A partir de uma
esquina da História, as revoluções Industrial e Francesa, o escritor Eric
Hobsbawn traça o perfil de um mundo totalmente novo.
De onde surgiu a idéia de Estado- nação? E a Democracia
Moderna? Noções como Liberdade, Igualdade, Pátria? Assim mesmo, tudo com letra
maiúscula. Como nasceram as indústrias e de que forma elas se expandiram? Eric
Hobsbawm, em A Era das Revoluções, identifica o momento-chave na história em
que uma "dupla revolução" abalou as estruturas das sociedades,
iniciando uma nova era, a partir dos anos 1780. Para ele, a Revolução
Industrial Inglesa e a Revolução Francesa criaram um sistema de poder sem
precedentes. De um lado, a Inglaterra, potência naval, expandindo seus lucros e
garantindo mercado para suas indústrias lucrativas. De outro, a França,
potência terrestre, com ideais revolucionários exportados para o resto do
mundo. Essas revoluções não foram antagônicas, mas complementares. É verdade
que os interesses franceses e ingleses, em determinado momento, degladiaram-se
em guerras, mas, finalmente, entraram num acordo. Celebrado no Congresso de
Viena, esse casamento inaugurou um novo mundo.
Cabeça pensante
A um observador do século 18, a Inglaterra não pareceria o
lugar apropriado para abrigar uma revolução tecnológica. Franceses e alemães
estavam à frente nessa ceara. Só que os britânicos, um século antes, derrubaram
seu rei e criaram as condições políticas para a burguesia expandir os negócios.
O campesinato inglês foi substituído pela estrutura de grandes propriedades,
que firmaram a agricultura como atividade empresarial. As leis que delimitavam
as propriedades agrícolas (os Enclousure Acts) permitiram grandes fazendas que
funcionavam com uma dura lógica capitalista, desempregando camponeses. Ao mesmo
tempo, uma nova atividade industrial tinha impacto no país: máquinas de tear
surgiam nas fábricas, absorvendo a mão-de-obra vinda do campo. E, em meados do
século 19, apareceram outras indústrias, como ferro, aço e carvão, além de bens
de Capital que ampliavam a escala na construção de máquinas e novos meios de
transportes.Se na Inglaterra, a revolução limitou-se ao modo de produção, na França ocorreram transformações políticas profundas. A nobreza dependia de privilégios garantidos por lei, que a Monarquia não podia mais sustentar. E, nas classes baixas, a situação também era insustentável: camponeses endividados perdiam suas terras e burgueses empobrecidos reagiam à crise, clamando por reformas. Sem alternativas, o Rei Luís XVI convocou os Estados Gerais para resolver a crise. Dois Estados, a nobreza e o clero, e um terceiro Estado, representando os comuns, entraram em confronto. Ciente da força da maioria, o Terceiro Estado reivindicou a votação por cabeça, e não mais por Estado.
A partir daí, uma grande rebelião subjugou Paris. A tomada da Bastilha, uma prisão estatal, em 14 de julho de 1789, impulsionou a revolta para além da capital francesa. A Monarquia Absoluta caiu, e em seu lugar, surgiu um novo regime, que tirou poderes do monarca. Não foi um processo indolor. Até a ascensão de Napoleão Bonaparte, revolucionários das classes médias radicais e da burguesia moderada disputaram o poder até perderam o controle. De um lado, os jacobinos, que desejavam levar adiante o processo revolucionário. De outro, os girondinos, que tentaram deter a Revolução para dar continuidade à defesa dos interesses burgueses. No primeiro governo revolucionário, os jacobinos tomaram o poder. Brigas internas e divisões deram espaço para um governo tirano. Enfraquecidos, foram derrubados pelos girondinos, que restabeleceram os poderes da burguesia. Isto até o golpe de Napoleão, jacobino de origem e, depois, defensor da burguesia.
O fato é de que não se tratou de uma revolução democrática. E, sim, anti- feudal, sem partidos políticos ou movimentos sociais, mas com inspiradores, como o intelectual Jean-Jacques Rousseau ou o ativista político Tom Paine. Significou a adoção de um projeto de racionalização dos Estados, com a criação de leis pela igualdade dos cidadãos, renovação dos códigos juríricos, padronização de medidas de peso e extensão, ensino laico e gratuito para todos, separação do Clero e do Estado, formação das Assembléias Nacionais, etc. Enfim a revolução que gerou maior impacto político e cultural do século 19.
Napoleão e a paz em Viena
Em meio ao caos
instaurado pela ala radical da Revolução, apareceu o general Napoleão
Bonaparte. Em pouco tempo, ele conseguiu reunificar a França, formando um
Império que expandiu os ideais revolucionários. Napoleão promoveu conquistas
militares de regiões ricas, de onde o exército retirava recursos. Mas, sua
guerra, de fato, era travada contra a Inglaterra. Enquanto a França se
fortalecia como potência territorial, expandindo sua ideologia, a Inglaterra
mantinha-se como potência naval, preservando o comércio. O choque de interesses
tornou-se inevitável. Como Inglaterra era imbatível no mar, a França não tinha
como avançar, a não ser dentro do continente. Foi o que fez os franceses
decretarem, em vão, um bloqueio continental aos ingleses. No fim da briga,
Napoleão acabou derrotado.O conflito deixou um duro fardo para os dois países. A economia francesa quebrou, e a Inglaterra, ao se defender do avanço francês e apoiar seus aliados contra Napoleão, teve gastos quatro vezes maiores do que os de sua rival. Restava fazer um acordo de paz. Foi o que aconteceu no Congresso de Viena, que restabeleceu as fronteiras da Europa Continental pré-revolucionária, e afirmou o status da Inglaterra de grande potência do século 19. Para a França, restou a posição de uma potência menor. A partir desse momento, a dupla revolução anglo-francesa, no entanto, já tinha se consolidado, tornando fundamental para os novos regimes estabelecidos – e também os velhos – se proteger do furor revolucionário da época. Pode-se dizer que ondas rebeldes protagonizaram as décadas seguintes.
Em 1820, ocorreu a primeira onda revolucionária, com a libertação de países latino-americanos do jugo espanhol, e revoltas na Itália, na Espanha e na Grécia. Em 1830, a segunda, ameaçando Estados liberais moderados, com guerras civis e revoltas populares. Essa seqüência de acontecimentos eliminou os últimos vestígios de feudalismo na Europa. E, em 1848, a terceira onda de revoluções tomou o continente como um todo, derrubando governos. Só que nenhum do governos rebeldes que assumiram o poder sobreviveria por muito tempo. No fim das contas, triunfou a organizada articulação dos liberais. É bom lembrar que uma nova tendência somou-se aos democratas radicais da época: os movimentos socialistas. Mas não havia nenhum projeto de consenso que pudesse dar consistência à luta de ambas as correntes. O socialismo ainda era algo a ser construído e a idéia de democracia radical esbarrava nos interesses e no poder das classes dominantes.
O legado
O período chamado por Hobsbawm de Era das Revoluções deixou
uma grande herança para o século 20. No âmbito da política, as mudanças foram
contundentes: predominou o ideário nacionalista; a separação entre Clero e
Estado ganhou força; aumentou a demanda pela criação de regimes democráticos e,
por fim, começou a ser delineado um projeto para contrapor o liberalismo e o
capitalismo. Nas ciências, a racionalização impulsionou descobertas que
propiciaram as revoluções industriais, selando o destino das sociedades
agrárias da Europa. Na seara cultural, literatura, música clássica e pintura
viveram um verdadeiro boom. Embora prevalecesse o Romantismo nas classes
dominantes, tal movimento artístico não tinha vez nas classes médias e baixas.
Havia, sim, uma tendência não- romântica, de contestação ao sistema, que
combinava doutrinas jacobinas, folclore popular e religioso reformista,
adaptadas aos novos tempos. Foi, enfim, um momento único, em que revoluções de
fundo político, cultural e industrial se combinaram e se sobrepuseram, de forma
que nunca mais a Europa e, consequentemente, o resto do planeta, seriam os
mesmos.
Aventuras na História n° 021
Nenhum comentário:
Postar um comentário