quinta-feira, 31 de maio de 2012

Descamonizando a poesia lusitana

Lívia Lombardo

Está certo que Luís de Camões foi o maior poeta do classicismo e um dos mais brilhantes da literatura portuguesa. Só que levaram essa história muito ao pé da letra  a ponto de todo poema de qualidade  escrito no século 16 ter sido atribuído a ele.
Em 1967, o filólogo brasileiro Emmanuel Pereira Filho deu o pontapé inicial para colocar ordem à confusão que se tornou a lírica camoniana. Dos 700 poemas que foram atribuídos a Camões até o século 19, restam atualmente apenas 133 que são considerados indiscutivelmente deste autor. Muitos estudiosos, no entanto, não concordam com os critérios atuais para estabelecer as obras do poeta - de acordo com as normas, versos famosos como Amor é fogo que arde sem se ver (aquele que foi até musicado pela Legião Urbana) deixam de ser considerados de sua autoria.
O maior responsável pela bagunça foi Manuel de Faria e Sousa, poeta português do século 17 que dedicou-se por trinta anos ao estudo da obra camoniana. De acordo com a filóloga Garolina Michaelis em Dispersos, o critério de Faria e Sousa para atribuir a autoria de um poema a Camões era simples: "Tudo que aparecer anônimo, e for bom e belo, é dele; se aparecer em nome alheio, é roubado".
Estava instaurada a confusão. "Até o século 19, ocorreu uma enorme expansão do cânone camoniano, tudo em consequência da compilação dos cadernos de Faria e Sousa", afirma a professora de literatura portuguesa da USP, Márcia Arruda Franco.
A realidade é que a lírica camoniana é um enigma até hoje. Como não chegou até nós nenhum manuscrito autógrafo de Camões - dizem que foram roubados em Moçambique -, a análise da obra do poeta é feita através de manuscritos quinhentistas, cancioneiros por terceiros. O problema é que eles eram copiados de outros textos ou diretamente redigidos enquanto o autor recitava e, por isso, estão sujeitos a todos os tipos de mudanças e erros.
A regra é clara
Hoje em dia, não basta mais ser de qualidade. Para que um poema possa ser atribuído a Camões, ele deve atender a três exigências:
1. Pelo menos dois documentos do século 16, de autores diferentes, devem atribuir o poema a Camões;
2. Ao menos um desses dois documentos deve ser manuscrito. Não podem ser dois documentos impressos;
3. Nenhum registro pode atribuir a autoria desse poema a outro autor.

 Aventuras na História n° 022

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