Nelson Bacic Olic
A desagregação da União Soviética e a unificação da Alemanha introduziram alterações profundas no cenário político europeu e mundial sem que houvesse guerra. A antiga Checoslováquia separou-se em dois países sem guerra. Embora a desintegração da Iugoslávia socialista tenha acontecido com grande violência e que conflitos e tensões geopolíticas continuem ocorrendo em várias regiões do Cáucaso (Chechênia, Geórgia) e da África subsaariana, estas são guerras razoavelmente localizadas, bem diferentes das “guerras globais”.
Há uma certa rarefação do fenômeno guerra, embora isso não queira dizer que o nosso mundo esteja menos afetado pela violência que no passado, mas tornaram-se raras as guerras convencionais que opunham uma nação à outra. O balanço que se pode fazer dos conflitos nos últimos 25 anos mostra como foram escassas as guerras entre dois Estados.
Numerosos pontos de crise e zonas sensíveis, onde existiria probabilidade de conflito como entre as duas Coréias ou as duas Chinas, não redundaram em conflitos abertos. As poucas guerras de conquistas que se verificaram não tiveram resultados positivos, no sentido em que nenhum Estado agressor, nenhum país que teve a iniciativa de desencadear operações militares com intuitos de conquista, salvo exceções pouco significativas, alcançou seus objetivos.
No passado, a maioria das guerras tinha motivações territoriais, fossem litígios fronteiriços, fossem reivindicações de territórios, fossem ambições expansionistas e terminavam muitas vezes pela ocupação e submissão de uns povos a outros. Atualmente, a conquista territorial parece ter caído em desuso.
Isso ocorreu, por exemplo, quando no final da década de 1970, a Somália pretendeu conquistar a região do deserto de Ogaden da Etiópia, ou quando a Argentina tentou recuperar pela força as ilhas Malvinas então sob domínio britânico (1982), ou ainda quando o Iraque atacou o Irã para anexar a outra margem do Shatt-el-Arab (conflito que durou de 1980 a 1988) e, anos mais tarde quando o Iraque invadiu o Kuwait (1991). Mais recentemente, o mesmo aconteceu quando a Eritréia se dispôs a recuperar uma faixa de território dos etíopes (1998/2000). Em todos esses casos, as guerras fracassaram sem a vitória dos que iniciaram os conflitos.
Por outro lado, desde a China e o Vietnã até a Argélia e as colônias portuguesas da África, passando por Cuba e Nicarágua, as guerrilhas foram somando êxitos, numa dupla vertente que combinou lutas de libertação e de instauração de regimes revolucionários. Mas essa promessa deixou de se cumprir a partir da década de 1980. A revolução sandinista da Nicarágua parece ter sido o último episódio de uma “luta popular prolongada” vitoriosa. A partir de 1980 nenhum movimento de guerrilha chegou ao poder pela via armada, com exceção da Frente Popular de Libertação da Eritréia, a qual mesmo assim se submeteu a um referendo de legitimação.
Ao mesmo tempo, ocorreu um novo fenômeno: a guerrilha passou a ser usada, não mais pelas forças de esquerda como forma libertadora, mas por correntes denominadas contra-revolucionárias, apoiadas pelo governo norte-americano, como foram os casos dos “fedahins” no Afeganistão, da UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola) em Angola, da RENAMO (Resistência Nacional Moçambicana) em Moçambique e dos “contra” na Nicarágua.
Curiosamente, o conjunto destes conflitos armados teve como ponto comum a ausência de uma vitória militar. Eles não terminam graças a um triunfo de um dos lados, mas acabaram ou por via de negociação pacífica, por desfecho político, ou simplesmente por um intenso desgaste das partes em luta.
O levantamento de várias dezenas de guerrilhas espalhadas pelos diversos continentes nestas últimas duas décadas vem demonstrando que a proclamada força das armas não tem sido eficaz para a obtenção de vitórias militares. Essa conclusão mais o fato da relativa raridade dos conflitos inter estatais parece nos levar a conclusão de que estamos diante a uma tendência relevante da conflitualidade em nosso tempo: o desgaste da violência armada tradicional como forma de resolução de conflitos.
É claro que o ataque às Torres Gêmeas e ao Pentágono, em setembro de 2001, e a invasão do Iraque por parte das forças norte-americanas e de países aliados em 2003, abriram novas perspectivas para análise da dinâmica dos conflitos contemporâneos. Mas, isso é assunto para um outro artigo.
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