Na novela América, o
foco é a imigração ilegal para os Estados Unidos. Na vida real, clandestinas ou
não, 70 milhões de pessoas foram tentar a vida lá desde 1850.
Um empresário brasileiro é preso em Allston, nos Estados Unidos,
acusado de tentar subornar um agente federal para obter o green card, visto de
residência permanente no país. Também são detidos 57 funcionários da empresa
dele. Todos moravam e trabalhavam ilegalmente lá.Uma garota cresce com o sonho de ir para os Estados Unidos, ganhar dinheiro e ajudar financeiramente a família. Após ter o visto negado, se envolve com um “coiote” (agenciador que cobra para atravessar os imigrantes na fronteira entre México e Estados Unidos) para entrar clandestinamente no país.
O primeiro caso é real: aconteceu em 18 de março deste ano. O segundo é o enredo de América, novela da TV Globo – mas, como se vê, tinha tudo para ser uma história verdadeira.
O assunto desperta o interesse não só de autores de novelas, mas também de historiadores. José Carlos Bom Meihy, diretor do Núcleo de História Oral da USP, passou cinco anos pesquisando a vida de imigrantes brasileiros nos Estados Unidos. Entrevistou 700 pessoas e chegou a morar em Nova York por mais de um ano. Depois, reuniu os depoimentos no livro Brasil Fora de Si – Experiências de Brasileiros em Nova York. Meihy também prestou assessoria a Glória Perez, autora de América.
Cada vez mais gente de todo o mundo tenta desesperadamente entrar de qualquer jeito nos Estados Unidos. Não é diferente com os brasileiros. Cinquenta são presos por dia na fronteira do México e pelo menos mil esperam para ser deportados de volta para cá.
Tentar a vida nas Américas – em toda ela, não só nos Estados Unidos – é prática de massas de trabalhadores de países europeus, como italianos, japoneses, árabes e judeus da Europa oriental desde o século 19. De 1850 até hoje, entraram nos Estados Unidos cerca de 70 milhões de imigrantes (legais ou não) – o Brasil, no mesmo período, recebeu 14 vezes menos gente. Hoje, cerca de 3 milhões de pessoas por ano penetram no país de forma ilegal. Cerca de 99% do fluxo migratório é composto por mexicanos. Embora não haja números oficiais, estima-se que 1 milhão de brasileiros vivam clandestinamente lá e mais dois milhões em outros países.
A principal forma de chegar clandestinamente no país é atravessando os 3 mil quilômetros de fronteira entre o México e os Estados Unidos. As caminhadas são feitas sob o sol escaldante do deserto com temperaturas de até 45 ºC. Nos últimos cinco anos, 180 brasileiros mortos de fome, sede, atacados por animais ou assassinados pelos agenciadores nessa travessia foram enterrados no Terrace Park Cemetery, cemitério da cidade de El Centro, Califórnia.
Mesmo quando conseguem passar pelos radares, cercas, muros e policiais e se estabelecer em solo americano, a vida para o imigrante ilegal, brasileiro ou não, em geral não é fácil. “Muitos não conseguem romper o cordão umbilical que os liga ao Brasil e acabam vivendo em comunidades só de brasileiros, não aprendem o inglês e reavivam o estereótipo tupiniquim lá fora”, diz o historiador. “Esta é a primeira leva que reverte a expectativa do Brasil como país recebedor”, afirma Meihy, ele próprio descendente de imigrantes libaneses.
Imigração em três tempos
Quebra da bolsa e as
duas guerras mundiais diminuíram o fluxo na metade do século 20.Demógrafos identificam três fases de imigração para os Estados Unidos nos últimos 150 anos. A primeira durou de 1850 a 1930, quando cerca de 38 milhões de pessoas desembarcaram no país. Os imigrantes vindos do norte e noroeste da Europa chegaram principalmente nos primeiros 40 anos. De 1890 ao final da década de 1920, foi a vez dos povos de origem mediterrânea, principalmente italianos, e de eslavos. A viagem até a América estava ligada à abundância de terras nas planícies centrais, à corrida pelo ouro na Califórnia e ao crescimento industrial.
A segunda fase migratória aconteceu entre 1930 e 1965 – foi quando a onda de mudança para o país deu uma caída, com 5,5 milhões de pessoas desembarcando nos Estados Unidos. A metade deles era composta ainda por europeus, mas canadenses e mexicanos já eram responsáveis por 1/3 dos imigrantes. Pouca gente procurou os Estados Unidos nessa época por causa das duas guerras mundiais e da crise de 1929, com a quebra da Bolsa de Nova York. Mas, ao mesmo tempo, o governo norte-americano abriu o programa “bracero”, que incentivava a ida de mão-de-obra agrícola temporária – o que começou a atrair os mexicanos.
Já na terceira fase da onda migratória, que dura até hoje em dia, os hispânicos chegam a quase metade do total de pessoas que entram no país. Nesses últimos anos, já são mais de 25 milhões de pessoas que tentam a vida por lá. Entre as causas principais está a procura por empregos mais rentáveis – mesmo que o imigrante seja ilegal, e seu trabalho, sem registro.
Aventuras na História n° 021
Nenhum comentário:
Postar um comentário