de nome Ana Isernen Thur. Motivo: Gutenberg lhe havia prometido casamento e a moça resolveu cobrar a promessa. O ourives não fugiu ao compromisso e casou-se com Ana. Empobrecido, Gutenberg se ocupava da feitura de finas jóias, mas não podia fazer o que adorava - ler e estudar. Os livros confeccionados a mão eram caros demais e Gutenberg não tinha condições de pagar por eles.
Naquela época, copiar um livro era um trabalho fenomenal. Levava tanto tempo que só os monges nos conventos podiam passar dias executando essa tarefa - em latim, é claro. Por isso, os assuntos das obras eram quase sempre religiosos. O gênio inventivo, mas carente de recursos, de Gutenberg não se conformava e imaginava um meio de produzir grandes quantidades de livros de forma muito mais rápida, para que qualquer pessoa alfabetizada pudesse ler sobre qualquer assunto. A impressão propriamente dita já existia; ele só teve de usar a cabeça para juntar várias técnicas e criar a imprensa - algo tão simples quanto o ovo em pé, de Colombo.
A história da impressão sobre papel começara na China, no final do século II da era cristã. Os chineses sabiam fabricar papel, tinta e usar placas de mármore com o texto entalhado como matriz. Quatro séculos depois, o mármore foi trocado por um material mais fácil de ser trabalhado, o bloco de madeira. Os mais antigos textos impressos que se conhecem são orações budistas. Foram feitos no Japão entre os anos 764 e 770; o primeiro livro propriamente dito de que se tem notícia apareceu na China em 868. O desenvolvimento da escrita deu novo salto no século XI graças a um alquimista chinês, Pi Cheng, que inventou algo parecido com tipos móveis - letras reutilizáveis, agrupadas para formar textos.
Mas por alguma razão ignorada o invento não prosperou e desapareceu junto com seu inventor. Até essa época, a Europa só conhecia da tipografia o papel. No século VIII, os chineses começaram a distribuí-lo como mercadoria no mundo árabe. A técnica de fabricação foi revelada aos árabes por prisioneiros chineses. Daí até o século XIII as usinas de papel proliferaram de Bagdá, no atual Iraque, à Espanha, então sob domínio mouro. Mas o manual de instruções não veio junto - ou seja, o processo tipográfico permaneceu firmemente guardado em mãos chinesas. Somente no fim do século XIV se desenvolveram por ali a xilografia, impressão com matriz de madeira, e a metalografia, com matriz de metal. Um rudimento de impressão de textos por xilografia apareceu com um holandês de nome Laurens Coster, mas a qualidade final era tão ruim que a inovação virou letra morta.
Tal qual os chineses, a Europa já conhecia no princípio do século XV o papel, a tinta e a matriz. Faltava apenas uma idéia por assim dizer luminosa que juntasse isso tudo num só equipamento. É quando entra em cena Johannes Gutenberg, o ourives culto e curioso. Ao que consta, as primeiras idéias sobre imprensa lhe ocorreram quando observava um anel com o qual os nobres selavam documentos, neles imprimindo o brasão da família. Esse anel tinha o brasão escavado em metal ou pedra preciosa e deixava uma impressão em alto-relevo sobre o lacre quente. Gutenberg achou que o mesmo princípio serviria para imprimir letras, mas logo viu que o método deveria ser posto de cabeça para baixo: em vez de escavada num bloco de madeira, a parte que serviria para imprimir deveria ficar em alto-relevo.
Foi assim que ele imprimiu várias imagens de São Cristóvão e, como bom católico, as levou ao bispo de Estrasburgo. O bispo não podia imaginar como o ourives conseguira tantas imagens iguais, já que seus monges levavam muito tempo para desenhar apenas uma. Gutenberg, fazendo segredo de seu invento, saiu da conversa  carregado de encomendas de imagens religiosas, solicitadas por sua excelência reverendíssima. Mas seu alvo continuava sendo imprimir uma página inteira. Para tanto, obteve do bispo um livro emprestado e entalhou uma página na madeira. Obviamente, as palavras saíram ao contrário, um contratempo que naturalmente não acontecia com as imagens dos santos.
Como era apenas uma questão de inverter os termos do problema, esculpiu as letras ao contrário na madeira - e deu certo. Gutenberg logo percebeu, porém, que esculpir página por página um livro em placas de madeira era um trabalho descomunal. Pensou então em cunhar as letras  separadamente, primeiro em madeira depois em chumbo fundido. Inventou uma forma que pudesse segurar os tipos juntos para compor uma página. Fabricou ainda tintas e escovas próprias para espalhá-las sobre os tipos. Até aí seu trabalho se equiparava ao dos chineses de séculos atrás. Faltava o pulo-do-gato tornar o processo mecânico, para imprimir mais rápido e com melhor qualidade do que a mão.
Gutenberg desatou o nó: adaptou uma prensa que servia para produzir vinhos. O mecanismo consistia em um suporte fixo e uma parte superior móvel em forma de parafuso. A fôrma com os tipos unidos era colocada sobre o suporte, recebia uma camada de tinta e por cima a folha de papel. A parte superior era depois movida para baixo, pressionando o papel contra os tipos. Estava inventada a impressão tipográfica, uma tecnologia que sobreviveria com poucas modificações até o século XIX. Mas, então, havia muito que deixara de ser apenas um aparato para produzir cópias com rapidez. O invento de Gutenberg fizera desabar sobre uma Europa em mutação social, econômica e religiosa a idéia da difusão do conhecimento. Foi mais lenha na fogueira da efervescência cultural que acabaria por consumir a Idade Média.
A invenção da imprensa na aurora dessa época também de grandes descobertas foi metade causa, metade efeito do movimento de transformações pelas quais passava o mundo europeu. O continente assistia ao nascimento da burguesia mercantil como ator político, buscando desalojar a aristocracia rural do centro das decisões. No campo das idéias religiosas, eclodia a crise que levaria à Reforma protestante. A disseminação dos protestos de Lutero, na escala que ocorreu, só foi possível graças ao invento daquele outro alemão dado à ourivesaría. A curiosidade intelectual já tinha levado à criação das primeiras universidades, no século XII, e apontava agora na direção de se recuperar o conhecimento humano proveniente de qualquer fonte, como as obras dos antigos gregos e romanos, familiares apenas aos doutores da Igreja.
A sociedade em que vivia Gutenberg passava por um crescimento populacional comparável ao aumento da produtividade na indústria e no comércio. Na Idade Média descobriu-se a pólvora, o relógio mecânico, aperfeiçoou-se a navegação a vela, que levaria os europeus a novos mundos. A Itália florescia em pleno Renascimento, irradiando a Europa com um desejo de enriquecimento cultural e civilização mais dinâmica. Só faltava colocar todas essas idéias no papel.
Foi o que fez Gutenberg. Os livros impressos com sua invenção disseminaram o hábito de ler e escrever e deixaram a cultura ao alcance das novas classes sociais, cujo poderio deitava raízes nas cidades. Como a vida de Johannes Gutenberg passou quase sem registro, a data da invenção da prensa tipográfica é igualmente incerta. Tudo o que se sabe do inventor é o que consta de documentos comerciais ou judiciários. Mas esses poucos papéis permitiram deduzir que, durante suas pesquisas sobre tipografia em Estrasburgo, ele gastou todo o dinheiro antes que chegasse a produzir qualquer coisa que lhe proporcionasse uma renda. Por volta de 1438, formou uma sociedade com três burgueses da cidade, Andreas Dritzehn, Hans Riffe e Andreas Heilmann. Gutenberg já tinha então construído sua prensa, um segredo que guardava a sete chaves. Começou publicando folhetos e livretos religiosos, mas a morte de Dritzehn naquele mesmo ano lhe trouxe problemas com a Justiça.
Os irmãos de Dritzehn processaram Gutenberg porque queriam herdar o direito de entrar na sociedade. Perderam a causa. Foi nos documentos desse processo que apareceram os primeiros registros do invento. A publicação dos livretos religiosos, que Gutenberg vendia como se fossem manuscritos, continuou por algum tempo, até que a bancarrota total o levou de volta à cidade natal de Mainz. Provavelmente já estava ali quando imprimiu o Weltgeritch (Juízo do mundo), um poema alemão anônimo, considerado o mais antigo testemunho da tipografia européia, do qual sobrou apenas uma página. Em 1448, portanto com cerca de 50 anos, Gutenberg conseguiu o patrocínio de um financiador chamado Johann Fust, a quem confiou o segredo da invenção, para imprimir seu primeiro livro. Fust investiu no trabalho de Gutenberg 800 florins, soma considerável na época. Dois anos depois, mais 800 florins saíram do bolso de Fust para a mão de Gutenberg, mas a conta cobrada foi amarga.
Gutenberg trabalhava com auxílio de Peter Schöffer, um artesão de tipos tão bom quanto ele próprio. Em 1455, como o livro não estivesse pronto, Fust cobrou judicialmente a devolução do financiamento. Gutenberg tentou imprimir às pressas as Cartas de indulgência do papa Nicolau V, de venda rápida, mas não escapou à falência. A oficina de impressão caiu nas mãos de Fust e Schöffer, que por volta de 1456 publicaram o primeiro livro impresso: a chamada Bíblia de 42 linhas, obra de 642 páginas, com tiragem de duzentos exemplares. Tinha esse nome porque cada uma das duas colunas em suas páginas tinha 42 linhas. Saiu sem data nem local ou nome dos impressores. Era, oficialmente, a Bíblia de Fust. Mas, fazendo justiça ao seu verdadeiro autor, foi apelidada de "Bíblia de Gutenberg".
Johann Fust e Peter Schöffer, que viria a se tornar seu genro, publicaram um ano depois o primeiro livro com indicação de data, local de edição e impressores, o Saltério latino, uma versão dos salmos do Antigo Testamento. Fust parecia ter a noção de que o invento em seu poder era fantástico - ele fazia seus empregados jurar sobre a Bíblia que não revelariam a ninguém os segredos da impressão e mantinha-os sob algo próximo a um cárcere privado. O pobre e desonrado Gutenberg, por sua vez só escapou da ruína total graças à proteção de um generoso funcionário municipal de Mainz, Konrad Humery que lhe proporcionou os meios de montar outra oficina de impressão.
Não se sabe ao certo se Gutenberg deu continuidade ao seu trabalho. Acredita-se que tenha imprimido ainda o Catholicon, do frade Johannes Balbus, e uma Bíblia de 36 linhas. Mas a autoria da impressão dessas duas obras, principalmente a da Bíblia, é duvidosa, pois são de qualidade inferior à que Gutenberg já alcançara. Em 1462, Gutenberg voltou a Estrasburgo para fugir de novas guerras em Mainz. Três anos depois, ele regressaria à terra natal sob a proteção do arcebispo Adolfo II, que ainda por cima lhe proporcionou uma pensão, garantindo roupas, comida e vinho. Em fevereiro de 1468, com aproximadamente 70 anos,o inventor da prensa tipográfica morreu.
A desavença com Johann Fust quase custara a Gutenberg a paternidade de seu invento. A Bíblia de 42 linhas saiu sem créditos e o Saltério,que usava a mesma técnica, levava apenas o crédito de Fust e Schöffer. A escassa documentação poderia deixar obscuro também esse ponto em sua vida, não fosse o esforço de alguns contemporâneos, como o padre Adam Gelthus, que fez inscrever no túmulo de Gutenberg: "O inventor da arte de imprimir". O próprio neto de Fust e filho  de Schöffer, Johannes, eliminou as dúvidas ao escrever na dedicatória de um livro ao imperador Maximiliano, em 1505, ter sido a arte da tipografia inventada em Mainz "pelo engenhoso Johannes Gutenberg".

Revista Super Interessante n° 024

Esperteza de um "analfabeto"

História da invenção do telescópio, por um analfabeto.

Num dia qualquer por volta de 1600, estava o fabricante de óculos Hans Lippershey entretido em sua oficina em Midelburgo, Holanda, quando ouviu uma exclamação de espanto. Voltou-se e viu duas crianças que costumavam brincar com suas lentes. Tendo juntado dois vidros, olharam através deles e viram, ampliado, um cata-vento na direção da igreja da cidade.
Considerado no lugar um mecânico analfabeto”, o diligente fazedor de óculos logo enxergou o alcance do achado dos meninos e pôs-se a fabricar telescópios.
A popularidade do invento levaria o esperto Lippershey a peticionar o governo para que o instrumento para ver à distancia” fosse mantido secreto e que durante 30 anos “ toda a gente possa ser proibida de imitar esses instrumentos ou então lhe seja concedida uma pensão anual, a fim de lhe permitir fazer esses instrumentos para utilidade exclusiva deste país, sem vender nenhuns a reis e príncipes estrangeiros.

Revista Super Interessante n° 024

Resina pode ter matado Van Gogh

Cientistas americanos afirmam que a depressão que levou o pintor Vincent Van Gogh ao suicídio pode ter sido causada pela intoxicação por uma resina extraída da árvore tuia.

Quando o pintor holandês Vicent van Gogh (1853-1890) se suicidou em Paris, seus amigos atribuíram a atitude à carreira fracassada – afinal, ele não vendeu uma única tela durante toda a vida. Quase um século depois, cientistas americanos afirmam que a depressão de Van Gogh  reconhecido como extraordinário artista – deve ter sido agravada pela intoxicação de uma resina extraída da arvore tuia. O contato continuou com a substância causa distúrbios gástricos, convulsões, depressão e até lesões cerebrais irreversíveis. Ora, Van Gogh consumia grandes quantidades da resina no absinto – bebida em que era viciado -, além de aspirá-la nos vapores de terebintina, um solvente de tintas. Certa vez, ao ser internado num asilo o pintor ainda por cima ingeriu uma garrafa inteira do solvente.
Revista Super Interessante n° 024

Como surgiu o zíper?

José R. Lovizaro e Luis F. Daltoé

Foi o engenheiro e inventor americano Whitcomb Juson quem registrou em 1893 a primeira patente de um fecho tipo zíper, para substituir os laços das botas de cano alto. Era ainda um artefato rudimentar – uma sequência de ganchos e furos. Talvez por isso, passou despercebido. Dezessete anos passaram-se até aparecer o zíper moderno, obra do engenheiro sueco-americano Gideon Sundback. Mas os primeiros fechos deram dor de cabeça: não era fácil abrir e fechar os colchetes e havia a necessidade de descosturá-los antes de lavar as roupas, para evitar a ferrugem. Essas dificuldades foram resolvidas com o uso de novos materiais nas zíper boots, criada de pneus B.F. Goodrich – o mesmo, por sinal, que cunhou o nome zipper, baseado no som que fazia ao fechar as suas botas de borracha.
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Futebol: canhões em campo

Chutar a bola a mais de 100 quilômetros por hora é um talento que consagra apenas um punhado de jogadores. A ciência explica como eles conseguem essa proeza.

Cinco homens enfileirados aguardam tensos o momento do tiro. A onze passos o adversário concentra-se, reunindo todas as energias em único ponto, para a seguir liberá-las em uma explosão. Os espectadores viram rapidamente a cabeça tentando acompanhar a trajetória do projétil, que passa sobre os homens alinhados. O estrondoso grito de gol, que irrompe então de milhares de gargantas, encerra mais um fuzilamento de sucesso. O super chute do jogador de futebol, como nessa cobrança de falta, equivale a uma aceleração da bola a mais de 100 quilômetros por hora em décimos de segundo e costuma gerar acaloradas discussões - ou costumava, antes do advento do slow-motion (câmara lenta) na TV. Tudo acontece depressa demais e é provável que ninguém saiba descrever com exatidão o que se passou diante dos próprios olhos. Mesmo os jogadores às vezes têm dificuldade para dar uma resposta satisfatória.
O superchute, de resto, não é para qualquer um. Dos mais de 14 mil profissionais de futebol do país, os “canhoteiros”, como são chamados os chutadores mais potentes, como Gilberto Costa e Neto, que disputaram o Campeonato Paulista pelo Corinthians e Palmeiras, respectivamente, ou ainda Éder, do Atlético Mineiro, constituem apenas um seleto grupo. A medição precisa do desempenho físico dos atletas, prática comum em muitos clubes, a exemplo do São Paulo, faculdades e até no Instituto do Coração (Incor) em São Paulo, indica que esses jogadores dispõem de uma potência devastadora.
Seria de esperar que qualquer jogador de futebol bem treinado pudesse ter um chute que propelisse a bola à velocidade de um carro numa estrada, mas não é o que ocorre. A força muscular, a resistência, a boa forma física e a eficácia nos chutes a gol são itens obrigatoriamente trabalhados nos programas de treinamento que visam a aumentar o rendimento de qualquer jogador. Por que, então, só uns poucos se destacam como canhoneiros? Todo jogador, por mais que melhore, tem seus limites. Aumentar o volume dos músculos por meio de exercícios com pesos, por exemplo, não aumenta, de forma alguma, a potência do chute. Isso é explicável pelos modernos conhecimentos de anatomia. Sabe-se que um músculo se compõe de três tipos de fibras: as rápidas, as lentas e as intermediárias. Cada uma delas tem propriedades muito diferenciadas.
As fibras lentas tendem a ser mais curtas e vermelhas, responsáveis pelo rendimento contínuo, sendo as mais usadas pelos maratonistas, por exemplo. Em compensação, uma ação repentina, como um chute de arrebentar redes, requer músculos rápidos, capazes de se contrair em frações de segundo. A maior parte da energia provém, nesse caso, da combustão anaeróbica (sem consumo de oxigênio) de açúcar, que a libera quase como uma explosão. Portanto, um disparo potente depende, sobretudo, da velocidade de contração dos músculos rápidos. Além da constituição das fibras musculares, também o número de nervos que acionam os músculos ajuda a determinar a velocidade do movimento. Quanto mais numerosas as terminações nervosas em cada grupo de fibras, mais eficiente será a ação.
"Uma aptidão especial é o segredo dos profissionais de superchute", ensina o professor de Educação Física, Alberto Carlos Amadio, da Universidade de São Paulo. Ou seja, a velocidade de contração do sistema muscular desses jogadores é extremamente alta. Esta capacidade suplementar é algo com que não se pode competir nem imitar - eles já nasceram com músculos super-rápidos. Isto não significa que um jogador de chute médio deva resignar-se. Um bom programa de treinamento pode aumentar consideravelmente a potência do chute de qualquer atleta. Para tanto, é necessário exercitar as fibras rápidas; por exemplo, com séries de corridas curtas seguidas de chutes a gol. O resultado é um robustecimento dessas fibras, que armazenam assim mais energia, além da gradual transformação das fibras intermediárias em rápidas. O programa, é claro, não consegue aumentar o número de nervos em cada músculo, definido geneticamente, mas pode ativar as terminações nervosas fora de uso por falta de exercício. O treinamento pode conseguir, ainda, que uma porcentagem muito alta de fibras se contraia de modo simultâneo (coordenação intramuscular), o que mais uma vez tem como consequência uma alta aceleração.
Um fato decisivo que costuma ser levado em conta é que quase toda a musculatura do corpo se põe em ação no momento do chute, por meio de "alças" opostas de contração e distensão. A perna com a qual se chuta tem somente uma fração da energia necessária para o disparo. A bola oficial de futebol, que pesa aproximadamente 450 gramas, é acelerada até alcançar uns 120 quilômetros por hora. A tremenda descarga de energia envolvida no ato, assim, só obtém o resultado máximo quando o movimento está coordenado de forma ótima.
Mas não é só a Biologia que impõe limites à arte do superchute. As leis da Física, naturalmente, também contam. Isso significa que o jogador não pode sonhar com técnicas de golpear a bola que contrariem as regras do movimento dos corpos. Cabe-lhe, isto sim, carregar o corpo com a maior quantidade de energia possível, o que ocorre quando toma impulso na corrida. Se ele já não vier correndo pelo campo a toda velocidade, convencionou-se que pelo menos cinco passos são recomendáveis.
Pouco antes do chute, quando o jogador coloca a perna de apoio junto à bola, diminui a velocidade e todo o corpo estira-se para trás como um arco pronto a disparar uma flecha. Mais do que a velocidade do impulso, essa tensão prévia é requisito importante para uma explosiva contração muscular no chute. Os músculos do estômago se contraem rapidamente e catapultam a perna que dispara para a frente como um relâmpago. Outra conclusão das pesquisas é que também o músculo reduz a velocidade alguns décimos de segundo antes do contato com a bola. A freada repentina faz com que a perna à altura do joelho, agora retardada, se lance como um chicote. Num chicote de verdade, o estalo é resultado da enorme velocidade da ponta da tira de couro, no momento do seu retrocesso. A comparação não é descabida, pois o peito do pé golpeia a bola durante 5 a 10 milésimos de segundo, acelerando-a instantaneamente.
A violência da "patada" que catapulta a bola equivale à energia necessária para movimentar 300 quilos. A perna do chute é incapaz de suportar mais nestas frações de segundos. E assim deve ser. Se, por qualquer motivo inexplicável, o peso da bola diminuísse repentinamente, a potência do choque se multiplicaria e a perna não aguentaria as consequências, ficando com os cordões musculares estirados e até ossos estilhaçados.
Os pesquisadores do futebol descobriram que o psiquismo do jogador também influencia os músculos do seu corpo. Na ação, alguns deles se contraem (alça de contração) e outros se estiram. Fala-se, então, de ligamentos musculares, nos quais os diferentes músculos cooperam de uma forma complexa. No superchute, os músculos passivos reagem de forma especialmente elástica, não freando os músculos ativos, que aceleram a perna do disparo.
O receio de machucar-se ou a grande responsabilidade diante de um gol que talvez decida a partida podem provocar uma contração involuntária nos músculos, que assim deixam de estirar-se com rapidez suficiente. As alças musculares se põem mutuamente fora de serviço nos décimos de segundo decisivos. O bloqueio psicológico raramente pode ser explicado pelos jogadores ou treinadores. As vezes passam semanas até que a crise seja superada, da mesma maneira que chegou. O craque das copas de 74 e 78 e atual deputado estadual em Minas Gerais, Nelinho, deu um bom exemplo de superação desse tipo de bloqueio após operar o joelho e a coluna no auge da carreira. Ele prometeu - e cumpriu - que chutaria uma bola para fora do estádio do Mineirão, em Belo Horizonte, a uma altura de mais de 25 metros. O jogador Rivelino, outro chutador forte contemporâneo de Nelinho, conhecido como "patada atômica", não se lembra de já ter se machucado em campo e atribui sua resistência ao futebol de rua, praticado desde a infância. O certo é que, por mais que o talento para o superchute seja inato, craques do passado e do presente como Pepe, Jair, Gérson, Éder ou Gilberto Costa também precisaram suar muito a camisa em treinos de coordenação física e psicológica.

Exercícios na medida certa
No laboratório da Faculdade de Educação Física da USP, as cobaias são humanas. Ali os atletas andam sobre plataformas altamente sensíveis, saltam diante de câmaras fotográficas estroboscópicas ou ainda correm em esteiras ligadas a tubos e eletrodos. Esse autêntico campo de provas, que conjuga experimentos de três disciplinas - Fisiologia, Biomecânica e Antropometria -, constitui um dos mais modernos centros brasileiros de estudo do desempenho da máquina humana. Equipamentos da ordem de 300 mil dólares fornecem dados para mais de uma dezena de pesquisas em cada uma das áreas de estudo abrangidas pelos testes, incluindo serviços de medição de esforço físico para clubes.
Os experimentos são simples. Uma plataforma, que ocupa quase toda a extensão do laboratório, indica por meio de balanças precisas a intensidade de todas as forças em jogo nos movimentos executados sobre ela. Isso permite identificar os momentos em que o corpo está mais sujeito a sobrecargas de força e possíveis contusões. Os movimentos são registrados em uma série de fotos, que mostram a posição do corpo em cada fração de segundo, facilitando a análise. A tecnologia do vídeo entra em cena também para gravar as atividades em 5 mil quadros a cada segundo. A eletromiografia é outro sistema de medição biomecânico, que mede a contração muscular, por meio de eletrodos presos à pele. É assim que se sabe qual músculo está em ação no movimento, o que torna possível corrigir a coordenação motora.

Revista Super Interessante n° 024

Livros Super Importantes

Uma explicação para Freud

Freud – uma vida para o nosso tempo, Peter Gay, Companhia das Letras, São Paulo, 1989
Manoel Tosta Berlinck
A biografia do inventor da Psicanálise é, provavelmente, o mais importante lançamento editorial brasileiro deste ano. Escrita num estilo sóbrio e elegante, traduzido primorosamente por Denise Bottmann, professora de Filosofia da Universidade Estadual de Campinas, está fadada a ser um texto obrigatório para todo aquele que se interessar pelas descobertas da Psicanálise. Mas, afinal de contas, por que a Psicanálise e seu inventor vêm se tornando, cada vezes mais, assuntos de vastos interesse?
De fato, por trás da invenção da Psicanálise, Freud realizou não apenas uma, nas duas descobertas fundamentais: 1) o ser humano portador de um âmbito psíquico chamado inconsciente; 2) seu conteúdo é eminentemente sexual. Quando falamos sexo” estamos, em geral, nos referindo a pelo menos um dos diversos significados que esta palavra possui. Em primeiro lugar, sexo” se refere às características anatômicas que distinguem homem e mulher. Tal significado é objeto de interesse da Medicina. Em segundo lugar, usamos a expressão sexo” para nos referirmos à pratica sexual. Chamado ato sexual implica a eleição de um objeto, que pode ou não ser parceiro do sexo oposto.
Ora, essa questão de eleição” sexual está associada ao problema da preferência, do gosto, e assim está referida àquilo que leva uma pessoa a eleger algo ou alguém como parceiro sexual. E esta associada ainda a uma energia corporal que se manifesta em face de determinados objetos” não de outros. A essa energia, que está na base da excitação sexual, muitos chamam sexo, outros chamam sexualidade. É nesse âmbito que as idéias de Freud são fundamentais. Ele começou a pensar sobre o assunto a partir de uma prática como médico de doentes dos nervos.
Uma de suas clientes propôs-lhe que, em vez de ser hipnotizada, fosse permitido que falasse. Freud concordou prontamente – e aí duas coisas fantásticas ocorreram: em primeiro lugar, a cliente começou a narrar cenas infantis em que ela, criança, era seduzida por um adulto; em segundo lugar, os sintomas apresentados pela cliente desapareciam à medida que narrava essas cenas infantis, as quais não havia contado a ninguém até então. Com esse episódio e outros semelhantes que ocorriam em sua clínica, Freud foi percebendo que, escutando seus clientes, eles apresentavam sensíveis melhoras. Percebeu, também, que seus relatos eram, repetidamente, cenas infantis de sedução que os tinham excitado muito e que, mais tarde, quando chegaram à adolescência, essas pessoas passaram a considerar vergonhosas e, assim, dignas de serem esquecidas, retiradas da consciência.
Em 1900, Freud publicou um livro impressionante: A interpretação dos sonhos. Se tivesse escrito somente esse livro, ele já teria dado uma enorme contribuição para a compreensão da alma humana, pois contém diversas descobertas fundamentais. A primeira é que o sonho é um sintoma – da existência do inconsciente. Ora, como todos sonham, quer sejam doentes dos nervos ou pessoas normais, o inconsciente passa a ser um atributo dos seres humanos em geral e não apenas daqueles que apresentam distúrbios nervosos. A Psicanálise deixou de ser, nesse momento, somente uma terapêutica, ou seja, uma prática que visa à cura de doentes nervosos, para se transformar também num método de investigação da alma humana.
A segunda descoberta importante que Freud ofereceu em A interpretação dos sonhos é a de que o que chamamos sonhos, o que nos lembramos de ter sonhado, nada mais é que uma sintomática máscara do inconsciente do sonho tem, portanto, o mesmo significado do sintoma histérico: equivale a uma paralisia muscular, uma cegueira ou um grave distúrbio da fala. O sonho, como qualquer sintoma, é uma falha da nossa consciência. Acontece enquanto dormimos e não somos capazes de exercer controle sobre ele, a não ser em momentos e casos excepcionais. Os sonhos são, porém, uma narrativa e, nesse sentido, diferem dos outros sintomas que se manifestam como atos.
Mas, ao mesmo tempo, os sonhos são enigmáticos. Aliás, essa última idéia não é propriamente de Freud. A novidade é que ele revela o caráter sintomático dos sonhos, articulando-os ao inconsciente. Este, como já vimos, é o âmbito da sexualidade, de fatos e fantasias ligados ao desprazer e ao prazer. A partir dessas noções, Freud desenvolveu um método original e eficiente, muito diverso dos até então concebidos para interpretar os sonhos e esclarecer seu caráter enigmático. Até então, os métodos conhecidos apresentavam, em comum, um grande inconveniente. Todos aplicavam chaves – esquemas interpretativos estereotipados e mecânicos – para esclarecer o significado de um sonho. Não levavam em consideração o preciso significado que tal narrativa possui para quem sonha. Freud inverteu tal processo e buscou obter possíveis significados para a narrativa onírica. Por meio desse trabalho de interpretação, acabou descobrindo que todo sonho é realização de um desejo.

Contribuição decisiva à compreensão do ser humano
Assim, por exemplo, ele conta que uma criancinha sonhou que estava comendo morangos e cerejas. Tal sonho, entretanto, estava ligado a fatos ocorridos no dia anterior, quando a criança foi obrigada a fazer uma dieta e foi para a cama com fome. O sonho serviu para preencher, de forma alucinada, o desejo de comer não satisfeito no dia anterior. Nem sempre, porém, sonhos são obviamente satisfações de desejos como esse. Os sonhos dos adultos são, em geral, realizações de desejos muito dissimulados e requerem um cuidadoso trabalho de análise, feito pelo sonhador junto com o psicanalista.
O desejo, aqui, se constitui pela falta de um objeto que, no sonho, é (re)criado pela alma humana com a finalidade de provocar uma satisfação. A sexualidade é assim, ou seja, “cria” objetos do desejo visando a satisfação de tais desejos. A biografia de Freud escrita por Peter Gay tem exatamente essa grande virtude: introduz o leitor nas descobertas e no pensamento do cientista que contribuiu de maneiras decisivas para a compreensão de nós mesmos – um dos maiores enigmas que se colocam ao ser humano.
Manoel Tosta Berlinck, sociólogo e psicanalista, é professor de Sociologia do Departamento de Ciência Sociais da Universidade Estadual de Campinas

Para ver o céu
Uranografia – descrição do céu, Ronaldo Rogério de Freitas Mourão, Livraria Francisco Alves, 1989
Este é um livro precioso, indispensável mesmo, para quem se propõe a entender o céu. Desde os tempos mais antigos, os homens procuraram facilitar esse entendimento, juntando as estrelas em grupos imaginários, chamados constelações ou asterismos. São imaginários porque tais estrelas, embora brilhem a nossos olhos num mesmo ponto do céu, podem estar, na verdade, a enormes distâncias umas das outras. A Uranografia trata exatamente disso – das constelações, ou asterismos. O livro cataloga mais de 2100 objetos celestes, entre estrelas, constelações, aglomerados, nebulosas e galáxias. Contém, ainda, 26 cartas celestes, preparadas pelo autor, um astrônomo de vasto currículo construído ao mesmo tempo ao pé do telescópio, observando os astros, e ao teclado do computador, preparando mais de duas dezenas de livros, como este de fácil entendimento, sobre Astronomia.

A matéria no íntimo
O mundo dos quanta, J.C. Polkinghorne, Publicações Europa-América Lisboa, 1989
Após quase setenta anos de existência, a Mecânica Quântica – chave indispensável à fenômenos que ocorrem na intimidade da matéria, em escala subatômica – continua repleta de conceitos enigmáticos, sujeitos a diferentes interpretações. Neste livro, o autor, professor da Universidade de Cambrige, na Inglaterra, pelo menos organiza a confusão ao relacionar, de um lado, os pontos da teoria sobre os quais há consenso e, de outro, os pontos que despertam polêmicas entre os especialistas.

Verdades provisórias
O que é o método científico, Fernando Gewandsznajder, Livraria Pioneira Editora, São Paulo, 1989.
A partir de exemplos, o autor discute os principais conceitos do método científico, mostrando que não se trata de um conjunto de regras definitivamente estabelecidas. “Ensinar ciência é, principalmente, ensinar o método científico”, ressalta Gewandsnajder, professor da PUC do Rio de Janeiro, para quem ciência e método representam apenas conhecimentos hipotético, passível de correção.

Igreja X Capital
A bolsa e a vida – A usura na Idade Média, Jacques Le Goff, Brasiliense, São Paulo, 1989.
Neste delicioso ensaio, Jacques Le Goff, um dos grandes medievalistas franceses, vale-se largamente de testos da época para mostrar como um obstáculo ideológico pode entravar o desenvolvimento de um novo sistema econômico. Ou seja, como a filosofia imposta pela Igreja conseguiu retardar o avanço pela Igreja conseguiu retardar o avanço do capitalismo, mediante a condenação do que na época chamava-se usura e englobava praticamente tudo quanto dissesse respeito a negócios com dinheiro. O autor analisa também os artifícios mediante os quais a Igreja, pressionada pela lenta gestação do capitalismo, vai aos poucos assimilando a figura do usuário.

Revista Super Interessante n° 024

Jogo - Desafio para quem curte malhação” cultural

Para quem gosta de se divertir com jogos inteligentes, abril não é o mais cruel dos meses. Todos os anos, em abril, realizam-se a ABRIN – Feira Nacional de Brinquedos, que reúne os fabricantes nacionais do setor e apresenta uma enorme variedade de lançamentos para todos os gostos e idades. Em abril passado não foi diferente. Aqueles que curtem a prática da musculação cerebral” tiveram, na ABRIN, novidades suficientes para malhar” durante meses a fio. Uma boa amostra dessa exuberância foi o jogo Academia, que vem cumprindo trajetória de grande sucesso desde que chegou às lojas.
Academia pode ser jogado por duas a seis pessoas e está naquela categoria que os especialistas chamam de jogo de sociedade”, isto é, um jogo ideal para reunir um grupo heterogêneo de pessoas, de faixa etária variada, para uma descontraída reunião à tarde ou num fim de noite – um típico jogo de família.
Academia é baseado em palavras, mas não as usuais. Você sabe o que é um turpilóquio”? O que é um indivíduo mofatrão”? Calma! Para jogar não é preciso saber o significado destas palavras, nem de nenhuma outra das quase 2 mil palavras estranhas fornecidas no jogo (há algumas que a gente chega a duvidar de que existam na língua portuguesa, mas um tira-teima no Aurélio logo afasta qualquer suspeita). O objetivo do jogo é atingir um certo número de pontos, quer acertando as definições corretas das palavras, quer introduzindo os adversários a acreditar nas definições falsas que os próprios jogadores criam. É ai que entra o blefe do título. Você não acreditaria se lhe dissessem que falripas” são “farpas resultantes da serragem das toras”? Pois é... No entanto, falripas”significa apenas cabelos ralos”.
Academia estimula fortemente a criatividade dos jogadores, já que quanto mais verossímil parecer uma definição falsa, mais votos dos adversários ela irá conquistar para o seu autor. Com isso, um jogador pouco informado mais muito criativo tem boas chances de vencer um oponente erudito mas pouco imaginativo. Agora, se você for erudito e também criativo, seus adversários que se cuidem – você deve ser imortal na Academia!

Revista Super Interessante n° 024

A face oculta do caos

James Gleick

Um grupo de jovens pesquisadores rebeldes arma-se de equações e computadores para desencadear a revolução científica que vê um dos mais estranhos segredos do mundo material: existe ordem onde menos poderia parecer. Como uma torneira que pinga.
Santa Cruz era o mais novo campus da Universidade da Califórnia, esculpido num cenário de livro de histórias, uma hora ao Sul de São Francisco. As pessoas às vezes diziam que mais parecia uma reserva florestal do que uma faculdade. Os prédios ficavam aninhados entre sequóias e, bem no espírito da década de 60, seus planejadores fizeram questão de conservar todas as árvores. Como outros departamentos, o de Física teve de ser criado do nada, começando com um corpo docente de aproximadamente quinze físicos, todos muito ativos e, na memória, jovens. Sua diversidade de interesses convinha a um corpo de aluno brilhantes e inconformistas. Pelo menos os professores pensavam assim. No final da década de 70, o departamento deparou-se com uma míni-revolução, um levante entre os estudantes graduados. O que estes queriam aprender ninguém podia ensinar - uma disciplina recém-criada e mal definida chamada caos. Dez anos depois, o caos tornou-se um dos campos da ciência que mais rápido cresce, oferecendo uma nova maneira de encontrar ordem que aparentemente não têm ordem alguma. Médicos descobrem uma ordem surpreendente na fatal desordem capaz de vencer o coração humano, um tremor espasmódico que é a causa primeira de uma morte súbita e inexplicável. Economistas estão desencavando velhas cotações de bolsas de valores para tentar um novo tipo de análise. Percepções que começaram com Física e Matemática puras remeteram diretamente ao mundo natural - as formas das nuvens, o comportamento dos relâmpagos, o entrelaçamento microscópico dos vasos sanguíneos, a aglomeração galáctica de estrelas. Cientistas estão encontrando padrões universais no comportamento do tempo, no comportamento dos carros congestionando vias expressas, no comportamento do petróleo fluindo nos oleodutos subterrâneos. A nova ciência começou a modificar a maneira pela qual executivos tomam decisões sobre seguros, a maneira pela qual astrônomos olham o sistema solar, a maneira pela qual teóricos políticos falam das tensões que levam a conflitos armados.
Novas idéias podem ser difíceis de ser concebidas e a inexperiente ciência do caos colidiu com algumas tradições firmemente enraizadas - por exemplo, a crença de que sistemas simples devem produzir comportamento simples e ordenados. Quando um punhado de estudantes da Santa Cruz se enredou nos primeiros fios enovelados da nova ciência, perceberam-se totalmente sozinhos. Fora dali, em diversos laboratórios e departamentos de Física, alguns cientistas apaixonadamente iconoclastas estavam criando uma nova disciplina. Um meteorologista, Eduardo Lorenz, tinha descoberto um formato misterioso, mais tarde denominado estranho atrator, que iluminava a caótica imprevisibilidade do tempo que faz na terra.
Um matemático, Benoit Mandelbrot, havia descoberto uma família de padrões que se tornou o fundamento da Geometria fractal. Um físico, Mitchell Feigenbaum, descobria ligações insuspeitadas entre famílias inteiras dos sistemas caóticos, desenvolvendo uma teoria que relacionaria fluidos turbulentos a circuitos eletrônicos flutuantes aos ritmos da própria vida. Todos eles estavam reexaminando muitos sistemas físicos aparentemente fortuitos ou caóticos, descobrindo novas maneiras de formular equações para descrevê-los e daí usando computadores para criar padrões visuais a partir das equações - padrões que não eram óbvios de nenhum outro modo.
Os estudantes, que apenas se iniciavam nessas descobertas instigantes, não sabiam como proceder. A educação de um físico depende do sistema de orientadores e orientados. Um bom orientador ajuda seu aluno a escolher problemas administráveis e fecundos. Se o relacionamento der certo, a influência do professor ajudará o estudante a conseguir emprego. Mas em 1977 não havia orientadores na área do caos. Não havia aulas de caos, nem manuais sobre caos, nem sequer uma publicação dedicada ao caos. Os estudantes tinham de inventar eles próprios o campo de estudos - e, ao fazê-lo, eles conseguiram desenvolver o assunto para todo o mundo.
Em Santa Cruz, o caos começou com um estudante barbudo, natural de Boston e formado pela Universidade de Harvard, chamado Robert Stetson Shaw, que em 1977 estava para completar 31 anos. Isso fazia dele praticamente o mais velho da turma. Sua carreira em Harvard havia sido interrompida  diversas vezes, primeiro pelo serviço militar, depois pela decisão de viver numa comunidade e ainda por outras experiências improvisadas. Shaw era quieto, tímido, mas de forte presença. Ele estava a poucos meses de completar sua tese de doutorado em supercondutividade, então um assunto respeitável, embora de certa forma estagnado.
Ninguém estava particularmente preocupado com o fato de ele perder seu tempo lá embaixo no prédio de Física brincando com um computador analógico. Na evolução dos computadores, os analógicos representavam um beco sem saída. Computadores digitais, construídos a partir de circuitos que podiam ser ligados ou desligados, zero ou um, sim ou não, davam respostas precisas às perguntas feitas pelos programadores. Computadores analógicos, por sua própria concepção, eram muito vagos.
Em sua estrutura não havia interruptores do tipo sim-não, mas circuitos eletrônicos como resistências e condensadores, facilmente reconhecidos por qualquer pessoa que tivesse lidado com rádios, antes que a miniaturização de aparelhos eletrônicos solid-state impedisse que amadores desmontassem tais equipamentos. O computador analógico de Santa Cruz era uma coisa pesada e empoeirada, com um painel de madeira na fachada, como aqueles usados antigamente em mesas telefônicas. Programar um computador analógico era questão de conectar e desconectar fios. Ao conceber diversas combinações de circuitos, um programador simula sistemas de equações de modo a fazê-los adaptar-se perfeitamente a problemas de engenharia. Digamos que alguém queira projetar uma suspensão de automóvel capaz de proporcionar a viagem mais suave possível. Um condensador substitui a mola, indutores representam a massa e assim por diante. Obtém-se um modelo feito de metal e elétrons, bastante rápido e - o que é melhor - facilmente ajustável . Simplesmente girando-se botões, pode-se tornar as molas mais fortes ou a fricção mais fraca. E podem-se observar os resultados sob a forma de um osciloscópio.
Um belo dia, um amigo astrofísico, William Burke, entregou a Shaw uma folha de papel com três equações rabiscadas e pediu-lhe que as colocasse em seu computador. As equações pareciam simples. Edward Lorenz as havia escolhido como um método despojado para calcular um processo conhecido em Meteorologia, os movimentos ascendentes e descendentes do ar ou da água, chamado convecção. Shaw levou apenas poucas horas para conectar os fios adequados e ajustar os botões. Alguns minutos mais tarde, ele viu aparecer na tela um padrão peculiar, cambiante e infinitamente complicado — e soube então que nunca terminaria sua tese sobre supercondutividade.
A tela de Shaw proporcionava uma maneira de criar diagramas abstratos de comportamento dinâmico de longo prazo de qualquer sistema físico — uma bolinha de gude imóvel no fundo de um buraco, um relógio de pêndulo balançando monotonamente ou o tumulto imprevisível do tempo na Terra. Para a bolinha de gude em repouso, o diagrama seria simplesmente um ponto. Para um sistema periodicamente cíclico como o relógio de pêndulo, o diagrama teria a forma de uma lançada. Para o sistema enganadoramente simples das três equações da convecção, o diagrama era algo completamente diferente. Esse sistema de fluidos ascendentes e descendentes comportava-se caoticamente como a própria atmosfera, um sistema muito mais complicado, embora relacionado a ele. Um sistema caótico nunca se repete de uma maneira periódica e o diagrama que Shaw começava a estudar nunca girava em torno de si do mesmo modo.
Em vez disso, tinha uma forma intricada e recorrente, uma espécie de dupla espiral, enrolando-se primeiro numa direção, depois em outra. Shaw sabia que Edward Lorenz, do MIT (Massachusetts Institute of Technology), havia descoberto esse tipo de padrão em 1963. Lorenz reconheceu sua importância quando tentava fazer previsões do tempo no computador. Mas a natureza caótica do atrator significa que previsões de longo prazo seriam impossíveis.
Ao mesmo tempo, o estranho atrator revelava padrões inesperados. Era sinônimo de desordem e imprevisibilidade mas, ainda assim, significava um novo tipo de ordem no tumulto. Dois cientistas franceses, David Roelle e Floris Takens, mais tarde dariam a esses padrões seu nome provocativo: estranhos atratores. Shaw conhecia a nova linguagem da geometria fractal. No entanto, muito tempo havia passado antes que ele, assim como outros envolvidos em trabalhos do mesmo gênero, reconhecesse que a forma diante de seus olhos era um fractal, o que significa que revelava novas complexidades em escalas cada vez menores.
Assim, ele passou várias noites no laboratório observando o ponto verde do osciloscópio percorrendo a tela, traçando sem parar seu roteiro caótico e nunca exatamente no mesmo modo. O percurso da forma permaneceu na retina, oscilante e vibrante, diferente de qualquer objeto que Shaw conhecera em suas pesquisas. Parecia ter vida própria. Prendia a mente como uma chama que se move em padrões que nunca se repetem. Em criança, Shaw tinha tido ilusões a respeito do que seria a ciência - uma disparada romântica ao desconhecido. Isso, finalmente, era alguma coisa à altura de suas ilusões. E ele estava atraindo atenções. Ocorre que a entrada do Departamento de Física era bem do outro lado do corredor e muita gente passava por ali.
Um dos que começaram a aparecer por lá foi Ralph Abraham, professor de Matemática. “Tudo o que tem a fazer é colocar suas mãos nesses botões e, de repente, estará explorando esse novo mundo no qual você é um dos primeiros viajantes e nem vai querer subir para tomar um pouco de ar”, diz Abraham. “Shaw teve a experiência espontânea em que apenas um pouco de exploração revela todos os segredos”. Logo Shaw começou a ter colegas. Doyne Farmer, natural do Novo México, alto, magro, cabelos cor de areia, tornou-se o porta -voz mais articulado do grupo que veio a se autodenominar Coletivo dos Sistemas Dinâmicos (outros, às vezes, chamavam-no Os Conspiradores do Caos).
Em 1977, Doyne tinha 24 anos, era todo energia e entusiasmo, uma máquina de idéias. O membro mais jovem do grupo era James Crutchfield, pequeno e atarracado, um estilista do windsurf e, o que era mais importante para o coletivo, um mestre nato em computação. Norman Packard, amigo de infância de Farmer, criado na mesma cidade de Silver City, no Novo México, chegara a Santa Cruz naquele outono, bem quando Farmer começava um ano de licença, disposto a dedicar toda sua energia ao plano de aplicar as leis do movimento ao jogo da roleta
O empreendimento da roleta era tão sério quanto forçado. Durante mais de uma década Farmer e Packard, junto com um grupo mutável de colegas físicos e alguns curiosos adotaram-no. Eles calcularam inclinações e trajetórias, escreveram e reescreveram programas, adaptaram computadores especiais nos sapatos e fizeram nervosas incursões a cassinos. Deve ser dito que o projeto proporcionou um treinamento incomum em análises rápidas de sistemas dinâmicos, mas fez pouco para tranquilizar os professores de física de Santa Cruz. Tampouco eles entenderam por que Shaw abandonara sua tese sobre supercondutividade.
Por mais que estivesse entediado, raciocinavam, ele sempre poderia passar correndo pelas formalidades, acabar seu doutorado e entrar no mundo real. Quanto ao caos, havia questões de adequação acadêmica. Ninguém em Santa Cruz estava qualificado para supervisionar um curso neste campo sem nome. E certamente não havia empregos para graduados com este tipo de especialidade. Mesmo assim, o coletivo tomou forma. Quando alguns equipamentos eletrônicos começaram a desaparecer de noite, tornou-se aconselhável procurá-los no antigo laboratório de Shaw, de Física de baixas temperaturas. Tracejadores de gráficos, conversores e filtros eletrônicos começaram a se acumular. Um grupo de físicos de partículas que trabalhava no mesmo corredor tinha um pequeno computador digital destinado ao ferro-velho. Foi parar no laboratório de Shaw.
A atabalhoada sensibilidade do grupo ajudava muito. Shaw tinha crescido brincando com engenhocas eletrônicas. Packard consertava aparelhos de TV. Crutchfield pertencia à primeira geração de matemáticos que considerava a lógica dos computadores uma linguagem natural. O prédio de Física em si era como o de qualquer lugar, com pisos de cimento e paredes sempre pedindo uma nova demão de pintura, mas a sala ocupada pelo grupo do caos criou sua própria atmosfera, com pilhas de escritos, fotografias de nativos do Taiti nas paredes e, como não poderia deixar de ser, impressos de computadores de estranhos atratores.
Praticamente a qualquer hora um visitante podia ver membros do grupo reorganizando circuitos, arrancando fios remendados, discutindo sobre consciência ou evolução, ajustando o painel de um osciloscópio, ou apenas observando um brilhante ponto verde traçar uma curva de luz, sua órbita vibrando e agitada como algo vivo. A educação tradicional na dinâmica dos sistemas físicos nunca revelara o potencial de tal complexidade porque se concentrava em sistemas lineares. Um sistema linear obedece às leis da proporção - quanto mais depressa se vai, mais longe se chega. A linearidade torna os cálculos fáceis ou, ao menos, manejáveis. Infelizmente, a maioria dos sistemas do mundo real não é linear.
Eles contêm uma certa torção, como a fricção, que não varia puramente como uma função de outras variáveis. A não-linearidade exigia cálculos mais difíceis. Era a mosca na sopa previsível da Mecânica clássica. Poucos consideraram a não-linearidade uma força criativa; mas foi a não-linearidade que criou os padrões misteriosamente belos dos estranhos atratores. “Não-linear era uma palavra que você só encontrava no final do livro”, diz Farmer. “Um estudante de Física fazia um curso de Matemática e o último capítulo tratava de equações não-lineares. Geralmente essa parte era deixada de lado.” Shaw e seus colegas tiveram de canalizar seu entusiasmo natural para um programa científico. Eles precisavam fazer perguntas que pudessem ser respondidas e que valessem a pena ser respondidas. Eles buscaram meios de interligar teoria e pesquisa - aí, pensavam, estava o vazio a ser preenchido. Antes mesmo de começar, foram obrigados a aprender o que era sabido e o que não era, e isso em si foi um desafio formidável.
Eles não tinham noção disso, mas seus problemas simbolizavam as barreiras que os pioneiros em caos enfrentavam nas mais diversas instituições - um punhado de pesquisadores, normalmente trabalhando por conta própria, receosos de discutir suas idéias não ortodoxas com os colegas. Os estudantes de Santa Cruz eram impedidos pela tendência de avançar aos poucos em ciência, particularmente quando um novo tema se atravessava em subdisciplinas estabelecidas. Frequentemente, eles não tinham idéia se estavam em território novo ou conhecido e, na verdade, parte de seu trabalho seguia paralelo a descobertas feitas por matemáticos soviéticos. Logo perceberam que muitos tipos de questões poderiam ser levantados sobre os possíveis comportamentos de sistemas físicos simples e os estranhos atratores que eles produziam. Quais as suas formas características? O que a Geometria revelava sobre a física dos sistemas físicos correlatos? Um físico sempre quer calcular medidas. O que havia para ser medido nessas fantasmagóricas imagens em movimento?
Shaw e os outros tentaram isolar as qualidades especiais que tornavam os estranhos atratores tão encantadores. A imprevisibilidade era uma delas — mas onde encontrar os calibres para medir tal qualidade? A essa altura, o coletivo reunia-se com frequência em um velho casarão não longe da praia. Nele se amontoavam móveis de segunda mão e equipamentos de computador destinados ao problema da roleta e à pesquisa dos estranhos atratores. Convivendo com esses estranhos atratores dia e noite, os jovens físicos começaram a reconhecê-los (ou a pensar que o faziam) nos fenômenos que sacudiam, batiam e oscilavam na vida cotidiana. Eles tinham de jogar esse jogo. Perguntavam-se: onde fica o mais próximo estranho atrator? Estaria no pára-choque barulhento do carro? Na bandeira tremulando a esmo na brisa? Numa folha que flutuava? "Você não enxerga algo até descobrir a metáfora correta que lhe faz percebê-lo”, diz Shaw. Não tardou que seu amigo astrofísico Burke ficasse perfeitamente convencido de que o velocímetro de seu carro oscilava do modo não-linear típico do estranho atrator.
Shaw, ocupando-se de um projeto experimental que iria mantê-lo entretido por anos, adotou um sistema dinâmico tão caseiro quanto algum físico pudesse imaginar: uma torneira pingando. Como gerador de organização, uma torneira pingando oferece pouco para se trabalhar. Mas, para um investigador iniciante do caos, a torneira pingando provou ter certas vantagens. Todo mundo tem dela uma imagem mental. O fluxo de dados é o mais unidimensional possível: uma batida ritmada de pontos isolados mensuráveis no tempo. Nenhuma dessas qualidades poderia ser encontrada em sistemas que o grupo de Santa Cruz iria explorar mais tarde - o sistema imunológico humano, por exemplo, ou o perturbador efeito da interação de feixes que prejudicava inexplicavelmente o desempenho de partículas em colisão do Acelerador Linear de Stanford, ao norte de Santa Cruz.
Na torneira pingando, tudo que existe é a solitária linha de dados. E não é nem uma variação contínua de velocidade ou temperatura - apenas uma lista dos tempos de gotejamento. Os pingos podem ser regulares. Ou, como qualquer um descobre ao ajustar uma torneira, podem tornar-se irregulares e aparentemente imprevisíveis. Solicitado a organizar um ataque a um sistema como esse, um físico tradicional começaria por montar um modelo físico o mais completo possível. Os processos que norteiam a formação e a ruptura das gotas são compreensíveis, ainda que não sejam tão simples como possam parecer. Uma variável importante é o ritmo do fluxo. (Este deve ser lento, comparado à maioria dos sistemas hidrodinâmicos. Normalmente, Shaw observava o ritmo de uma a dez gotas por segundo.) Outras variáveis incluem a viscosidade do fluxo e a tensão de superfície.
Uma gota de água pendendo de uma torneira, à espera do momento de se romper, assume uma forma tridimensional complicada e apenas o cálculo dessa forma era, como diz Shaw, "o estado de arte em matéria de cálculo por computador". Uma gota enchendo-se de água é como um pequeno saco elástico de tensão superficial, oscilando para lá e para cá, aumentando a massa e expandindo as paredes até a ruptura.
Um físico que tentasse construir um modelo completo do problema da gota, formulando um conjunto de equações para depois tentar resolvê-las, acabaria no mato sem cachorro. Uma alternativa seria esquecer a Física e observar apenas os dados, como se estivessem saindo de uma caixa-preta. Dada uma lista de números representando intervalos entre as gotas, será que um especialista em dinâmica caótica encontraria algo útil para dizer? Na verdade, como foi comprovado mais tarde, podem-se conceber métodos para organizar esses dados dentro da Física e esses métodos se mostraram decisivos no que diz respeito à aplicação do caos a problemas do mundo real. Shaw começou a meio caminho entre esses dois extremos, fazendo uma espécie de caricatura de um modelo físico completo. Ele fez um resumo rudimentar da Física das gotas, imaginando um peso que pendesse de uma mola. O peso aumenta constantemente. A mola estica e o peso desce cada vez mais. A certa altura, uma porção do peso se rompe. A quantidade que se desprendesse, Shaw supôs arbitrariamente, dependeria apenas da velocidade da queda do peso descendente quando atingisse o ponto de ruptura.
Então, naturalmente, o peso restante voltaria para a posição anterior, como fazem as molas, com oscilações que estudantes aprendem a delinear usando equações normais. A característica interessante do modelo - a única característica interessante  era a torção não-linear que possibilita o comportamento caótico. O tempo preciso de uma gota dependia do ritmo do fluxo, é claro, mas dependia também de como a elasticidade desse saco de tensão superficial interagia com o peso que aumentava constantemente. Se uma gota iniciasse sua vida já em queda, ela se romperia mais cedo. Se acaso se formasse quando sua superfície inferior estivesse subindo, poderia encher-se com um pouco mais de água antes de romper-se.
Será que o modelo de Shaw geraria tanta complexidade como uma torneira de verdade? E essa complexidade seria da mesma espécie? Shaw instalou-se em um laboratório no prédio de Física, com uma grande tina de plástico de água sobre a cabeça. Quando uma gota caía, interrompia um feixe de luz e na sala ao lado um microcomputador marcava o tempo. Enquanto isso, Shaw fazia suas equações e operava o computador analógico, produzindo uma torrente de dados imaginários, muito parecidos às gotas da torneira real. Mas, para ir além, Shaw necessitava de um modo de colher dados puros de qualquer experiência e trabalhar com equações e estranhos atratores que pudessem revelar padrões ocultos.
Com um sistema mais complicado,uma variável poderia ser graficamente relacionada a outra, correlacionando mudanças na temperatura ou na velocidade com o passar do tempo. Mas a torneira pingando proporcionava apenas uma série de tempos. Shaw tentou, então, uma técnica desenvolvida pelo grupo de Santa Cruz, que foi talvez sua contribuição prática mais esperta e duradoura ao progresso do caos - um método de reconstruir um estranho atrator invisível que poderia ser aplicado a qualquer série de dados. Para os dados da torneira pingando, Shaw construiu um gráfico no qual o eixo horizontal representava um intervalo de tempo entre duas gotas e o eixo vertical representava o intervalo de tempo entre as duas seguintes.
Se entre a gota número um e a gota número dois decorressem 150 milésimos de segundo, e depois 150 milésimos de segundo decorressem entre a gota número dois e a gota número três, ele marcava um ponto na posição 150-150. Era tudo que havia a fazer. Se o gotejamento fosse regular, o gráfico seria apropriadamente inerte. Cada ponto cairia no mesmo lugar. O gráfico seria um simples ponto. Ou quase - na verdade, a primeira diferença entre a torneira pingando no computador e a torneira real era que esta estava sujeita a distúrbios, ou "ruído", sendo extremamente sensível. Shaw acabou fazendo a maior parte de seu trabalho à noite, quando o tráfego de pessoas no corredor era mínimo. O barulho significava que, em vez do simples ponto previsto pela teoria, ele veria uma mancha ligeiramente indistinta.
A medida que o fluxo aumentasse, o sistema passaria por uma mudança repentina nas suas características. Então as gotas cairiam em pares repetidos.Um intervalo poderia ser de 150 milésimos de segundo e o próximo, de 80. Assim, o gráfico mostraria duas manchas indistintas, uma centrada em 150-80 e outra em 80-150 e assim por diante. O verdadeiro teste ocorreu no momento em que o padrão se tornou caótico, quando o ritmo do fluxo foi novamente modificado. Se fosse mesmo fortuito, haveria pontos dispersos por todo o gráfico. Mas, se um estranho atrator estivesse oculto nos dados, poderia se revelar como um padrão vago mas perceptível.
Muitas vezes acontecia serem necessárias três dimensões para se ver a estrutura; mas isso não era problema. Em vez de assinalar cada intervalo em relação ao próximo, os cientistas assinalavam cada intervalo em relação a cada um dos dois subsequentes. Era um truque, um artifício. Normalmente, um gráfico tridimensional requer o conhecimento de três variáveis independentes em um sistema. O truque possibilitava três variáveis pelo preço de uma. Refletiu a crença desses cientistas de que a ordem está tão profundamente contida na aparente desordem que encontraria um modo de se expressar, mesmo a pesquisadores que não soubessem quais variáveis físicas medir.
No caso da torneira de Shaw, as imagens ilustram o fato. Em três dimensões, sobretudo, os padrões apareciam como rastros de fumaça saindo de um avião, desses que escrevem no céu, descontrolado. Shaw poderia combinar sinais gráficos dos dados experimentais com os dados produzidos pelo modelo computadorizado, sendo a principal diferença o fato de os dados reais aparecerem sempre mais indistintos, manchados pelo ruído. Mas a estrutura era inconfundível. A medida que os meses passavam, a transição de rebeldes para físicos era lenta. De vez em quando, sentados em um café ou trabalhando em seu laboratório, um ou outro estudante tinha de conter o espanto que sua fantasia científica ainda não tinha eliminado. "Meu Deus, ainda estamos fazendo isso e ainda faz sentido", dizia Crutchfield. "Ainda estamos aqui: Até onde isso irá?"
A maioria dos professores de Física viu-se numa posição difícil. "Não tínhamos orientador, ninguém para nos dizer o que fazer", diz Shaw. "Durante anos ficamos numa situação à parte e isso persiste até hoje. Nunca tivemos recursos financeiros em Santa Cruz. Cada um de nós trabalhou períodos consideráveis sem receber nada e o tempo todo era uma operação de fundo de quintal, sem orientação intelectual ou de qualquer outro tipo." Cada membro do coletivo era chamado de lado de tempos em tempos para conversas francas. Eles eram advertidos de que, mesmo se de alguma forma fosse encontrada uma maneira de justificar um doutorado, ninguém seria capaz de ajudar os estudantes a conseguir um emprego em um campo inexistente.
Isso podia ser uma moda passageira, diziam os professores, e depois como é que vocês vão ficar? Na verdade, fora do abrigo de sequóias nas colinas de Santa Cruz, o caos estava criando seu próprio estabelecimento científico e o Coletivo dos Sistemas Dinâmicos deveria se juntar a ele. O ponto de inflexão foi uma aparição surpresa em um encontro sobre Física de matéria condensada realizado em Laguna Beach em 1978. O coletivo não fora convidado, mas apareceu assim mesmo, amontoando-se na caminhonete Ford 1959 de Shaw, apelidada por eles "Sonho Cremoso". Por via das dúvidas, o grupo levou equipamentos, incluindo um enorme monitor de TV e um videoteipe. Quando um orador convidado cancelou sua presença à última hora, Shaw avançou e tomou seu lugar.
A ocasião foi perfeita. O caos já ostentava a fama de ser mencionado a meia voz, mas poucos dos físicos presentes à conferência sabiam do que se tratava. Shaw começou então explicando os diferentes tipos de atratores, dos comuns aos estranhos; a princípio, os estados inertes (quando tudo fica imóvel); depois, ciclos periódicos (quando tudo oscila); e, por fim, estranhos atratores caóticos (o restante). Ele demonstrou sua teoria com gráficos computadorizados em videoteipe. ("Os meios audiovisuais nos deram uma vantagem", diz Shaw. "Podíamos hipnotizá-los com flashes de luz.") Ele ilustrou o atrator de Lorenz e a torneira que pinga. A palestra foi um triunfo popular e vários professores de Santa Cruz estavam no auditório, vendo o caos pela primeira vez através dos olhos de seus colegas.
Mas o coletivo não podia durar para sempre. Quanto mais se aproximava do mundo real da ciência, mais perto da separação se encontrava. Seus membros começaram a pensar no futuro individual e passaram a colaborar com físicos e matemáticos estabelecidos em outros lugares. Tendo aprendido a procurar estranhos atratores em bandeiras tremulantes e em velocímetros defeituosos, os cientistas fizeram questão de detectar os sintomas do caos em toda a Física atual. Peculiaridades outrora desprezadas como ruído - flutuações surpreendentes, regularidades misturadas a irregularidades - eram explicadas agora nos termos da nova ciência. Tais efeitos pipocaram de repente em escritos a respeito de tudo, desde lasers até circuitos eletrônicos.
Quando o coletivo se dissolveu - seus membros se dirigindo às mais importantes instituições de Física, do Laboratório Nacional de Los Álamos ao Instituto de Estudos Avançados de Princeton e à Universidade da Califórnia em Berkeley -, alguns professores de Santa Cruz também já haviam aderido ao caos. Eles estavam se associando a um movimento: químicos, ecologistas, economistas, climatologistas tentam atualmente reconstruir estranhos atratores a partir de dados brutos, assim como Shaw fizera em seus estudos com a torneira gotejante.
Especialistas em finanças usam as técnicas desenvolvidas pelo grupo de Santa Cruz para analisar décadas de cotações diárias de bolsas de valores,buscando padrões que acreditam existir ali. Muitos fisiólogos acreditam agora que o caos proporciona um modo de prever - e talvez de tratar - ritmos irregulares no processo que governa a vida, desde a respiração até os batimentos cardíacos e até a função do cérebro. No MIT, médicos comparam eletrocardiogramas humanos com dados de um modelo de computador de contrações cardíacas caóticas, numa tentativa de prever com bastante antecedência quando o órgão sofrerá um espasmo fatal.
Ecologistas usam a Matemática do caos para descobrir como, na ausência de mudanças ambientais fortuitas, populações de espécies podem crescer ou diminuir desordenadamente por conta própria. Packard estuda a tendência de processos caóticos de criar padrões complexos em fenômenos como flocos de neve, cuja forma delicada incorpora uma mistura de estabilidade e instabilidade que só agora começa a ser compreendida. Ele e Farmer utilizam a Física dos sistemas dinâmicos para estudar o sistema imunológico humano, com seus bilhões de componentes e sua capacidade de aprender, memorizar e reconhecer padrões. Para esses cientistas e seus colegas, o caos tornou-se um conjunto de instrumentos capaz de elucidar fatos aparentemente casuais.
Mas é também uma série de atitudes em relação à complexidade — uma nova maneira de ver. Eles sentem que estão revertendo uma tendência científica de analisar sistemas em termos de suas partes constituintes — quarks, cromossomos ou nêutrons. "A tendência científica, particularmente em Física, tem sido pelo reducionismo, uma constante fragmentação das coisas em minúsculos pedacinhos", diz Farmer. "O que as pessoas estão finalmente percebendo é que esse processo é um beco sem saída. Os cientistas estão muito mais interessados na idéia de que o todo pode ser maior que a soma da partes."

Revista Super Interessante n° 024