segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Ossétia do Norte, Chechênia e os Conflitos no Cáucaso

Nelson Bacic Olic  
Nos primeiros dias de setembro ocorreu mais um capítulo do conflito entre a Rússia e rebeldes que lutam pela independência da Chechênia, uma das repúblicas autônomas que fazem parte da Federação Russa, localizada na região do Cáucaso. A tomada de uma escola em Beslan , Ossétia do Norte (uma outra república autônoma russa da região do Cáucaso) por terroristas chechenos, teve um desenlace terrível. A desastrada ação das forças de segurança da Rússia que tentavam libertar mais de mil reféns, a maioria crianças e jovens, mantidos pelos extremistas, resultou na morte de cerca de 400 pessoas. Esse não foi o primeiro e, com certeza, não será o último capítulo do conflito entre russos e chechenos na turbulenta região do Cáucaso.
O Cáucaso é uma área montanhosa que apresenta grande complexidade étnica, nacional, religiosa e lingüística. A região em questão se estende por uma área composta por conjuntos montanhosos, planaltos e vales fluviais situada entre os mares Negro e Cáspio. A cadeia do Cáucaso propriamente dita, corresponde à parte mais importante, acidentada e elevada desse conjunto, que se estende por cerca de 1.200 km. no sentido leste-oeste e mais ou menos 200 km no sentido norte-sul. Tendo formação geológica recente, alguns pontos desse imponente sistema montanhoso atingem altitudes superiores a 5 mil metros.
Quanto aos Estados localizados na região temos o seguinte desenho político: em sua porção sul, área que os russos chamam de Transcaucásia, está o Cáucaso não-russo. Ali se localizam as repúblicas da Geórgia, da Armênia e do Azerbaijão que, até 1991, eram parte integrante da antiga União Soviética. Com a desintegração da URSS, estas três repúblicas tornaram-se países independentes e hoje fazem parte da CEI (Comunidade de Estados Independentes). Na porção norte do Cáucaso, denominada de Ciscaucasia, encontram-se 8 repúblicas e regiões autônomas que fazem parte da Federação Russa. Dentre elas estão as repúblicas da Chechênia e da Ossétia do Norte.
Abrigando cerca de 25 milhões de pessoas, o Cáucaso se constitui numa zona de contato e confronto de duas "civilizações": de um lado a eslavo- ortodoxa, representada por populações de origem russa ou "russificadas" (como os ossetios) e a islâmica, de influência turca ou iraniana, composta por mais de vinte povos, dentre os quais se destacam os chechenos.
Grande parte do traçado das fronteiras existentes na região do Cáucaso é arbitrário e artificial e foi em grande parte estabelecido entre 1922 e 1936 pelo ditador soviético Josef Stalin. Nos últimos anos, conflitos e tensões geopolíticas vêm se verificando com freqüência tanto na Transcaucásia, como na Ciscaucásia. Na primeira, ocorreu o conflito entre a Armênia e Azerbaijão, por conta da disputa do território de Nagorno Karabakh, região do pertencente ao Azerbaijão, mas habitado majoritariamente por armênios. Na Geórgia, os conflitos e tensões têm sido internos, onde duas regiões, a da Abkházia e da Ossétia do Sul, buscam o caminho do separatismo. Na Ciscaucásia, a principal questão envolve o conflito entre a Rússia e a Chechênia.
Água e petróleo
A configuração do relevo desempenha um importante papel na separação das áreas que compõem o conjunto montanhoso do Cáucaso. Assim, tanto nas áreas mais elevadas como nos planaltos, os vales definem pequenas unidades territoriais onde, ao longo da história, diferentes grupos se estabeleceram. Esse espaço extremamente fragmentado física e politicamente é local de enfrentamentos entre comunidades diferentes, algumas delas possuindo rivalidades muito antigas.
A compartimentação do relevo induziu a disposição da rede hidrográfica, impôs passagens ou contornos às vias de comunicação, separou diferentes povos e chegou a influir até no formato dos territórios nacionais. Assim, no flanco norte da cadeia, o formato dos países é, de forma geral alongado no sentido norte-sul seguindo, grosso modo, as vias de penetração (vale dos rios) que cortam os blocos montanhosos. Já na Transcaucásia, o formato dos países tende a ser um pouco mais alongado no sentido leste-oeste seguindo, grosso modo, os dois principais eixos fluviais (rios Koura e Araxe), que cortam a Geórgia, Armênia e Azerbaijão.
No Cáucaso além dos conflitos, se superpõem inquietações permanentes a respeito do controle dos vales, das águas, das vias de comunicação e também de oleodutos que atravessam a área, a qual apresenta importantes jazimentos do petróleo, especialmente no Azerbaijão, junto ao mar Cáspio.
Esse país, por conta de sua riqueza petrolífera, poderá a vir se tornar um "novo Kuait", não tem acesso a mares abertos. Assim, o petróleo extraído na região de Baku, junto ao Mar Cáspio (um mar fechado), tem que ser escoado através de oleodutos para mares "abertos" mais próximos como o Negro e o Mediterrâneo. Até 1991, o problema do escoamento praticamente não se colocava, pois o petróleo era produzido no Azerbaijão, então uma das repúblicas da  URSS , os oleodutos e os portos que escoavam o produto estavam em território soviético. Dado importante: um dos mais antigos e importantes oleodutos, construído ainda na época da URSS, cruza o território da Chechênia.
Com a desintegração da URSS, o Azerbaijão ficou independente e passou a ser dono de seu petróleo. Próximos ao Azerbaijão,  estão duas ex-repúblicas da antiga Ásia Central soviética (Casaquistão e Turcomenistão) que apresentam expressivas reservas de petróleo e gás natural e são também países que não têm acesso direto ao mar. Na última década, as regiões da antiga Ásia Central soviética e do Cáucaso vêm assistindo uma acirrada disputa pela construção e traçado de novos oleodutos e gasodutos que envolvem três protagonistas: os Estados produtores, os países desejosos em "ceder" seus territórios e portos para o escoamento dos hidrocarbonetos e, é claro, as grandes transnacionais do petróleo.
Resumindo: por conta de sua importância estratégica e econômica é que, tanto o antigo Império Russo, a ex-URSS e a Rússia atual sempre tentaram impor seus interesses na turbulenta região do Cáucaso.
A presença russa no Cáucaso
A conquista russa sobre o Cáucaso verificou-se em diversas etapas. A primeira delas aconteceu no reinado de Catarina II (1762/1796), quando foram estabelecidas linhas de defesa russas na porção norte da região. A partir daí o roteiro das conquistas territoriais seguiu dois itinerários: um deles, seguiu o caminho atravessando os desfiladeiros que permitiam cruzar a grande cadeia montanhosa no sentido norte-sul e, o outro, margeou o litoral do mar Cáspio.
A segunda fase iniciou-se em 1801, quando da anexação russa do reino da Geórgia, que se constituiu no ponto a partir do qual se processou a conquista de toda a Transcaucásia. Por fim, a terceira fase foi a conquista das regiões ocupadas pelos aguerridos povos montanheses e que só terminou por volta de 1870. Apesar de dominados, esses povos (especialmente os chechenos) nunca deixaram de opor algum tipo de resistência ao domínio russo. O desaparecimento do Império Russo e o advento da URSS não mudaram no essencial essa situação.
Durante a Segunda Guerra Mundial, tradicional animosidade entre russos e povos do Cáucaso, levou alguns grupos locais se aliarem aos nazistas quando, entre 1941-1942, quando os alemães conseguiram ocupar algumas áreas da região. A retirada alemã, após sua derrota na batalha de Stalingrado, fez com que o governo soviético ordenasse a deportação em massa dos povos que haviam colaborado com os germânicos durante a breve ocupação.

Assim, entre o final de 1943 e os primeiros meses de 1944, centenas de milhares de pessoas foram deportadas e colocadas em “zonas de povoamento especiais” em áreas da Ásia Central, isoladas do contato com outros grupos humanos, proibidos de usar sua língua materna e vivendo em condições extremamente precárias. É interessante notar que o governo de Stalin não puniu apenas os que se aliaram aos nazistas mas, todos os indivíduos componentes do grupo nacional. Passaram por essa situação povos do Cáucaso como os karatchais, os balkars, os chechenos, os ingushes, entre outros.
Em 1956, três anos após a morte de Stalin, seu sucessor, Nikita Krushev, reabilitou todos os povos punidos e permitiu, em 1957, seu retorno a seus locais de origem, que em alguns casos já estavam ocupados por outros grupos, gerando novos problemas que se arrastam até hoje.

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