quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

A Grande Peste

A doença foi levada para a Europa por ratos e pulgas. Uma em cada três pessoas morreu em menos de cinco anos. Nunca, nenhuma guerra ou catástrofe matou tanta gente em tão pouco tempo: 25 milhões de pessoas
por Voltaire Schilling
Os sintomas não deixavam dúvidas. Atacada por uma febre de 40 graus, a vítima sentia crescer na virilha ou na axila um inchaço que assumia a forma de um doloroso furúnculo do tamanho de um ovo ou de uma laranja. Insônia e delírios complementavam o mal-estar, fazendo com que o infeliz temesse tanto o sono como o despertar. No segundo ou no terceiro dia, seu corpo estaria tomado por esses bubões. Se tivesse sorte, os caroços se abririam em pus, dimuinuindo a dor e a febre. Aí surgiriam as manchas pretas na pele. Ardendo, com feridas por todo o corpo, o condenado sentia-se como se na ante-sala do inferno. Era a peste negra ou peste bubônica.
O aspecto do desgraçado tornava-o repelente. Os olhos inchados pelas infecções e os membros cobertos pelas pústulas deixavam claro que a sua hora chegara e nada no mundo o salvaria. Neste momento de agonia, nos estertores de uma tremedeira sem-fim, ninguém mais se aproximava dele. Nem pai, nem mãe, nem irmão ou amigo que se apiedasse. Todos debandavam, temendo a contaminação. Cerca de uma semana depois dos primeiros sintomas, a vítima estava morta. Com poucas variações, foi assim que 25 milhões de pessoas morreram abatidas pela peste entre 1347 a 1351.
Ainda mais rápida que a doença corriam as histórias sobre ela. As primeiras notícias da peste vinham da Ásia, onde ela já fazia vítimas. Os relatos dos viajantes da rota da seda – que ligava a Europa à China – davam conta de mortes por causa da doença por volta de 1330, no deserto de Gobi. Aparentemente, a peste vivia nas tocas de roedores silvestres na região entre a China e a Índia. Ela permaneceu ali por milhares de anos, passando de roedor para roedor, carregada pelas pulgas, isolada naquela imensidão. Não podia ir muito longe, já que seus hospedeiros não costumam fazer longas viagens e mesmo as pessoas que ocasionalmente eram infectadas não se afastam muito de casa. No entanto, o mundo nunca fora tão pequeno, quanto no século 13. Uma tropa de nômades mongóis pode ter acampado próximo a uma toca de ratos, ou um deles pode ter se juntado a uma caravana, ou, ainda, uma minúscula pulga pode ter ido do dorso de um roedor para as roupas de um mensageiro que cruzava as estepes.
Nunca saberemos. O certo é que ela chegou à península da Criméia, no Mar Negro. Ali, no porto de Kaffa, a doença apareceu após um ataque de mongóis da Horda de Ouro. O lugar era freqüentado por mercadores genoveses e venezianos, que aportavam seus navios à espera de bons negócios. Sem saber que podiam estar infectados, os marinheiros alçaram velas para retornar à Europa. Passaram por Constantinopla e, em seguida, já abalados pelo efeito epidêmico, rumaram para o porto de Messina, na Sicília.
Além dos homens doentes, o navio transportava ratos. Milhares deles. E, claro, ocultas nos pêlos dos roedores, uma impressionante carga de pulgas. Ali, todos foram vetores da contaminação, já que uma vez que chega ao hospedeiro, a peste desenvolve dois tipos de epidemia: a bubônica e a pneumônica. A primeira expande-se pelo sangue, gerando os bubões nas ínguas e as ulcerações pelo corpo. Mas, mantendo-se na corrente sangüínea, só pode ser transmitida pela picada da pulga ou pela mordida do rato. A outra forma, no entanto, invade os pulmões, destruindo-os, provocando a expectoração. Essa forma pode ser trasmitida também pelos humanos, já que a cada vez que tossem lançam milhares de bacilos no ar.
A peste negra não era uma completa desconhecida em terras européias. Em 541, uma epidemia havia atingido as costas do Mar Mediterrâneo. Dessa vez, porém, ela encontrou um ambiente diferente, muito mais atraente para seu apetite. A população da Europa crescera muito nos séculos anteriores e havia mais gente do que comida disponível. Nos anos que precederam a década de 1340, invernos rigorosos dizimaram as colheitas, aumentando o contingente de famintos.
As más colheitas e a fome concentraram ainda mais gente nas cidades já superlotadas, onde as más condições de habitação e a falta de higiene e asseio contribuiriam para a propagação da peste. Descendentes dos povos bárbaros, dos godos, dos lombardos, dos alamanos, dos borguinhões, dos francos e saxões, que invadiram as antigas províncias romanas, os europeus viviam de maneira bem pouco saudável. Todo o antigo sistema sanitário romano, inclusive as latrinas, fora destruído. Durante o dia inteiro, das portas, do alto das sacadas ou das janelas, era um sem parar de jogar baldes e bacias cheias de tudo o que se possa imaginar bem no meio da rua. Os aquedutos, canais de esgotos e termas para banhos públicos foram delapidados pelos invasores que, com as pedras já talhadas, ergueram fortins ou castelos para protegerem-se contra os inimigos.
Nas cidades não havia nenhuma profilaxia que pudesse precaver os habitantes contra epidemias ou algum tipo de limpeza pública eficaz, tanto é assim que cabia aos porcos – e ao seu apetite voraz – o serviço de faxinar tudo. Ao comerem restos tocados ou usados pelos homens, também eles morreram em massa.
A morte chegou
Foi assim, em cidades sujas e superpovoadas que ratos e pulgas encontraram o ambiente perfeito para espalhar o mal. Do Mediterrâneo, a peste atingiu o norte da África: Alexandria, Cairo, Túnis, Argel, Tânger e do Marrocos para a península Ibérica foi um pulo. O sul da Espanha foi devastado: de Córdoba, na Andaluzia, até Barcelona tudo ficou de pernas para o ar: 290 mil pessoas morreram no reino da Catalunha. Europa adentro, a doença chegou à Roma e Florença. De Marselha, no sul da França (que deixara os barcos pestíferos ancorarem no seu cais, no dia 1º de novembro de 1347, ironicamente dedicado à festa dos mortos), rumou para o interior do país mais povoado do continente. Nas ilhas britânicas, a peste desembarcou em Weymouth, no dia 7 de julho de 1348. Insaciável, também por mar ela chegou a Bristol, então a segunda maior cidade do reino, matando 10 mil habitantes. Em Gales, Escócia e Irlanda, a doença só cederia em 1350.
Os pobres morriam aos milhares. Nas ruas, sem auxílio. Muitos acreditavam que a pestilência era uma trama dos nobres para que os plebeus fossem para o inferno – enquanto os ricos escapavam, refugiando-se em suas propriedades no campo, onde podiam se proteger de estranhos ou recém-chegados. Mas a verdade é que a peste negra foi ao seu modo uma catástrofe igualitária. Gente poderosa também sucumbiu.
O rei de Castela, Afonso XI e a futura rainha da França, Bonne de Luxemburgo, mãe dos dez filhos de Jean II, o Bom, morreram com os corpos ulcerados, agonizando como qualquer comum. Chanceleres ingleses e três arcebispos de Canterbury também entraram na lista. A peste devastou mosteiros e conventos. Em Montpellier, na França, só sete frades, num total de 140, escaparam da morte. Em Marselha, todos os 150 franciscanos foram de uma vez só aos céus, o mesmo dando-se com 27 monges da Abadia de Westminster, na Inglaterra. Na região do Perpignon, na França, dos 125 notários que existiam sobraram só 45, dos dez médicos, somente um continuou vivo e 16 dos 18 barbeiros-cirurgiões morreram. Todos os profissionais que tinham de lidar com o público estavam expostos. Para consternação do rei Felipe da França, seus arrecadadores de impostos também apodreceram nas estradas.
Nem o líder máximo da Igreja Católica, Clemente VI estava a salvo e teve de deixar Avignon, no sul da França (então sede do papado), quando a mortandade atingiu 400 pessoas por dia, entre 1348 e 1349. Ele aguardou quase um ano em um lugar isolado e montanhoso o mal enfraquecer.
A morte aos milhares pioraram as já precárias condições de saúde da época. Os cadáveres se avolumavam, decompondo-se nos lares ou jogados na frente das casas. Os féretros dos figurões, antes um acontecimento solene, com a parentela e os grandes da cidade acompanhando o caixão até o mausoléu da família, ao som de um bumbo fúnebre e flauta triste, acabaram virando uma cerimônia grotesca. Um par de humildes padioleiros desconhecidos, contratados a peso de ouro, carregavam o defunto quase que na corrida para ir jogá-lo às pressas na primeira cova aberta que encontravam. Nas capelas e igrejas, os mortos eram empilhados como se fossem carga de navio. Trazidos em carroções, como achas de lenha podre, enfiavam-nos, sem reza ou bênção, três ou mais, num só buraco aberto no chão.
Até os animais morriam aos montes. Andar pelas ruas era um risco e um sacrifício. Logo, os poucos atrevidos traziam junto às narinas plantas aromáticas para atenuar a fedentina dos restos insepultos e do lixo que se acumulava por toda a parte. Florença ficou quase deserta pela fuga dos que ainda podiam andar. Mas a situação no campo, que no início era o melhor lugar para escapar da peste, já não estava muito diferente.
A doença parecia perseguir os homens, onde quer que eles fossem.
Horror e culpa
Em outubro de 1348, os doutores da Sorbonne de Paris, enfim, diagnosticaram o mal: a má confluência dos astros estava causando o estrago. O alinhamento de Saturno, Júpiter e Marte, asseguraram eles, era o responsável pelas mortes.
Fosse quem fosse o culpado, rogos, preces, promessas e penitências, rezas a São Roque, o protetor dos lazarentos, nada arrefecia o implacável destino que estava reservado às populações atacadas pela doença. Ao contrário, qualquer ajuntamento pretendido, a mínima formação de um punhado de fiéis para reclamarem dos céus os rigores da vara de Deus, matava mais gente ainda. Calcula-se que dos 1,2 milhão de peregrinos que foram a Roma para celebrar o Ano Santo de 1350, somente cem mil deles restaram vivos. O papado tratou de proibir as grandes procissões dos dias santos e de liberar os moribundos da extrema-unção.
O desespero crescente levou aos atos radicais e ao fanatismo religioso. A doença era a marca do pecado e se alguém sofria no leito era porque boa coisa não fizera antes. Na Alemanha, começou um movimento que procurava aplacar a ira de Deus, por meio da mortificação coletiva e era chamado de Irmandade dos Flagelantes. Prática desconhecida na Europa até o século 11, o hábito das disciplinas, como designavam a autoflagelação, virou rotina durante aqueles anos. Vestindo-se com uma bata ou um saco branco, com uma cruz vermelha no peito, eles peregrinavam de aldeia a aldeia, repetindo ladainhas, chicoteando-se nas costas com tiras de relho com pontas de ferro. No início eram apenas inocentes aberrações, mas com o tempo os fervorosos flagelantes se tornariam perigosos para as outras pessoas.
Na procura de um motivo para a peste, os europeus se voltaram contra os estrangeiros, acusando-os de trazerem a doença. Na Espanha, por exemplo, os árabes eram o alvo preferido, em Portugal, os peregrinos religiosos. Em todo o norte da Europa, os judeus foram acusados de envenenarem a água dos poços e das cisternas. Foi a mais violenta onda de anti-semitismo até então, mais intensa do que nos tempos da Primeira Cruzada, no século 11, e somente superada pela desencadeada pelos nazistas no século 20. Na península Ibérica, incitadas por padres apopléticos, as aljamas ou juderias – comunidades que reuniam os judeus – foram invadidas por turbas ensandecidas que destruíam tudo pelo caminho, prendendo os moradores para serem em seguida queimados ou afogados. Em Basel, na Suíça, todos os judeus da cidade foram reunidos, presos em estacas de madeira e queimados vivos. Em Estrasburgo, na época pertencente à Alemanha, dois mil judeus foram mortos em fogueiras coletivas.
Nem a ação do papa Clemente VI, que expediu as bulas de 4 de julho e 26 de setembro de 1348, isentando oficialmente os judeus de qualquer responsabilidade no contágio da peste, evitou os assassinatos em massa.
Quando a praga por fim arrefeceu, no fim do ano de 1351, saciada por tanta gente que matou em cinco anos de horror, a Europa não seria mais a mesma. As elites medievais com sua fé abalada pela devastação, tornaram-se cada vez mais sombrias, inclinaram-se por temas mórbidos e místicos. As relações comerciais demorariam dezenas de anos para reconquistar a força de antes da crise. As ruas e as cidades, os campos e as estradas estavam vazias, as autoridades haviam sumido. Os portões dos feudos se fecharam para os visitantes que passaram a ser vistos como inimigos. O isolamento entre os reinos tornou-se ainda maior e havia um crescente sentimento de xenofobia. Ninguém era bem-vindo e todos eram suspeitos de carregar a peste. Os anos que se seguiram, os europeus viveram assolados pelo medo e por uma só pergunta: quando ela vai voltar?
Faces da morte
Quem ousou sair às ruas de Florença, ou qualquer outra grande cidade européia, naquele verão de 1348, deparou-se com imagens que nunca mais esqueceu. A morte estava em todos os lugares, afetou a todos e mudou a história da Europa. Ninguém ficou livre de seus efeitos e conseqüências.
Ratos
Os pequenos roedores morreram aos milhões. Caíam nas ruas, eram varridos para fora das casas, mas, curiosamente, ninguém parece ter notado que eles pudessem estar particularmente envolvidos com a doença. Raramente relatos da época citam os roedores
Corpos
No calor do corpo humano uma batalha era travada. A peste injetada na corrente sangüínea causava nódulos ou bubos. Mesmo sem tratamento, cerca de um em cada três doentes sobreviviam à peste bubônica. Mas em um de cada 20 contaminados, a peste chega aos pulmões. Para esse infeliz, a morte é certa
Clero
Padres e monges não escaparam da tragédia e, se não foram as vítimas preferenciais, já que a peste não fazia distinção, estiveram entre as mais bem documentadas. Em Montpellier, por exemplo, só sete religiosos escaparam num total de 140 internos no convento local. O medo do contágio fez o papa suspender a extrema-unção, um dos sacramentos da Igreja Católica Romana
Médicos
A medicina não impedia o avanço da doença. Havia quem pensasse que ela era transmitida pela respiração, outros que bastava um olhar para propagar a peste. A maioria achava que os miasmas, ou o “ar ruim”, eram os culpados e receitavam a queima de ervas ou a aspersão de água de rosas. Enquanto isso, morriam os médicos também
Xenofobia
Viajantes, peregrinos e negociantes, ninguém mais era bem-vindo. As cidades fechavam suas portas e proibiam a entrada de estrangeiros. Árabes e judeus foram acusados de trazer a doença. Se já havia esse sentimento em alguns lugares na Europa, a peste deu uma justificativa ao ódio, atiçando o preconceito e o medo nas pessoas

Ainda Existe um país chamado Macedônia ?

 Talvez todo mundo saiba que existe um país com esse nome. É a República da Macedônia, que surgiu em 1991, com a divisão da Iugoslávia. Mas você sabe o que ela tem em comum com a antiga Macedônia, terra de Alexandre, o Grande?
A região que originalmente foi chamada de Macedônia situava-se ao norte da Grécia e era habitada desde, pelo menos, 700 a.C. Os macedônios ficaram famosos no século 3 a.C. quando conquistaram todo o mundo grego. Sob o comando de Alexandre, o império ia do Egito à Índia. Após sua morte, suas terras foram divididas e conquistadas pelos romanos em 168 a. C. A partir daí, ela foi invadida e ocupada por diferentes povos.
A própria utilização do nome Macedônia é motivo de polêmica. Os gregos, que não reconhecem até hoje o novo país, argumentam que a Macedônia histórica fica dentro de suas fronteiras e que a utilização do nome pelo vizinho é uma afronta. Algo como se a Venezuela quisesse se chamar Amazônia.

Calendário: Em que ano Estamos?

por Artur Louback Lopes
A pergunta não é tão simples quanto parece. Pelo calendário gregoriano estamos no ano 2003 depois de Cristo. Contudo, estima-se que cerca de 40 calendários diferentes sejam usados hoje no mundo, sem contar outros tantos que se perderam ao longo da história. Por propósitos administrativos, a maioria dos países usa o gregoriano como padrão oficial, mas, paralelamente, outros sistemas de contagem de tempo são utilizados, seja para fins religiosos, festivos ou para unir povos dispersos pelo mundo. No último dia 4 de março (no calendário gregoriano), por exemplo, muçulmanos de diversas nações comemoraram o Muharram 1, primeiro dia do novo ano, segundo o Islã, segunda maior religião do planeta, praticada por cerca de 15% da população mundial. Entravam no ano 1424, enquanto os hebraicos chegavam ao sétimo mês do ano 5763. Alguns países só recentemente aderiram ao calendário gregoriano. A China o fez em 1912. Até então o país mais populoso do mundo seguia seu próprio calendário.
Os últimos a aceitarem o padrão foram países ligados ao Cristianismo Ortodoxo, como Grécia, Bulgária e Romênia, que só deram o braço a torcer durante ou após a Primeira Guerra Mundial.

Guerra do Paraguai: Briga entre Hermanos

Nova versão da Guerra do Paraguai nega conspiração inglesa e afirma que conflito foi motivado por disputas regionais
por Patrícia Pereira
O brasileiro que aprendeu sobre a Guerra do Paraguai na escola depois da década de 60 tem motivos para se envergonhar de seu país. Afinal, a versão sobre o conflito disseminada pelos livros didáticos é que o Brasil, a Argentina e o Uruguai foram usados em uma guerra arquitetada pela Inglaterra para arruinar o Paraguai. Mas eis que surge um alento para a nossa auto-estima. Uma recente revisão sobre as causas da guerra aponta que a tese da conspiração inglesa é pura fantasia. Na realidade, afirmam os defensores da nova versão, o conflito entre os países sul-americanos foi motivado por disputas de território e poder na região do rio da Prata.
A Guerra do Paraguai se estendeu por mais de cinco anos, de dezembro de 1864 a março de 1870. Logo que ela terminou surgiram relatos sobre as batalhas e seus heróis, mas as causas históricas que motivaram o conflito foram relegadas a segundo plano. Isso porque ninguém questionava o fato de o presidente paraguaio, Solano López, ter sido um ditador sanguinário e megalomaníaco que conduziu seu país a uma guerra sem chances de vitória. Odiado por todos, López era visto como o grande causador do conflito.
No final do século 19 e início do século 20, algumas vozes se levantaram contra essa versão. No Brasil, os positivistas, contrários à monarquia como forma de governo, passaram a responsabilizar o império pelo confronto. No Paraguai, López teve sua imagem reconstruída e passou a ser apresentado como estadista e grande chefe militar. Para essa corrente revisionista, López foi um exímio general que entrou na guerra para defender os interesses econômicos do Paraguai.
Armação inglesa
Mas foi no final da década de 1960 que a teoria conspiratória inglesa ganhou força. Intelectuais nacionalistas e de esquerda, com inspiração marxista, criaram a imagem de López como líder antiimperialista. O Paraguai pré-guerra era apresentado por esses estudiosos como uma república autônoma, um país que havia conseguido alcançar o equilíbrio social e o desenvolvimento econômico. Tal condição representaria uma ameaça para a Inglaterra, que perderia uma fonte de matéria-prima no exterior e um comprador de seus produtos industriais. Assim, os ingleses teriam manipulado o Brasil e a Argentina para que destruíssem o Paraguai.
Reflexo do contexto histórico em que essa versão foi escrita, de disputas imperialistas, López passava a ser para esses intelectuais quase um líder socialista, a proteger seu país contra uma potência, e o Paraguai se tornava uma espécie de Cuba que lutava contra o domínio dos “Estados Unidos da época”, a Inglaterra. No Brasil, a publicação mais marcante que difundiu essa versão foi Genocídio Americano: a Guerra do Paraguai, de autoria do jornalista Julio José Chiavenatto.
A fraqueza dessa tese está na falta de provas. Chiavenatto chegou a escrever em seu livro que “a maioria dos seus documentos [da Guerra do Paraguai], se não todos os documentos mais importantes, está proibida para o pesquisador que pretende ir além de fenômenos circunstanciais”.
E é baseada em provas documentais que uma nova teoria veio contestar a idéia de que a guerra foi provocada por uma conspiração inglesa para deter a autonomia paraguaia. “Não existe um documento, de qualquer origem, que mostre a vinculação ou o interesse do governo inglês em fazer uma guerra contra o Paraguai”, afirma o historiador Francisco Doratioto, autor de Maldita Guerra – Nova História da Guerra do Paraguai, livro que marca o neo-revisionismo no Brasil e fortalece a tese de que o conflito foi motivado por interesses regionais. O historiador encontrou uma carta do representante diplomático britânico em Buenos Aires, Edward Thornton, dirigida ao governo paraguaio, em dezembro de 1864, na qual oferecia seus préstimos para evitar uma guerra entre o Paraguai e o Brasil.
Doratioto rebate ponto a ponto os argumentos dos intelectuais da década de 60. “É bom lembrar que o império do Brasil estava com relações diplomáticas rompidas com a Inglaterra e só as restabeleceu em outubro de 1865, quando Mato Grosso foi invadido pelo Paraguai em dezembro de 1864”, diz Doratioto, ao contestar a possível intenção da Inglaterra de apoiar o Brasil na guerra. Doratioto, e toda a corrente neo-revisionista, afirma que as causas da guerra foram as disputas regionais. “Não há ‘bandidos’ ou ‘mocinhos’, como quer o revisionismo infantil, mas sim interesses”, escreve em seu livro.
Atritos regionais
E que interesses eram esses? O Brasil não esperava uma guerra contra o Paraguai, mas, depois de iniciada, apostou que o conflito poderia colocar fim aos problemas de fronteira entre os dois países e às ameaças por parte do Paraguai de impedir a livre navegação pelo rio que dava acesso ao Mato Grosso. Também vislumbrou na guerra uma chance de conter a influência da Argentina sobre o Paraguai. Na época, os estados nacionais ainda estavam se formando e o Brasil temia que Buenos Aires incorporasse o território paraguaio e formasse uma república grande e forte na região, nacionalizando os rios platinos e criando obstáculos à navegação.
Para a Argentina, a guerra era a chance de consolidar o Estado centralizado, derrotando o apoio externo dado por Solano López à ala federalista, contrária à unificação argentina. O país também tinha interesses no território do Chaco, até então de soberania paraguaia.
O próprio Paraguai tinha seus propósitos. López via a chance de fazer de seu país uma potência e de ter acesso ao mar pelo porto de Montevidéu (o Paraguai havia se aliado à oposição – os blancos – no Uruguai).
Já o Uruguai, que vivia um conflito civil, com blancos e colorados na disputa pelo poder, era um país dividido e sem autonomia. Ele tinha no apoio militar paraguaio dado aos blancos contra argentinos e brasileiros uma chance de impedir que esses dois países continuassem a intervir em sua política. E foi exatamente desse apoio que começou a guerra: tropas brasileiras, com aval argentino, entraram no Uruguai para realizar uma intervenção. O Paraguai reagiu invadindo o Mato Grosso e Corrientes, na Argentina, atos que levaram à formação da Tríplice Aliança (Brasil, Argentina e Uruguai) para enfrentar López.
Para Chiavenatto e a corrente revisionista, essas questões de limite entre os países, “pela sua falta de propósito para causar uma guerra”, foram “meros pretextos para criar condições de uma invasão do Paraguai”, afirma o jornalista. Doratioto contesta: “Parece óbvio, mas quando se discutem as origens da guerra, se esquece de um fato evidente: o Paraguai começou o conflito ao atacar o Mato Grosso e, depois, o território argentino. É importante se ater às datas, de ‘quem fez o que’ antes, o que permite evitar deturpações – conscientes ou não – do processo histórico”.
Doratioto considera superada a versão de uma conspiração inglesa. “Entre os historiadores acadêmicos que estudam o assunto não há, hoje, quem a adote”, afirma. E parece ter respaldo. A professora Lídia Maria Vianna Possas, que leciona a disciplina História da Formação dos Países Latino-Americanos na Faculdade de Relações Internacionais da Unesp, de Marília, diz que a antiga versão sobre a Guerra do Paraguai era frágil e parcial. “Era uma visão de que tudo o que ocorria na América Latina tinha um culpado lá fora. Uma questão de auto-estima baixa, pois achávamos que não éramos os responsáveis por nada. Os fatos ocorriam porque os Estados Unidos ou a Inglaterra assim desejavam. Uma historiografia muito marxista”, diz Lídia.
Para ela, o neo-revisionismo, que aposta nos conflitos regionais como causadores da guerra, resgatou o papel do sujeito. “Não foi uma guerra orquestrada em Londres. Aqui mesmo existiam pessoas com idéias próprias e que faziam o jogo dos interesses locais.”
Dinheiro inglês
Lídia lembra que a Inglaterra acabou prejudicando o Paraguai ao fazer empréstimos bancários aos países da Tríplice Aliança, mas afirma que isso não ocorreu de forma deliberada, e sim atendendo a interesses da burguesia inglesa. “A Inglaterra até começa com certo apoio ao Paraguai, mas depois fica com a maioria, com quem irá vencer e comprar dela depois”, afirma Lídia.
O apoio financeiro dado pela Inglaterra aos países da Tríplice Aliança é mesmo um dos argumentos mais fortes da teoria conspiratória defendida por intelectuais da década de 60, mas Doratioto rebate essa idéia. “Aqui há dois aspectos preliminares a se considerar: o primeiro é que se trata de banqueiros, de interesse privado, e não do governo inglês; e o segundo é que, no lado brasileiro, o financiamento da guerra foi feito basicamente com recursos próprios. Os empréstimos da Inglaterra significaram pouco mais de 10% do que foi gasto. Banqueiros ganham dinheiro com empréstimos e emprestam para quem pode pagar. Nada de surpreendente, portanto, que tenham emprestado dinheiro aos aliados. E por que não emprestaram ao Paraguai? Porque, já no início da guerra, uma análise pragmática – e eis uma característica dos banqueiros – permitia concluir que o Paraguai podia não ganhar a guerra e, portanto, não seria de se estranhar se deixasse de honrar os empréstimos”, diz o historiador.
Doratioto também contesta com veêmencia a idéia central dos revisionistas da década de 60, de que o confronto foi orquestrado pela Inglaterra com o objetivo de aniquilar o desenvolvimento autônomo do Paraguai e abrir um novo mercado consumidor para os produtos britânicos e fornecedor de algodão para as indústrias inglesas. “O mercado consumidor paraguaio era diminuto, pela falta de poder aquisitivo da população, e, ainda assim, aberto a importações. Quanto ao algodão, a Guerra do Paraguai se iniciou quando a luta norte-americana já terminara sem que, durante os quatro anos desse conflito, a Grã-Bretanha tivesse tomado qualquer iniciativa para obter algodão paraguaio”, escreve em seu livro.
Mais fantasiosa do que a tese de uma conspiração inglesa para conter o surgimento de uma potência na América Latina talvez seja a idéia de que o Paraguai representasse substancialmente essa ameaça. Segundo Doratioto, o Paraguai de Solano López era uma nação sem dívidas e com avanços tecnológicos justamente graças à presença de técnicos estrangeiros. Mas essa modernização se limitava ao plano militar. No campo, os agricultores paraguaios ainda utilizavam técnicas de cultivo de no mínimo dois séculos atrás. Sem contar que o Estado era dono de quase 90% do território nacional. Também seria equivocado dizer que havia igualdade social e educação avançada. Enfim, parece claro que o Paraguai estava longe de representar uma ameaça às pretensões inglesas. O que nos faz suspirar aliviados – afinal, ao que tudo indica, toda a vizinhança teve um pouco de responsabilidade nessa guerra.
Como Solano López virou um herói
Terminada a Guerra do Paraguai, o país de Solano López estava empobrecido, com baixa auto-estima e carente de líderes. Esse contexto favoreceu um movimento para recuperar a imagem de López. De ditador responsável por uma guerra desastrosa, ele passou a ser visto como vítima da Tríplice Aliança e personificação do patriotismo. Mas segundo o historiador Francisco Doratioto, os verdadeiros motivos para se construir uma imagem heróica de López foram as vantagens econômicas ambicionadas por seus herdeiros – interessados em receber o espólio do ditador que fora embargado pela Justiça paraguaia.
Número de mortes causa divergência
As estatísticas sobre o número de mortos na Guerra do Paraguai são díspares. Isso ocorre em parte pela falta de dados confiáveis sobre a população paraguaia antes do conflito. No livro Genocídio Americano: A Guerra do Paraguai, Julio José Chiavenatto diz que, antes da guerra, o Paraguai tinha 800 mil habitantes. Terminado o conflito, existiriam no país 194 mil pessoas, sendo 14 mil homens (70% crianças com menos de 10 anos) e 180 mil mulheres. O autor aponta também que, dos 4200 homens com acima de 10 anos, apenas 2100 tinham mais de 20 anos. Supondo que metade da população antes da guerra era formada por homens e a outra metade por mulheres, a conclusão que se chegaria é que 99,5% da população masculina adulta do Paraguai teria morrido no conflito. O livro Maldita Guerra – Nova História da Guerra do Paraguai, de Francisco Doratioto, traz outras estatísticas. Para o historiador, as perdas paraguaias na guerra variaram entre 8,7% e 69% da população. Ele aponta os dados divergentes sobre o número de habitantes do Paraguai no pré-guerra. A estimativa varia de 285715 a 450 mil pessoas. Portanto, teria sido de 28286, no mínimo, a 278649, no máximo, a redução da população paraguaia ao final dos cinco anos de guerra. Doratioto ressalva que a maior parte das mortes não se deu no campo de batalha, mas em conseqüência de doenças, fome e exaustão física. Além disso, muitos dos paraguaios dados como desaparecidos, na realidade, emigraram para a Argentina ou para o Brasil depois que terminou a guerra.
Quanto ao Brasil, o país enviou para o conflito139 mil homens. Desses, cerca de 50 mil morreram, a maior parte devido a doenças e aos rigores do clima. O Uruguai participou da guerra com cerca de 5500 soldados. Ao final do conflito, restavam por volta de 500. Já a Argentina, que contava no início com 30 mil homens, sofreu uma baixa de 18 mil soldados.

Julho na História

Ano de 1789
Eram apenas sete os prisioneiros guardados pela fortaleza que servia como prisão para os inimigos do Estado absolutista francês, desde Luís XIII (1610-1643). Mais do que a libertação dos presos, no entanto, quando os manifestantes invadiram a Bastilha em meio aos protestos populares que abalavam a cidade, eles colocaram fim a uma era. Literalmente.
A revolução que se seguiria inaugurou a Idade Contemporânea da história. “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”e os ideais iluministas anunciados por filósofos como Voltaire e Rousseau tornaram-se lemas que motivaram os protestos contra a monarquia e a desigualdade entre as classes sociais. O movimento inspirou, ainda, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, segundo a qual todos os homens possuem direitos naturais, inalienáveis e sagrados à liberdade, à propriedade, à segurança e à resistência à opressão. Dia 14, em Paris.
Ano  64 d.C
Tem início um grande incêndio em Roma, que durou nove dias e arrasou a capital do Império. Os motivos da tragédia nunca foram esclarecidos, mas o imperador Nero é, geralmente, acusado de tê-la provocado para “limpar” a cidade e, assim, poder reconstruí-la à sua maneira. Dia 19, em Roma.
Ano  711 d.C
O último rei visigodo da Espanha, Rodrigo, é derrotado pelos muçulmanos sob a liderança de Tarik ibn Ziyad na batalha de Guadalete. Dia 1º, próximo a Cadiz.
Ano de 1054
O representante do papa Leão IX entrega a bula de excomunhão do patriarca de Constantinopla. É a oficialização da ruptura entre as igrejas católicas romana e ortodoxa, que já durava séculos. Dia 16, em Constantinopla (atual Istambul).
Ano de 1187
Saladino, sultão do Egito e da Síria, derrota os cruzados perto do Mar da Galiléia, na Batalha de Hattin. Dali, partiria para reconquistar Jerusalém. Dia 3, em Tiberíades (atual Israel).
Ano de 1709
O exército russo de Pedro I derrota a armada de Carlos XII, colocando fim à hegemonia sueca na região do Mar Báltico. A Rússia, enfim, conquistava uma fronteira marítima na Europa. Dia 8, em Poltava (atual Ucrânia).
Ano de 1867
As províncias do Alto e do Baixo Canadá, e as províncias marítimas da Nova Escócia, de Novo Brunswick e da Ilha do Príncipe Eduardo, unem-se na confederação do Domínio do Canadá. A data tornou-se o Dia Nacional do Canadá. Dia 1º, no Baixo Canadá (atual Quebec).
Ano de 1969
O astronauta americano Neil Armstrong, comandante do módulo lunar Apolo 11, é o primeiro homem a desembarcar em solo extraterrestre. Dia 20, no Mar da Tranqüilidade, na Lua.
Nasceram...
João Calvino (1509 -1564) Um dos líderes da reforma protestante na Europa, defendia que a igreja regulasse a vida dos cidadãos. Dia 10, em Noyon, França.
Simon Bolívar (1783-1830)
Militar e estadista venezuelano, liderou os movimentos que promoveram a independência da Venezuela, Colômbia, Equador, Peru e Bolívia. Dia 24, em Caracas.
Santos Dumont (1873-1932)
Inventor brasileiro, um dos precursores do transporte aéreo no mundo. Realizou o primeiro vôo motorizado na Europa, a bordo de seu 14 Bis. Dia 20, em Palmira, Minas Gerais.
Morreu
Eva Perón (1919-1952)
Ex-atriz, tornou-se esposa do ditador argentino Juan Péron. Carismática, defendia causas sociais e a maior participação das mulheres na política. Evita, como era chamada, morreu de leucemia. Dia 26, em Buenos Aires.





Montesquieu: Roma Iluminada

por Celso Miranda
Publicadas originalmente em 1734, as Considerações sobre as Causas da Grandeza dos Romanos de Sua Decadência (Contraponto), do filósofo francês Montesquieu (1689-1755), é uma oportunidade ímpar para conhecer a história de Roma – epicentro do mundo mediterrâneo durante tantos séculos – a partir da ótica de um dos principais pensadores do século 18.
Já famoso por livros como Cartas Persas e Reflexões sobre a Monarquia Universal, que precederam sua grande obra Do Espírito das Leis, de 1748, Montesquieu isolou-se da agitada vida de Paris em seu castelo em La Brède, próximo a Bordeaux, uma região de ótimos vinhos, aliás. Ali, ele consumiu dois anos e leu não apenas os clássicos, mas também antigos textos não latinos e pré-medievais. Mas a erudição e o rigor das citações de trechos de Procópio, Políbio, Apiano, Zózimo e Jordanes, não devem intimidar o leitor. Com habilidade, Montesquieu serve-se dessas fontes, hoje praticamente inacessíveis, transformando-as em uma deliciosa e completamente inteligível iguaria: um texto curto, sintético, cuja ambição é conceber uma história explicativa e que, por outro lado, incite o leitor a fazer sua própria reflexão.
Montesquieu não se prende à narrativa de eventos singulares ou à sua datação e vai ao essencial com habilidade e método. Ele pretende observar o passado para esclarecer o presente e, nessa empreitada, revela-se um precursor Hegel, o fundador da filosofia da história. Algumas das suas idéias são particularmente úteis para entender tanto a história do Império Romano, quanto a filosofia de Iluminista que serviu tão bem ao Estados Modernos. Montesquieu acredita que há racionalidade na história: “Não é a sorte que domina o mundo. Quando o acaso de uma batalha, isto é, uma causa particular, destrói um Estado, é porque havia uma causa geral que fazia com que este Estado devesse perecer em uma única batalha”. Mas também não se deixa fascinar pelas individualidades: “Se César e Pompeu houvessem pensado como Catão, outros teriam pensado como César e Pompeu”.
Hoje, quando os leitores de história parecem preferir as estruturas ocultas e estáveis à simplória cronologia dos fatos, essas considerações adquirem novo valor e reafirmam a modernidade de Montesquieu.

O Proteu brasileiro

por  Décio Freitas
As elites nacionais exercem sua supremacia segundo técnicas e estilos peculiares – às vezes semelhantes, mas nunca idênticos. Substrato de experiências históricas cumulativas, as técnicas e os estilos oferecem em cada país um aspecto de impressionante continuidade e invariabilidade. No caso brasileiro, a técnica e o estilo são simbolizadas por Proteu, entidade mitológica que gozava de imenso poder sobre os homens. Para se libertar do seu jugo, eles precisavam destruí-lo. Ora, a passagem do tempo envelhecia Proteu, possibilitando sua supressão. Mas então ele se metamorfoseava. Na verdade, possuía o dom de se transformar em coisas muito semelhantes desejadas pelos homens. Dessa forma, Proteu remoçava-se e sobrevivia – perpetuamente.
Veja-se o elemento protéico na técnica e no estilo brasileiros. À vista da inapelável decrepitude da ordem colonial, a mesma elite que a servira por três séculos é que toma a iniciativa de promover a Independência. Depois, ela própria defendeu a escravidão contra tudo e contra todos – as insurreições negras e as pressões inglesas – e, quando farejou que a instituição caducara, apressou a mobilizar os donos de escravos para aboli-la. Monarquistas convictos proclamaram a República, quando perceberam a obsolescência do regime monárquico. A República, chamada oligárquica, carunchou em 40 anos. Aí, laureados políticos oligárquicos promoveram a transição da Revolução de 30, cujo remate foi a ditadura do Estado Novo. A perempção da ditadura levou seus condestáveis a substituí-la por um regime liberal-democrático. Assustados com as potencialidades emancipatórias do novo regime, providenciaram sua revogação através dum novíssimo regime autoritário. Exaurido este regime após mais de 20 anos, trataram de cancelá-lo.
Em cada crise histórica efetuaram-se as operações de transição – arriscadas e delicadas como o desmonte duma bomba-relógio – com mestria e tirocínio sensacionais. Bem, nesse caso, nada mudou? As metamorfoses de Proteu podiam não melhorar a vida dos homens tanto quanto desejavam, mas, de qualquer forma, sempre havia alguma mudança. Analogamente, nossas transfigurações institucionais introduziram algum tipo de mudança na vida das camadas subalternas em aspectos sociais, econômicos ou políticos. Só um sectarismo maniqueísta pode negá-lo. O ponto consiste no seguinte: as apropriações efetuadas pelas camadas subalternas em cada uma dessas transfigurações históricas sempre foram limitadas, com um saldo escassamente progressista e mesquinhamente libertário.
Não houve, em nenhum caso, mudanças revestidas da profundeza e amplitude capazes de criar uma sociedade de fato nova, segundo os interesses e as necessidades das camadas subalternas. As transfigurações serviram para bloquear mudanças perigosas à velha supremacia.
Trata-se de tipo especial de mudança – a mudança abortiva. O novo absorve o velho, isto é, supera-o e, ao mesmo tempo, conserva-o. A mudança implica permanência. O novo sistema, em lugar de eliminar radicalmente o antigo, incorpora-o em larga medida; repetindo-o no momento mesmo em que parece negá-lo. São mudanças a um tempo progressistas e retardatárias. Como resultado da conciliação do passado e presente, as desagradáveis feições do arcaísmo transparecem sempre através do belo disfarce da modernidade. Nas suas crises a elite se divide em tendências conflituosas, da mais conservadora a mais progressista. Mas na hora crucial, o metamorfismo se manifesta. As facções promovem composições baseadas em concessões recíprocas que salvaguardam o status quo. Os adverários de ontem se reúnem hoje em governos politicamente híbridos e promíscuos que apresentam dupla face – a do antigo e a do novo. Cria-se a sensação de que governos novos rejuvenescem uma sociedade arcaica.
Tudo se passa como se a elite brasileira houvesse assimilado uma lição de Maquiavel. Às vezes, escrevia ele, formam-se na sociedade paixões perigosas à estabilidade do Estado, convindo por isso dispor de válvulas de segurança que, uma vez abertas, possibilitam o extravasamento das paixões.
O nascimento desse estilo pode datar-se com exatidão no processo da Independência. Evaristo da Veiga, um dos virtuoses da política do império, pôde discerni-lo em 1831, quando uma frente ampla composta de ultraconservadores e ultraliberais levou-o a dizer que se tratava duma “liga de metais repugnantes”.
Este é o caso. Nossa história move-se num círculo vicioso marcado pela impotência transformadora. A ser verdade que o povo é o motor da história, como queria o filósofo de Tréveris, não há como fugir à conclusão de que o povo brasileiro é um motor em ponto morto. Será que nas últimas eleições houve mais uma vez apenas uma mudança de pele?

O que é Reino Unido?

Alexandre Versignassi
É uma nação muito peculiar, formada por quatro países e um regime que mistura monarquia constitucional e democracia parlamentarista. Seu nome completo é Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte – o que significa que, quando falamos em Grã-Bretanha, nos referimos apenas aos três países que compõem a ilha maior: Inglaterra, Escócia e Gales. O centro político sempre foi a Inglaterra e, ainda hoje, dos 659 membros do Parlamento britânico, que legisla para os quatro territórios, 529 são ingleses. Depois de séculos de disputas e protestos, o governo permitiu, em 1999, que cada um tivesse, finalmente, sua própria Assembléia – mas o Parlamento central não perdeu seu poder.
É ele que continua ditando as regras em assuntos fundamentais como política econômica, previdência social e defesa. Para as assembléias regionais, sobram temas como transporte, saúde e habitação. A iniciativa, porém, não foi suficiente para acalmar todos os ânimos. No mês passado, a Assembléia da Irlanda do Norte foi fechada pela quarta vez em três anos porque um dos parlamentares foi acusado de roubar informações para o Exército Republicano Irlandês (IRA), movimento contrário à união com o Reino e famoso por seus atos de terrorismo. A Assembléia, assim como o país, é dividida: há os protestantes, que querem manter o casamento com Inglaterra, Escócia e Gales; e os católicos, que preferem o divórcio. Antes, toda a ilha irlandesa fazia parte do Reino Unido. Em 1922, ela declarou independência – mas não demorou a se dividir.
Territórios de maioria protestante continuaram com o Reino, sob o nome de Irlanda do Norte, e a convivência desse grupo com a minoria católica sempre foi conflituosa. Não que a união dos outros territórios tenha sido tranqüila. O sangue já escorria desde, pelo menos, o século V, quando anglos, saxões e jutos – povos bárbaros do Norte da Europa – invadiram a ilha britânica para formar a população chamada anglo-saxônica, ancestral dos atuais habitantes.
A Inglaterra só começou a se unificar no século X, sob o comando do rei Athelstan. A aliança de nobres formada nessa época começou a invadir a Irlanda a partir de 1166 e décadas depois, no século XIII, o rei Edward I arrasou os reinos que formavam o País de Gales, anexando-os à Inglaterra. Já a entrada da Escócia foi um pouco mais pacífica: como a rainha Elizabeth I (1533-1603) não deixou herdeiros, um parente seu, o rei da Escócia James Stewart (1566-1625), assumiu o trono vago, sem largar o antigo. A essa altura, os soberanos ingleses já eram chamados de "reis da Grã-Bretanha e Irlanda" e a união formal, sob o nome Reino Unido, foi oficializada em 1707.
O poder dos monarcas chegara, então, a seu ápice – mas logo começaria a ser progressivamente reduzido. Primeiro país a adotar algo parecido com uma constituição (a Carta Magna, de 1215), a Inglaterra começou a ter um parlamento no final do século XIII e esse sistema de representação foi limitando, cada vez mais, a atuação da família real. A partir de 1721, a figura política mais poderosa passou a ser o líder do maior partido na Assembléia – o primeiro-ministro – e assim continua até hoje.
A expansão do Império Britânico, o maior da Era Colonial, começou no século XVII. Duzentos anos depois, a Grã-Bretanha, ilha do tamanho do estado de São Paulo, dominava um quarto das terras do planeta. Os movimentos de independência puseram um fim a essa ocupação na primeira metade do século XX, mas a maioria das ex-colônias aceitou o convite de permanecerem associadas ao Reino Unido, na chamada Commonwealth ("Riqueza Comum", em inglês), ou Comunidade Britânica. Criada em 1931, ela é formada por 54 nações, somando hoje 1,7 bilhão de pessoas. Os países membros – entre eles, potências como Canadá, Austrália e Índia – desenvolvem sistemas de educação e justiça semelhantes, além de obterem facilidades em acordos comerciais e investimentos.
Um exemplo é o programa de exportação de técnicos e professores dos países ricos para os mais pobres.
A Royal Coat of Arms ("Capa Real de Armas") identifica o soberano do Reino Unido. Seu nome vem das capas dos cavaleiros medievais, ornadas com brasões semelhantes.
O leão é um antigo símbolo da Inglaterra e o unicórnio, da Escócia. A Irlanda é representada pela harpa, no escudo central, onde está outro símbolo escocês, o leão vermelho.
O trio de leões simboliza a Inglaterra e surge duas vezes, para mostrar quem manda. O País de Gales nem aparece, pois nunca foi um reino, apenas um principado inglês. A frase "Deus e meu direito" está em francês porque essa era a língua dos nobres ingleses durante parte da Idade Média (eles descendiam de franceses normandos, que dominaram a Inglaterra em 1066). O lema foi criado pelo rei Richard I (1157-1199), o Ricardo Coração de Leão das histórias de Robin Hood, justamente em uma batalha contra a França.
A PEQUENA BRETANHA
Não confunda a Bretanha, esta região no norte da França, com a Grã-Bretanha, a ilha onde ficam Inglaterra, Escócia e Gales. O lugar recebeu esse nome depois que os bretões, povo de origem celta natural da ilha acima, fugiu dos invasores anglo-saxões, no século V, migrando para lá. O local já era habitado por outros povos celtas centenas de anos antes
A bandeira do Reino Unido é formada pela fusão das três bandeiras abaixo
A bandeira da Inglaterra traz a Cruz de São Jorge, padroeiro do país
A bandeira da Escócia traz a Cruz de Santo André, seu padroeiro
A bandeira da Irlanda traz a Cruz de São Patrício, seu padroeiro

Olmecas: América Profunda

Precursores de maias e astecas, os olmecas criaram a primeira civilização do novo mundo. Seu poder se estendeu por toda a América Central e durou de 1700 a 100 a.C.
por Pablo Villarrubia Mauso
Eles deslizam por rios caudalosos em balsas feitas de grossas estacas de madeira enladados pela densa floresta tropical da América Central, exuberante naqueles longínquos anos de 1 700 a.C.. Conhecem muito bem esses caminhos, pelos quais transportam produtos agrícolas que alimentam um conjunto de povoados que não por acaso se distribuem às margens dessas estradas de água. Mas, dessa vez, não levam abóboras ou feijão: sua carga é muito mais preciosa.
E pesada. As imensas cabeças de pedra podem chegar a 10 toneladas. As imagens sagradas são lapidadas a partir de imensos blocos de rocha basáltica, extraídas de montanhas a 100 quilômetros rio acima e graças ao esforço desses quase 2 mil homens são transportadas para seu local de adoração. Elas são as imagens mais conhecidas do povo olmeca, uma civilização dedicada à agricultura e ao comércio, que prosperou em torno de um núcleo de cidades como La Venta, San Lorenzo, Tres Zapotes e Laguna de los Cerros.
Os olmecas, a mais antiga civilização da América, ocuparam uma área relativamente restrita de 18 mil quilômetros quadrados, no que hoje corresponde ao sul do México, nos estados de Veracruz e Tabasco. Sua vasta rede comercial e traços de sua influência, no entanto, porém, podem ser notados em outras regiões, como Michoacán, Oaxaca, Morelos, Guerrero, Chiapas e, ainda mais longe, na Guatemala e em El Salvador, onde foram encontrados objetos como estatuetas de jade e potes de cerâmica. São esses achados, além das grandes cabeças de pedra, que estão revelando ao mundo os conhecimentos olmecas acerca dos astros e da agricultura e provando que sua arte, linguagem e religião influenciaram os povos que prosperaram depois deles e que ficaram muito mais famosos, como maias e astecas. Eles estão reescrevendo a história dos olmecas, o povo jaguar da América.
Homens de negócio
A civilização olmeca surgiu em uma região com altos índices pluviométricos. Uma parte das terras é montanhosa e outra pantaneira. Entre elas, uma estreita faixa de cerrado. O limo fértil depositado pelos rios – como o San Juan, Papaloapan e Grijalva – durante as enchentes atraiu e propiciou a fixação de vários grupos humanos que praticavam a agricultura.
Os primeiros vestígios desses agrupamentos foram descobertos por volta de 1930. Na época, as linhas principais da antropologia achava improvável que povos sofisticados pudessem se desenvolver em regiões quentes e úmidas ou no meio de florestas. Isso fez com que surgissem teorias que atribuíam aos olmecas um antepassado estrangeiro, extra-americano.

Essas idéias ficaram para trás e hoje se sabe que os olmecas, como alguns índios brasileiros, venceram a floresta, o clima e a topografia e conseguiram criar uma economia capaz de suster populações volumosas. Calcula-se que no seu máximo esplendor, entre 900 e 400 a.C. as cidades olmecas chegaram a abrigar cerca de 350 mil indivíduos. Usando técnicas de roça ou coivara, eles plantavam milho, feijão, abóboras e chile (pimenta muito apreciada na região, ainda nos dias de hoje). As estimativas dos arqueólogos apontam que um quilômetro quadrado cultivado poderia sustentar até 60 pessoas. Para completar a dispensa, eles coletavam frutas e tubérculos silvestres e caçavam veados, pecaris (uma espécie de porco-do-mato), antas e outros mamíferos, além da pesca nos rios. Não existe prova de que criassem animais.
O excedente de produção agrícola foi a base para criar uma sociedade hierarquizada de sofisticada organização política e social voltada para as práticas comerciais e com tempo livre para atividades artísticas. O intenso comércio de produtos agrícolas, logo evoluiu para transações com jade, obsidiana, turquesa e outras pedras preciosas e semipreciosas. Peles, penas de aves, copal (uma resina que serve para fazer incenso, vernizes e corantes) e cacau em pó também tinham grande valor de troca.
O antropólogo Miguel Rivera Dorado, da Universidade Complutense de Madri, Espanha, afirma que a atividade comercial tinha uma importância tão grande entre os olmecas que era regulada pelos reis, que controlavam as principais rotas e cobravam tributos. “Os mercadores eram também soldados e suas caravanas eram escoltadas por guerreiros que protegiam os viajantes e a carga”, diz.
De acordo com o especialista, a divisão do trabalho propiciada pelos excedentes na produção causaram a migração das populações para as cidades e o aparecimento de escultores, tecelões, lapidadores e construtores, além das castas sacerdotais, soldados e funcionários reais. “Tudo isso possibilitou aos olmecas criarem a primeira experiência de integração entre regiões isoladas na AméricaCentral”, diz Miguel.
Esse contato foi o terreno fértil onde nasceriam ricas e supreendentes inovações. No ano passado, a arqueóloga Mary Pohl, da Universidade Estadual da Flórida, nos Estados Unidos, descobriu em San Andrés, o vestígio de escrita mais antiga do continente. Datado de 650 a.C., o sistema de símbolos olmecas tem elementos comuns com a escrita maia. “Signos e formas aparecem, séculos depois, entre os maias”, diz Mary Pohl.
Outros aspectos da cultura olmeca se repetiram entre os povos da Mesoamérica. O “jogo de bola” pré-colombiano, por exemplo, que apareceria depois entre maias e astecas provavelmente teve sua origem entre os olmecas. Perto de San Lorenzo, foram descobertas, em 1994, as mais antigas bolas de “hule”, uma espécie de borracha natural e em La Venta foram descobertas antigas quadras para a prática desse esporte em que a bola só podia ser rebatida com o corpo, sem o uso das mãos e o objetivo era fazer com que ela ultrapassasse determinada linha. A equipe formada por sete guerreiros dava a vida para garantir o resultado, literalmente. O time perdedor era sacrificado.

Cabeções
Uma das imagens mais conhecidas da civilização olmeca são as colossais cabeças humanas talhadas em pedra vulcânica. Até hoje já foram encontradas dezessete. O seu peso varia de 6 a 50 toneladas, sendo que a menor tem 1,47 metro de altura e a maior 3,40 metros. Segundo Fernando Bustamante Rábago, diretor do Museu Regional Tuxteco, México, as pedras vulcânicas eram recolhidas e esculpidas nas terras altas na região de San Andrés, de onde eram levadas para as margens dos rios, para então, por balsa rumare a seus destinos. Até La Venta, por exemplo, as esculturas viajaram mais de 100 quilômetros de distância.
Mas quem elas representam? A maioria dos especialistas acredita que sejam retratos de soberanos olmecas e os elmos que ostentam seriam símbolos de distinção hierárquica. No entanto, há outras teorias. “Quando a primeira cabeça foi encontrada, no começo do século 19, na região dos Tuxtlas, os arqueólogos pensaram tratar-se de um rosto africano”, diz Fernando. Isso alimentou histórias muito comuns na época de que a América já havia recebido migrações a partir da África.
Segundo Mario Navarrete Hernández, arqueólogo do Instituto de Antropologia da Universidade Veracruzana, no México, esse continua sendo um mistério, já que “muitas estátuas possuem traços negróides inequívocos”, diz. Para Fernando Rábago, no entanto, não há mistério. “As cabeças devem representar deuses ou entidades supraterrenais e sua aparência corresponde à imagem que eles faziam desses seres.”
Algumas cabeças de La Venta e San Lorenzo estavam alinhadas entre si e com os pontos cardeais, sugerindo uma orientação astronômica. Isso não é algo inusual entre os povos pré-colombianos, que realizavam monumentos e edifícios integrados às funções rituais e astronômicas.
Outro símbolo da cultura olmeca é o culto ao jaguar. “Era uma espécie de animal totêmico”, diz Jorge Priego Martínez, diretor do Instituto de Cultura de Tabasco. Para o especialista, os rostos das estátuas que mostram manchas na pele, dentes de felino, orelhas, focinho e outros elementos inconfundíveis do animal mesclados com o ser humano são traços distintivos dos olmecas. “Eles acreditavam que o jaguar fosse o ancestral deles”, afirma.
Em San Lorenzo, o arqueólogo americano, Michael D. Coe, encontrou, na década de 1970, outro vestígio importante para entender a complexidade da civilização olmeca. A região é formada por terras baixas quase que permanentemente inundadas. Ali, os olmecas construíram aterros que se elevam até 50 metros acima do nível da planície. Em várias dessas estruturas, que devem ter abrigados núcleos urbanos e hoje estão cobertas por uma espessa vegetação de cerrado, foram escavados canais subterrâneos feitos com pedras em forma de “U” perfeitamente acoplados. Descobriu-se que eram aquedutos que proporcionavam água potável para a população. Com o auxílio de um magnetômetro, o arqueólogo descobriu que haviam 35 monumentos enterrados. Porém, na época, nenhum foi escavado.
Foi apenas entre 1990 e 1996 que as pesquisas em San Lorenzo avançaram com o projeto desenvolvido pela arqueológa Ann Cyphers Tomic, do Instituto de Pesquisas Antropológicas da Universidade Nacional do México. Em 1994, ela descobriu uma cabeça de pedra com 1,80 metro de altura que, segundo ela, lembrava a de um jogador de rúgbi de traços negróides. “De lá para cá, localizamos mais de 40 monumentos e artefatos datados por carbono radioativo como sendo de 1700 a.C., os mais antigos do mundo olmeca”, diz Ann Cyphers. A equipe também encontrou em San Lorenzo cinco esculturas monumentais, edifícios cerimoniais, moradias de pedra e choças. Os primeiros eram, na verdade, plataformas de terra sobre as quais se construíram recintos de barro. Na pequena vila moravam cerca de 2 500 pessoas. Entre 900 e 950 a.C. alguma coisa aconteceu em San Lorenzo: estátuas foram mutiladas e o povo abandonou suas casas, assim como os soberanos e os sacerdotes fugiram de seus palácios e templos.
Em meio a uma enorme planície atualmente coberta por palmeiras e arbustos, em outro platô aterrado com cerca de 4,5 quilômetros de comprimento ficava o centro do império olmeca: La Venta. Toneladas e mais toneladas de terra e sedimentos foram necessários para elevar o nível do solo. Ali, eles erigiram uma pirâmide com 32 metros de altura, formada por várias camadas de argila colorida, comprimida e amparada por lajotas de pedra calcária. Na base da construção haviam seis esculturas, entre elas estelas com mais de 4 metros de altura magnificamente talhadas com imagens de soberanos ou deuses enfeitados com penas e peles de jaguar. La Venta era um local sagrado. Além de quatro cabeças colossais todo o local estava repleto de estátuas esculpidas entre 900 e 400 anos a.C. e de objetos relacionados a cultos religiosos.
Ao redor da pirâmide e da praça de cerimônias foram construídas casas de barro. Os antigos habitantes de La Venta fizeram um mausoléu para seus soberanos, erigido com colunas de basalto sobre mosaicos feitos com pedrinhas azuis que formam um desenho abstrato. Na tumba foram encontrados vários objetos rituais, entre eles 200 machadinhas de jade extremamente afiadas, provavelmente utilizadas para sacrifícios. Havia também um sarcófago de arenito na forma de um jacaré sobrenatural.
Neste mesmo local foi descoberto um dos maiores tesouros olmecas: 16 estatuetas de seres antropomorfos de jade e arenito dispostas em semicírculo. O detalhe mais particular é o formato deformado e alongado da cabeça. Tais deformações eram resultado da compressão do crânio de bebês e crianças por meio de tábuas fortemente amarradas e tinham uma função apenas estética.
Outras estátuas mostram crianças mortas sobre os braços de sacerdotes. Os rituais de sacrifícios humanos ainda são um mistério e um tabu, mesmo para os cientistas. Sabe-se, no entanto, que os indícios de sacrifícios se concentram no período por volta dos 400 a.C. , quando o Império Olmeca estava perto do fim.
Nessa época, os moradores de La Venta abandonavam sistematicamente a cidade. No entanto, Mary Pohl, não acredita que tenha havido um colapso da civilização, ou alguma catástrofe que tenha colocado a vida dos olmecas em perigo. Para ela, mudança nos cursos de água podem ter obrigado a população a migrar para longe.
Durante o processo, eles perderam sua unidade como nação e sua identidade como povo, misturando-se a outros grupos, perto de 200 a.C., quando desaparecem os últimos vestígios dos olmecas. O médico brasileiro, Djalma Sayao Lobato, que pesquisa a cultura olmeca desde a década de 1970 e é autor do livro Olmecas. Fascínio e Mistério da Civilização-Mãe da Mesoamérica, tem outra tese. Para ele, o povo olmeca deve ter desaparecido por um processo endogâmico: por razões políticas ou religiosas eles não se cruzavam com outros povos. Isto poderia ter gerado um excesso de casos de malformações genéticas e o aumento da mortalidade infantil, o que explicaria o desaparecimento dos olmecas em uma época mais ou menos uniforme.
Veias abertas
De 1700 a 1200 a.C
Os primeiros sinais da ocupação olmeca surgem na região de Tabasco e Veracruz (ver mapa na página 29). São vestígios de vida sedentária, como entre plantações de milho e frutas. A cerâmica dessa fase é típica de agricultores e pescadores que habitavam o litoral do Pacífico, de Chiapas à Guatemala. Pesquisas mais recentes identificaram a chegada de fluxos migratórios vindos do Equador, por via marítima que podem estar ligados à origem dos olmecas
De 1200 a 400 a.C
A população se concentra em grandes núcleos urbanos: San Lorenzo, que atingiu seu explendor entre 1200 e 900 a.C., e La Venta, que entre 900 e 400 a.C., edificou as mais avançadas obras arquitetônicas e artísticas das Américas, até então. O império atinge sua máxima expansão territorial. Através do comércio ou do controle militar, os olmecas exercem sua influência em regiões em Honduras, El Salvador e na Guatemala
De 400 a 100 a.C
Os olmecas abandonam suas cidades e sua cultura. Os registros encontrados em Tres Zapotes já demostram a absorção pelas culturas maia e zapoteca. Desse período é a estela “C”, um calendário de pedra conhecido como “série inicial”. Decifrado utilizando-se a linguagem dos maias, ele revelou a data mais antiga registrada nas Américas: o equivalente ao ano 31 a.C., no nosso calendário

Os Primeiros brasileiros: Brasil Ancestral

A certidão de nascimento do primeiro brasileiro é um crânio encontrado em 1975 com cerca de 11 mil anos de idade. Mas há quem acredite que estamos por aqui há muito mais tempo. Afinal, quem foram e como viviam os primeiros brasileiros?
por  Rui Dantas
Durante quase 500 anos o Brasil praticamente ignorou uma parte de seu passado. A maior delas. Na escola, a primeira aula de história começa com o descobrimento do Brasil. Como se antes nada tivesse acontecido. No entanto, quando os portugueses chegaram, em 1500, civilizações avançadas e poderosas estavam no auge, outras já haviam desaparecido, mas deixado vestígios de sua passagem e de sua história no Brasil.
O naturalista dinamarquês Peter Wilhelm Lund, em 1836, foi o primeiro a se interessar pelo Brasil pré-cabralino e tornou-se uma espécie de patrono da arqueologia e da paleontologia no país. Sua descoberta mais importante aconteceu na Gruta do Sumidouro, perto de Lagoa Santa, MG. Em meio aos ossos de grandes mamíferos, ele achou os primeiros fósseis humanos no Brasil.
Em busca do primeiro brasileiro, Peter encontrou mais perguntas que respostas, algumas delas continuam sem respostas. A primeira – e talvez a mais controversa – é como e quando o homem passou a ocupar o território americano e, por extensão, o brasileiro? A teoria mais aceita é que os primeiros grupos humanos a chegarem por aqui, atravessaram da Ásia para a América pela Beríngia (região no extremo norte do continente, que há 15 mil anos, durante o fim da era glacial, ligava os dois continentes). A pé, os novos habitantes começaram a migrar para o sul, em busca de regiões mais quentes. Até a Patagônia, no limite sul da América, eles teriam levado algo em torno de 2 mil anos.
Mas há quem discorde. A arqueóloga brasileira Niède Guidon, que há mais de 30 anos estuda os vestígios da presença humana na região da Serra da Capivara, no PI, acredita que o homem americano já ocupava o Brasil há mais de 60 mil anos. Niède se baseia em vestígios humanos encontrados próximos a uma fogueira, cujas datações por carbono 14, indicaram ter 48 mil anos de idade. Segundo ela, entre 80 e 100 mil anos atrás começou a ocupação das Américas e, há 60 mil anos, eles já estavam no norte do Brasil”, diz Niède. Para ela, o primeiro americano teria vindo da Austrália ou da Polinésia em embarcações simples.
A tese de Niède Guidon é questionada dentro e fora dos Brasil. Para esses críticos, esperar que um aborígine de mais de 50 mil anos atrás atravessasse o Pacífico, seria como pedir a Cristóvão Colombo que, em vez de cruzar o Atlântico para vir ao Novo Mundo, fincasse a bandeira de “El Rey” nas crateras lunares.
Mas Niède Guidon não está sozinha quando marca o início da presença humana no Brasil, além dos paradigmais 15 mil anos. O trabalho da arqueóloga Águeda Vilena Vialou, do Museu de Arqueologia da Universidade de São Paulo indicou a existência do homem no Mato Grosso, há cerca de 23 mil anos. Ela coordena as escavações na Fazenda Santa Elina, onde foram encontradas pinturas nas paredes e grande quantidade de pedras trabalhadas. “Fizemos três datações diferentes, em três materiais distintos: ossos, sedimentos e carvão. Todos chegaram à mesma data entre 22 e 23 mil anos”, diz Águeda.
No entanto, nem ela, nem Niède, tem um fóssil humano para mostrar. Até hoje não foram encontrados ossos humanos anteriores a 15 mil anos em nenhuma parte das Américas.
Os homens da Lagoa Santa
A arqueóloga Adriana Schmidt Dias, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, acredita que o primeiro brasileiro descende de uma das várias correntes migratórias vindas da Ásia, que ocorreram a partir de 15 mil anos atrás. A mais antiga dessas levas de humanos teria chegado ao Brasil há cerca de 12 mil anos e ficado conhecida como “Os Homens de Lagoa Santa”, nome dado em homenagem ao sítio arqueológico onde foram localizados – o mesmo pesquisado pelo dinamarquês Lund. Desse povo, faz parte o fóssil de uma brasileira descoberta em 1975, que viveu por aqui há cerca de 11,5 mil anos e foi batizada pelos cientistas de Luzia.
Luzia é a mais antiga brasileira descoberta até hoje. Ela era uma caçadora e coletora de vegetais, com traços bem distintos dos índios que Pero Vaz de Caminha descreveu em sua carta, em 1500. Em 1999, a Universidade de Manchester, na Inglaterra, reconstituiu o rosto de Luzia: ficaram óbvios os traços negróides, típicos de populações africanas e da Oceania. Luzia e seus amigos viviam em pequenos grupos e eram nômades, sempre procurando encontrar vegetais e animais de pequeno porte, como o porco-do-mato e a paca, que eles caçavam com a ajuda de lanças e flechas com pontas feitas de pedras lascadas. Não ficavam mais que duas semanas no mesmo lugar. Por isso, não costumavam enterrar seus mortos. O corpo de Luzia foi encontrado jogado no fundo de uma caverna.
Por volta de 6 mil anos atrás esse povo desapareceu. A explicação para isso é o surgimento de outro grupo de humanos, dessa vez, parecidos com os índios atuais. Eles chegaram em muito maior número e passaram a ocupar a região. “As populações se misturaram, mas com o tempo as características dos ‘Homens da Lagoa Santa’ submergiram”, diz Adriana.
Essa nova leva de viajantes chegou a ocupar toda a costa brasileira e o Planalto Central até 2 mil anos atrás. “Esses bandos chegavam a uma região, montavam acampamento, geralmente em grupos de 5 a 10 famílias em pequenas faixas de terra”, diz Adriana Schmidt. “Retiravam da região tudo o que podiam: vegetais, peixes e animais. Assim que esgotavam esses recursos e que os acampamentos apresentavam problemas sanitários, como o aparecimento de insetos em grandes quantidades, iam embora”, afirma a pesquisadora.
Civilização das conchas
Alguns dos descendentes desses novos habitantes criaram, no litoral do Brasil, uma das civilizações mais características e inusuais do período pré-cabralino. Eles ocuparam do Espírito Santo ao Rio Grande do Sul entre 6 mil e mil anos atrás, e ficaram conhecidos pelas edificações que erguiam para sepultar seus mortos: os sambaquis. São pilhas de sedimentos, principalmente conchas e ossos de animais, cuidadosamente empilhados e que chegavam a ter 40 metros de altura e mais de 500 metros de comprimento. A princípio, os arqueólogos acreditavam tratarem-se de grandes depósitos funerários, mas com a descoberta sistemática de novos sítios, ficou provado que os sambaquis eram o centro da vida social desses povos, chamados sambaquieiros. Ali, eles sepultavam seus mortos, realizavam rituais e construíam suas casas.
“Eles se alimentavam basicamente da pesca e da coleta de frutos do mar, feitas com o auxílio de canoas e redes”, afirma o arqueólogo Paulo de Blasis, da Universidade de São Paulo (USP). O sambaquieiro era baixo, no máximo 1,60 metro. A mortalidade infantil era altíssima, entre 30 e 40% dos corpos encontrados eram de crianças. Quem chegava a idade adulta também não ia muito longe: para os homens a perspectiva de vida era de 25 anos e as mulheres chegavam no máximo aos 35. Outro mito que as pesquisas vêm derrubando é que os sambaquieiros eram nômades, indo de um lugar para outro assim que se encerravam os recursos naturais. “Era uma civilização com estabilidade territorial e populacional. Um conjunto de sambaquis como os do sul de Santa Catarina podia reunir até 3 ou 4 mil habitantes”, afirma Paulo. Para ele, uma ocupação dessa monta, por tanto tempo, só seria viável com um alto grau de complexidade social que deveria incluir a divisão de tarefas e instituição de chefias regionais.
Nos sambaquis foram encontrados também esculturas e ornamentos feitos de pedra polida, que eram colocados junto aos corpos sepultados. Representando animais como o tatu e a baleia, esses objetos demonstram um delicado senso estético, que exigia habilidade especial. “É possível que houvesse pessoas designadas para produzi-los, até como algum tipo de ritual”, afirma Dione Bandeira, do Museu Nacional do Sambaqui, em Joinville, SC.
Os sambaquieiros desapareceram há cerca de mil anos, com a chegada de povos agricultores vindos do planalto. “Eles provavelmente foram se afastando cada vez mais de seu local de origem, esquecendo suas tradições e se misturando ao conquistador”, afirma Paulo, da USP.
Os povos da Amazônia
A Amazônia foi o berço de culturas avançadas, que vicejaram mais de mil anos antes de Cabral chegar ao Brasil. Os registros mais antigos da presença dos homens na região foram descobertos pela arqueóloga americana Anna Roosevelt, em 1996. Ela encontrou pinturas rupestres datadas de 11 mil anos, na região de Monte Alegre, PA.
Na região da Ilha de Marajó, uma importante civilização se desenvolveu entre os anos 400 e 1300 d.C. A civilização marajoara dominava a agricultura e possuía aldeias que chegaram a abrigar 5 ou 6 mil habitantes. Os marajoaras eram excelentes engenheiros e construíram aterros artificiais que se elevavam até 12 metros acima do solo. “Esses aterros exigiam a mobilização de um grande contingente de mão de obra e uma liderança constituída e respeitada”, afirma Eduardo Neves, da USP. Tal requinte também se refletia na criação de sua cerâmica. De caráter cerimonial, seus desenhos correspondem ao mundo simbólico e religioso dos marajoaras. Eles desapareceram misteriosamente por volta de 1300.
Mas a superpotência da época era a civilização tapajônica, que ocupava a região da atual cidade de Santarém, PA. Mesmo depois do contato com os europeus, eles ainda eram uma das maiores e mais poderosas nações indígenas da Amazônia. Objetos de sua cerâmica foram localizadas em lugares muito distantes, o que indica que havia contato intenso entre os tapajós e tribos vizinhas, incluindo comércio. “Havia um poder central exercido por chefe tapajó, reunindo várias tribos vizinhas”, diz Eduardo. Algumas aldeias eram tão populosas que seus caciques podiam mobilizar até 60 mil homens para o combate.
A Amazônia também foi o ponto de partida para a migração de um povo tecnologicamente avançado e conquistador, que levou ao declínio os brasileiros coletores e caçadores, e que se espalhou de forma inédita pelo país: os tupi. Partindo de onde hoje ficam os estados de Rondônia e do Amazonas, eles deixaram a região em duas levas principais: os tupi-guarani desceram o Rio Paraná e chegaram à região sul; os tupinambá seguiram pelo Rio Amazonas até sua foz e, dali, rumo ao sul pela costa.
Eles viviam em grandes aldeias, cujas populações chegavam a ter milhares de pessoas. “Se organizavam em chefaturas, isto é, uma reunião de tribos, onde algumas aldeias seriam mais importantes e teriam influência sobre outras”, afirma o professor Paulo Jobim, do Instituto Goiano de Pré-História e Antropologia. As aldeias funcionavam como cidades, com famílias inteiras, com tios, primos, pais, avós e filhos vivendo numa mesma casa. “A hierarquia das tribos era baseada no parentesco”, diz Paulo. Os espaços comuns das aldeias, normalmente na área central, eram dedicados às práticas religiosas e sociais.
Eles conheciam a agricultura, principalmente a de hortaliças, de mandioca e de milho e produziam cerâmicas práticas, principalmente para cozinhar.
A guerra, além de demarcar territórios, era tida como uma oportunidade para o desenvolvimento de lideranças, que se baseavam sobretudo na coragem, na oratória e nos laços familiares.
A expectativa de vida era curta, não ultrapassando os 40 anos de idade em média. Por isso mesmo, os mais idosos eram muito respeitados, ocupando papel de destaque na sociedade. A divisão do trabalho também era feita por sexos: os homens caçavam, as mulheres coletavam, cuidavam das crianças e do preparo do solo para a agricultura. Além disso, eram as responsáveis pela produção da arte em cerâmica.
“Os guarani eram um povo conquistador e exclusivista”, diz o historiador Pedro Schmit, da Universidade Unisinos, no Rio Grande do Sul. “Seus parentes tornavam-se aliados, mas outros povos eram considerados inimigos e expulsos, dizimados ou incorporados, às vezes, literalmente, já que eram antropófagos.” Eram seus descendentes que estavam na praia, naquela manhã de 22 de abril de 1500.
Índio é o seu passado
As tradições, mitos e lendas indígenas têm uma outra explicação para o aparecimento do homem e o povoamento das terras brasileiras. Escritor, ativista e estudioso dos mitos indígenas, o índio Kaká Werá Jecupê diz que, segundo uma história dos povos de tradição tupi, dois irmãos sobreviveram a uma grande chuva: Nhanderikey e Nhanderivuçu. Eles receberam de Tupã, o deus dos deuses tupi, o dom de criar pela fala. Assim, construíram a terra, as águas, as coisas do ar e da floresta. Um dia, eles se desentenderam, e Nhanderikey foi enviado por Tupã para o outro lado de uma montanha, afastando-se de seu irmão. Na separação, cada um constituiu a sua própria tribo.
“Tupã, então, disse que um dia Nhanderikey voltaria e os dois povos não se reconheceriam como irmãos e que só depois de muito tempo eles se reconciliariam”, diz Werá. Essa seria a explicação indígena para a chegada do homem branco. O índio se refere à sua origem sempre com o termo “aqui”. Você pergunta a ele de onde ele vem e ele vai dizer que sempre esteve lá. Que ele vem de “aqui”.
 Rastros dos brasileiros
48 mil anos
Segundo, Niède Guidon, alguém já trabalhava à luz de uma fogueira, nessa época, no Piauí. Outra arqueóloga, Águeda Vialou, diz que o homem estava no Mato Grosso, há 23 mil anos
11,5 mil anos
É a idade de Luzia. Uma brasileira que habitava a região metropolitana de Belo Horizonte, MG. Ela tinha traços negróides e era muito diferente dos índios brasileiros
7 mil anos
Cerâmicas com essa idade encontradas na amazônia estão entre as mais antigas do continente americano
6 mil anos
Os primeiros sambaquis na costa brasileira têm mais ou menos essa idade. O arqueólogo Paulo Blasis, no entanto, acredita que podiam haver outros ainda mais antigos, que teriam sido encobertos pelo avanço do mar
2 mil anos
Índios agricultores de origem tupi deixam a Amazônia para conquistar o Brasil. Eles se sobrepõem aos caçadores e coletores. Eram seus descendentes que estavam na praia, quando Cabral chegou

Muçulmanos, Judeus e Cristãos em Paz: a Idade das Luzes

Uma viagem à Espanha dos séculos 8 a 15 mostra como a convivência pacífica entre cristãos, muçulmanos e judeus criou uma sociedade brilhante em plena Europa medieval
por  Jerônimo Teixeira
Enquanto Cristóvão Colombo partia de Palos rumo a um continente que ele não imaginava encontrar, um número bem maior de pessoas corria aos portos em busca de navios que os conduziriam a destinos igualmente incertos. Por decreto real, os judeus da Espanha – ou de Sefarad, como eles a chamavam – estavam obrigados a optar entre a conversão à “verdadeira fé’’ católica ou o exílio. 1492 está marcado em nossa imaginação como o início de uma era, o ano da descoberta da América. Mas é também um triste marco final. Isabel de Castela e Fernando de Aragão, os monarcas espanhóis que comissionaram o capitão genovês para desbravar uma rota alternativa até o Extremo Oriente, também enterraram para sempre uma das mais ricas experiências de tolerância religiosa da história ocidental.
Essa época remota e fascinante foi reconstituída com saboroso detalhismo por María Rosa Menocal em The Ornament of the World – How Muslims, Jews and Christians Created a Culture of Tolerance in Medieval Spain (O ornamento do mundo – como muçulmanos, judeus e cristãos criaram uma cultura de tolerância na Espanha medieval, ainda sem tradução em português). Menocal é professora de literatura espanhola e portuguesa na Universidade de Yale, onde também dirige o Centro de Humanidades Whitney. Sua obra anterior, mais especializada, já incluía títulos em que a influência árabe sobre a cultura medieval européia era examinada. The Ornament of the World, porém, foi escrito – como a autora explica – com o intuito de tornar acessível ao leigo o mundo que Menocal se acostumou a habitar em suas pesquisas acadêmicas. A envolvente leitura, de fato, leva o leitor ao conturbado, mas vibrante enclave conquistado pelos muçulmanos na Europa Ocidental, durante a Idade Média.
O mundo de Menocal teve, sim, episódios de obscurantismo religioso e intolerância fundamentalista – afinal, não tem sido assim em toda a história humana? Mas o livro desmonta o velho chavão da “idade das trevas”.
A Idade Média não se resume a feudalismo, peste e cruzadas. A Espanha islâmica – chamada de al-Andalus em árabe, daí o nome atual da região sul do país, Andaluzia – era um lugar luminoso, a vanguarda cultural e científica da Europa. Sobretudo, era um espaço raro (aliás, único) de convivência pacífica e de intercâmbio criativo entre as três grandes fés monoteístas, islamismo, cristianismo e judaísmo.
Para caracterizar a Espanha medieval, a autora utiliza uma bem-humorada definição do escritor americano F. Scott Fitzgerald. O romancista de O Grande Gatsby certa vez escreveu que “o teste de uma inteligência de primeira linha é a habilidade de ter duas idéias opostas em mente ao mesmo tempo”. Al-Andalus teria sido, portanto, um “lugar de primeira linha”. Conseguiu conjugar não só duas, mas várias idéias que até hoje se mostram conflitantes. Um exemplo eloqüente encontra-se na sincrética combinação de estilos arquitetônicos do período. Palácios construídos por monarcas cristãos, como o Alcazar (da palavra árabe para palácio, al-qasr), de Sevilha, erguido por Pedro, o Cruel, no século 14, revelavam a ostensiva influência da arquitetura e da decoração muçulmanas, com seus arabescos e arcos característicos.
Pela mesma época, uma sinagoga construída em Toledo (e transformada no convento de Santa Maria La Blanca depois da expulsão dos judeus) tinha seu interior decorado com frases em árabe, algumas delas extraídas do Corão, o livro sagrado do islamismo.
Mas esses são exemplos tardios, já próximos do ocaso de al-Andaluz. A aventura começou bem antes, no século 8. Em 711, os primeiros muçulmanos atravessaram o estreito de Gibraltar e penetraram com relativa facilidade no território então dominado pelos visigodos, povo germânico famoso por ter saqueado Roma em 410. Teriam ido ainda mais longe, se não fossem detidos pelos francos, ao norte dos Pirineus. Seu domínio concentrou-se na península ibérica, que no entanto nunca chegou a ser completamente islâmica – algumas regiões a noroeste permaneceram sob domínio cristão.
Em 755, Abd al-Rahman I chega a al-Andalus. Ele era o único sobrevivente da família Umayyad, que até aquela data ocupava o califado – isto é, o reinado material e espiritual sobre todo o mundo muçulmano. Os Umayyads foram depostos e assassinados pela dinastia emergente dos Abbasids, que em seguida moveram o califado mais para leste, de Damasco para Bagdá. Abd al-Rahman estabeleceu-se em Córdoba, onde depôs o emir (algo como governador de província) local. Formalmente, al-Andalus permaneceu como o emirado mais ocidental do gigantesco império islâmico, ainda que de fato a autoridade dos Abbasids não se fizesse ouvir por lá.
Ao tempo do Império Romano, a província conhecida como Hispânia era uma das mais florescentes. Os visigodos, porém, foram um fracasso administrativo, e o lugar vivia um período de total aridez cultural e tecnológica quando os muçulmanos chegaram. A dinastia Umayyad promoveu uma verdadeira mudança de ares. Os campos foram renovados com a introdução de novas culturas e técnicas de irrigação. O comércio com o Oriente intensificou-se. E a arquitetura conheceu seu ápice transformador com a construção da mesquita de Córdoba, onde os Umayyads reafirmaram sua tradição de aproveitarem criativamente elementos das culturas locais.
A mesquita que Abd al-Rahman mandou erguer em sua nova capital possuía um estilo que remetia nostalgicamente à Síria, terra onde o príncipe exilado jamais tornaria a pisar, mas também incorporava traços marcantes da arquitetura romana e gótica. Menocal lembra que até mesmo os arcos em forma de ferradura que hoje vemos como prototipicamente islâmicos são na verdade representativos da arquitetura da Espanha pré-muçulmana.
O encontro de estilos arquitetônicos refletia a convivência religiosa que se implantou na vida cotidiana. O Corão traz disposições bastante generosas sobre os demais “Povos do Livro”, isto é, as duas outras religiões monoteístas fundadas em obras literárias – o judaísmo com sua Torá e o cristianismo com seu Evangelho. Deus, por meio de seu profeta Maomé, decretou respeito à liberdade religiosa de judeus e cristãos que vivem em território islâmico. Já ao tempo em que governavam na Síria, os Umayyads revelaram-se muito liberais na aplicação desses ditames sagrados. Especialmente para os judeus, que viviam em semi-escravidão sob o governo cristão dos visigodos, o domínio muçulmano inaugurou uma era de liberdade inaudita. A comunidade judaica cresceu e prosperou em al-Andalus. Seu prestígio pode ser aferido pelo fato de Abd al-Rahman III, que governou entre 912 e 961, ter nomeado um judeu como seu vizir (algo como um primeiro-ministro).
Em 929, o mesmo Abd al-Rahman III proclamou Córdoba como o califado, o centro universal da fé islâmica, em resposta a um grupo xiita do norte da África que havia feito a mesma declaração pouco tempo antes. Oficializava-se o que já era um fato: al-Andalus não devia submissão à Bagdá dos Abbasids. Ironicamente, este foi um dos gestos finais da dinastia Umayyad. O sucessor de al-Rahman III morreu depois de 15 anos de reinado sem deixar um sucessor em idade hábil. O governo foi tomado por um regente ambicioso e desastrado, que não conseguiu conservar a unidade de al-Andalus frente aos ataques dos cristãos, ao norte, e das tribos fundamentalistas berberes, ao sul. O marco final da era Umayyad pode ser fixado na data simbólica de 1009, quando os berberes saquearam e destruíram Madinat al-Zahra, o suntuoso palácio construído por al-Rahman III nas imediações de Córdoba.
Para os fundamentalistas, aqueles jardins magníficos, chafarizes, piscinas e estátuas em estilo romano, representavam a impureza religiosa dos andaluzes.
O pretenso califado europeu esfacela-se. Segue-se o período das chamadas taifas – cidades-estado que disputavam entre si a oportunidade de reunificar al-Andalus. A história nacionalista tradicional da Espanha enfatiza as disputas entre muçulmanos (ou “mouros”, como viriam a ser chamados pejorativamente) e cristãos. Destaca-se nesses entreveros a figura de Rodrigo Diaz, conhecido como El Cid (corruptela de al-sayyid, “senhor”ou “chefe”, em árabe), tido como primeiro herói da reconquista católica da península. Menocal mostra que as coisas eram mais complicadas. Nas confusas alianças de ocasião desse período, muitas vezes uma taifa cristã se aliava a outra muçulmana para combater um inimigo comum. O próprio Cid eventualmente lutava a serviço dos  muçulmanos.
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