quarta-feira, 25 de abril de 2012

Trem movido a samba


Léo Romano
Na década de 20, os trens do Rio de Janeiro serviram de palco para os ensaios de Paulo da Portela e seus amigos bambas.

Um desavisado que pegasse o trem das 18h04 na Central do Brasil, em meados de 1926, depois de um dia duro de trabalho, talvez não acreditasse em seus ouvidos. O samba rolava solto. Surdos, tamborins e cavaquinhos disputavam espaço com os passageiros e a batucada embalava o remelexo dos vagões. E ninguém reclamava, pois o som era de bamba. Quem comandava a bateria era Paulo Benjamin de Oliveira. Paulo da Portela (1901-1949), como era mais conhecido (e como é reconhecido até hoje), pegava o trem na Central rumo a Deodoro, junto com os amigos Antônio Rufino dos Reis e Antonio Caetano da Silva, além dos fãs de samba, do bairro de Oswaldo Cruz, onde todos moravam. Os três fundaram o Conjunto Carnavalesco de Oswaldo Cruz em 11 de abril daquele ano e não tinham uma sede para ensaiar. O trem, portanto, foi a primeira “quadra” do conjunto, um dos embriões da futura escola de samba Portela, uma das mais tradicionais do carnaval carioca.
Paulo vinha do trabalho – ele era lustrador de móveis no centro do Rio – e os outros vinham de Oswaldo Cruz ao seu encontro. Ensaiavam todos os dias e, aos domingos, tocavam para o povo do bairro que não podia ir ao trem. O “palco” ficava em frente a uma mangueira que havia na porta da casa 461 da Estrada do Portela. O endereço foi a origem do apelido de Paulo. O nome da escola de samba só seria adotado nove anos depois, em 1935.
Quem testemunhou esses ensaios precursores do samba carioca tem relatos deliciosos. É o caso de Ernani Rosário, que deu o seguinte depoimento a Lygia Santos e Marília Barboza no livro Paulo da Portela, Traço de União entre Duas Culturas: “O trem parava em todas as estações, do Engenho de Dentro a Cascadura. Ali se passava o samba. Já começava a passar o samba na Central, enquanto esperava-se o trem. O pessoal ia chegando às 4 horas, quatro e meia, até as seis e quatro, quando chegava o trem. Quando chegava umas 5 horas, eu tomava um banhozinho, botava o paletó, enfiava o tamborim debaixo do braço e partia pra lá pra me reunir. Na estação Dom Pedro II (na Central do Brasil), o carro de prefixo Deodoro era a sede móvel, a sede volante. As pessoas iam de Oswaldo Cruz até a Central pra poder voltar junto.”
Para se ter uma idéia da importância desse movimento para o samba, basta dizer que o conjunto de Oswaldo Cruz é considerado por alguns especialistas como o primeiro vencedor do carnaval carioca. No primeiro desfile oficial de Escolas de Samba – patrocinado pelo jornal Mundo Esportivo, em 1932 – perdeu o título para a Mangueira. Mas, antes disso, em 20 de janeiro de 1929 (dia de São Sebastião, padroeiro do Rio), o conjunto venceu a Mangueira e a Deixa Falar (fundada por Ismael Silva em 1928, que foi a primeira agremiação a usar a denominação escola de samba no Brasil) num concurso de sambas, que foi precursor do desfile de carnaval atual. O evento foi organizado pelo sambista Zé Espinelli, como o grande compositor da Mangueira, Cartola, lembrou em uma entrevista anos depois: “Zé Espinelli promovia muitas festas no Engenho de Dentro. Lembro que uma vez fui lá representando a Mangueira. No meio da festa, ele sugeriu o tema beijo e fizemos os sambas dentro desse tema”.
Não durou muito, porém, o samba nos vagões. No final de 1927, o Conjunto Carnavalesco de Oswaldo Cruz conseguiu uma sede na Estrada do Portela, onde mais tarde nasceria a Escola de Samba. Mas ficou marcado para sempre a persistência de Paulo da Portela, que ficou conhecido pelo seu amor ao samba e pela determinação de acabar com a imagem de malandro do sambista, algo comum nos anos 20. Por isso, andava vestido sempre de forma impecável: terno bem alinhado e chapéu novo, combinando com o resto da roupa. Também é lembrado pelas boas maneiras e etiqueta. E, se não conseguiu acabar com a pecha de vagabundo, deixou o legado que fez o samba passar a ser respeitado como cultura popular.

Samba voltou aos trilhos em 1991
Tradição ressurgiu por acaso.
Paulo da Portela não se conformava com as precárias condições do bairro de Oswaldo Cruz nos anos 20. A região, praticamente rural, tinha as ruas de terra e quase nenhuma infra- estrutura. Cerca de 70 anos depois, a situação não era muito diferente. Movido pelo mesmo sentimento, o cantor e  compositor Marquinhos de Oswaldo Cruz criou o movimento “Acorda Oswaldo Cruz” e, sem saber do que Paulo da Portela fizera anos atrás, passou a promover um pagode no trem que ia da Central do Brasil para os subúrbios. Desde 1991 no dia 2 de dezembro, o samba nos trilhos reúne cada vez mais gente. Em 1991 apenas 150 pessoas acompanharam a turma de Marquinhos, em 2004, 35 mil pessoas lotaram cinco trens e as ruas de Oswaldo Cruz. Para entrar na festa, basta comprar um bilhete comum de trem, que custa 1,60 real. O aperto no trem e nas ruas não impediu que milhares de pessoas fossem ver feras do samba como Beth Carvalho, Arlindo Cruz, Noca da Portela e as Velhas Guardas da Portela, Mangueira, Império Serrano e Salgueiro. Segundo os organizadores, foram vendidos cinco mil bilhetes a partir das cinco da tarde, horário de partida do primeiro trem. Neste ano, quem levasse um quilo de alimento não perecível também entrava. A organização arrecadou nada menos que uma tonelada de alimentos.

Aventuras na História n° 018

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