terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Ditadura: o Fato e a Versão

Filmes sobre anos da ditadura ajudam a entender lances históricos e geram polêmicas até hoje
por  Sílvio Anaz
Filmes e vídeos são uma boa maneira para conhecer um pouco mais sobre os fatos ligados à ditadura. E também um sinal das paixões que as diferentes visões sobre o regime militar despertam até hoje. Com freqüência, lançamentos sobre o período atiçam controvérsias entre cineastas, ex-ativistas e gente que viveu ou analisou aqueles anos.
Pelo menos 65 filmes retratando algum aspecto da ditadura – entre curtas, longa-metragens e documentários – foram lançados de 1964 até 2004, segundo levantamento do Núcleo de Cinema e Vídeo, do Centro Cultural São Paulo. Um dos mais famosos é O que É Isso Companheiro? (1997, 105 min.), indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro. Dirigido por Bruno Barreto e baseado no livro homônimo de Fernando Gabeira, o filme narra, com várias licenças em relação ao livro e ao período histórico, a ação dos guerrilheiros – Gabeira inclusive – que seqüestraram em 1969 o embaixador dos Estados Unidos, para trocá-lo por prisioneiros.
Na época do lançamento, o filme foi criticado pela esquerda, que acusou Barreto de ter transformado os personagens principais em militantes infantilizados, de ter retratado mais dramas de consciência no torturador do que no guerrilheiro e de ter centrado a narrativa muito mais na ação do que em questões políticas. Barreto rebateu as críticas afirmando que a ausência de ideologia só favorece o resultado final. “Não queria fazer um filme panfletário, o que considero má dramaturgia”, defendeu.
Outra produção inspirada em fatos reais é Lamarca (1994, 130 min.), direção de Sérgio Rezende. O filme conta em tom épico a história de Carlos Lamarca, líder guerrilheiro e ex-capitão do Exército, morto em 1971. O Bom Burguês (1983, 99 min.), dirigido por Oswaldo Caldeira, também é baseado em fatos verídicos. Narra a história de um funcionário do Banco do Brasil que teria aplicado um golpe que lhe permitia levar vida de milionário e financiar as operações dos grupos de esquerda.
Fita derrubou diretor
Pra Frente, Brasil (1982, 110 min.), dirigido por Roberto Farias e patrocinado pela Embrafilme, gerou uma crise institucional que resultou na demissão do diretor da estatal, que patrocinava a produção cinematográfica até o início dos anos 90. Os militares não gostaram de ver o órgão produzir um filme que mostrava a tortura e a repressão por trás da euforia do milagre econômico e da conquista da Copa de 70.
A minissérie de TV Anos Rebeldes, de Gilberto Braga e com direção de Dênis Carvalho, está disponível para venda em boxe com três DVDs, com mais de dez horas de material. Entre julho e agosto de 1992, a Rede Globo exibiu a produção dividida em 20 capítulos. Baseada nos livros 1968 – O Ano que Não Terminou, de Zuenir Ventura, e Os Carbonários, de Alfredo Sirkis, Anos Rebeldes foi ao ar no momento em que os estudantes pintavam a cara para pedir o impeachment do presidente Fernando Collor. Apesar de ter como tema principal uma história de amor, mostra o clima dos anos de chumbo, com repressão violenta e sem liberdade de expressão. A narrativa, que se passa no Rio, enfoca a trajetória de um grupo de estudantes de classe média do tradicional Colégio Pedro II, de 1964 até 1979. O núcleo central gira em torno do romance entre a individualista Maria Lúcia, filha de um comunista, e João Alfredo, envolvido com a luta armada.
Ação entre Amigos (1998, 76 min.) é outras das produções mais recentes sobre o período. Dirigido por Beto Brant, o filme narra a história de quatro amigos que, no início dos anos 70, participam da luta armada, são presos e torturados. Vinte e cinco anos depois, em um de seus reencontros, eles vêem na foto de uma reunião política o homem que os torturou por meses.
Os documentários sobre o período abordam do movimento estudantil de 1968 à campanha das Diretas Já. Barra 68 (2000, 80 min.), dirigido por Vladimir Carvalho, retrata a invasão da Universidade de Brasília. As produções ABC da Greve (1979/1990, 75 min.), de Leon Hirszman, Greve! (1979, 37 min.), de João Baptista de Andrade, e Linha de Montagem (1982, 90 min.) de Renato Tapajós, falam sobre as greves que enfrentaram o regime militar no ABC paulista entre 1978 e 1980. Céu Aberto (1985, 78 min.), também de João Baptista de Andrade, mostra o processo de redemocratização até a aflição popular na morte de Tancredo Neves.
Esses documentários são ainda mais difíceis de encontrar do que a produção de ficção, cujas obras muitas vezes não estão disponíveis em VHS ou DVD. Nesses casos, para assistir a eles, é bom ficar atento a mostras ou programações especiais de cineclubes e TVs a cabo.
Imperdível
Livros
A Ditadura Envergonhada, Elio Gaspari, Companhia das Letras, 2002
Primeiro volume da série Ilusões Armadas, vai da conspiração que gerou o golpe ao AI-5
A Ditadura Escancarada, Elio Gaspari, Companhia das Letras, 2002
No segundo volume, o jornalista trata dos anos de chumbo do regime
A Ditadura Derrotada, Elio Gaspari, Companhia das Letras, 2003
Aborda a distensão, a trajetória do presidente Geisel e a de seu principal colaborador, Golbery do Couto e Silva
A Ditadura Encurralada, Elio Gaspari, Companhia das Letras, 2004
Trata da abertura e da redemocratização
Democratizando o Brasil, Alfred Stepan (org.), Paz e Terra, 1988
Com artigos de Thomas Skidmore, Bolivar Lamounier e outros, aborda a redemocratização
Brasil: de Castelo a Tancredo, Thomas E. Skidmore e Mario Salviano Silva, Editora Paz e Terra, 1988

O livro traz a visão do respeitado estudioso norte-americano sobre a ditadura brasileira
Combate nas Trevas, Jacob Gorender, Ática, 1998
O autor participou de organização clandestina e trata das ações da esquerda até 1974
Ditadura Militar, Esquerdas e Sociedade, Daniel Aarão Reis, Jorge Zahar Editor, 2000
O historiador analisa criticamente o papel da esquerda no golpe de 1964 e fornece um painel internacional do mundo nos anos 60
Eu Não Sou Cachorro, Não (Música Popular Cafona e Ditadura Militar), Paulo César de Araújo, Record, 2003
Mostra como a censura atingiu a canção popular romântica

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