segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Civilizações: Características e o Domínio do Ocidente

Nelson Bacic Olic  
Após a intervenção norte-americana no Iraque, cresceu em todo o mundo, especialmente junto ao mundo islâmico, sentimentos e movimentos antinorte-americanos e anti-ocidentais. Nesse contexto, retomou-se a discussão sobre o conflito de civilizações, tese desenvolvida pelo pensador norte-americano Samuel Huntington, em seu livro "O choque de civilizações: e a recomposição da ordem mundial".
Desde a Antiguidade, sangue, língua, religião e estilo de vida , entre outros fatores de menor importância, distinguem uma civilização de outra. Assim, uma civilização se diferencia de outra não só por suas características sociais, culturais e históricas, mas também pela identificação subjetiva das pessoas que julgam a ela pertencer.
As civilizações não têm fronteiras estáticas. Os povos que as compõem podem redefinir suas identidades e, com isso, alterar a composição e os limites da civilização. As civilizações são, certamente, fenômenos históricos. Mesmo assim, são as mais duradouras associações humanas. Diferentemente dos impérios e dos Estados em geral, elas sobrevivem às convulsões políticas, sociais e econômicas. Elas existiram por mais tempo se permanecerem certas idéias fundamentais, em torno das quais gerações sucessivas se identificam.
As civilizações não são entidades políticas, mas podem conter em seu interior diversas unidades políticas. Estas, ao longo da história, foram cidades-estados, impérios, federações, confederações e Estado-nações, que existiram sob as mais variadas formas de governo. Enquanto uma civilização evolui, ocorrem transformações na quantidade e na natureza das entidades políticas que a compõem.
A maioria das civilizações atuais é composta por mais de uma entidade política. Algumas delas possuem um Estado-núcleo ou líder, como são os casos da China para a civilização chinesa e da Índia para a civilização hindu. A chamada civilização ocidental sempre abrigou um grande número de entidades políticas, mas um pequeno número de Estados-núcleos, cuja influência variou ao longo do tempo.

Durante o seu apogeu, entre os séculos XV e XVIII, o Império Otomano poderia ser considerado como um Estado-núcleo da civilização muçulmana. Com sua posterior decadência e desaparecimento, no início do século XX, logo após a Primeira Guerra Mundial (1914/1918), não houve mais um Estado-núcleo da civilização islâmica. Como as civilizações têm uma espécie de "ciclo de vida", muitas delas desapareceram ao longo da história, mas deixaram inúmeros vestígios de sua existência, cujo impacto e ecos culturais sobrevivem até nossos dias. Por exemplo, não há nenhuma dúvida a respeito da importância das civilizaçõ9es grega e romana para a atual civilização ocidental.
Especialistas em estudos sobre civilizações têm opiniões bastante diferentes quanto ao número das civilizações que já existiram. Num aspecto, porém, todos concordam: existiram importantes civilizações ao longo do tempo que se localizaram em todos os continentes, envolvendo as mais diferentes etnias. Isso elimina qualquer dúvida sobre o fato de que ser "civilizado" não é privilégio de um único grupo humano, cultura ou religião. Nem permite imaginar que esse agrupamento tenha alcançado um determinado estágio de evolução civilizacional por se localizar numa porção específica da superfície terrestre.
Quanto ao número de civilizações existentes na atualidade, embora não haja concordância entre os estudiosos sobre o assunto, pode-se aceitar a existência de oito principais civilizações: a ocidental, a islâmica, a chinesa, a hindu, a ortodoxa, a latino-americana, a japonesa e a africana. Talvez se possa acrescentar ainda a civilização budista.
A civilização ocidental
Originária na Europa, a civilização ocidental é herdeira das civilizações clássicas grega e romana. Atualmente, além da Europa, fazem parte dessa civilização a América Anglo-Saxônica, a Austrália e a Nova Zelândia. De maneira geral, quando se usa, nos dias atuais, o termo "ocidental", ele designa fundamentalmente a Europa (especialmente a sua porção centro-ocidental) e a América Anglo-Saxônica.
Todavia, não são poucos os que consideram a América Latina também pertencente à civilização ocidental, já que todos os atuais Estados dessa região foram colonizados por países da Europa Ocidental. Mas é também cada vez maior o número de especialistas que classificam a América Latina como uma civilização com características próprias, especialmente devido às fortes influências culturais indígenas e negro-africanas. Da mesma forma, a Rússia e outros países de religião cristã ortodoxa da Europa Oriental e Balcânica são considerados como distintos da civilização ocidental, justamente em função de suas características culturais e das tradições eslavas e ortodoxas.
A emergência da civilização ocidental ocorreu a partir dos séculos VIII e IX, mas, ainda por longo tempo, ela foi bem menos desenvolvida econômica e tecnologicamente, em comparação com outras civilizações como a islâmica, a hindu e a chinesa.
Entre os séculos XI e XIII, época na qual ela ainda estava restrita espacialmente à parte ocidental do continente europeu, começou um processo gradativo de incorporação de novas áreas à sua órbita de influência, envolvendo territórios correspondentes às atuais Hungria, Polônia, Escandinávia e proximidades do Mar Báltico.
A partir dos séculos XV e XVI, a expansão da civilização ocidental foi avassaladora. A chamada Reconquista, na Península Ibérica, o início da expansão marítima de Portugal e Espanha e, até aproximadamente a metade do século XVIII, a colonização mercantil européia incorporou aos domínios da civilização ocidental todo o continente americano e parcelas consideráveis da Ásia.
No final do século XVIII e início do século XIX, houve uma retração da influência geopolítica européia, com a independência dos Estados Unidos e, em seguida, a descolonização da maior parte da América Latina. Nessa época, talvez mais do que em qualquer momento posterior, Europa e Estados Unidos se distanciaram, pois a República norte-americana declarava a sua oposição ao colonialismo e desenvolvia uma visão oposta à européia. A Doutrina Monroe, proclamada em 1823, assinalava essa cisão que seria apenas temporária.
A influência cultural e poder geopolítico dos europeus renovaram o seu ímpeto de expansão, na segunda metade do século XIX, quando todo o continente africano foi incorporado aos impérios britânico, francês, alemão, belga e italiano. Na mesma época, consolidava-se o controle ocidental sobre o subcontinente indiano, a Indochina e outras partes da Ásia. Em 1874, pouco mais de 65% das terras habitadas do planeta encontravam-se sob a influência direta da civilização ocidental, parcela que aumentou para cerca de 85% às vésperas da Primeira Guerra Mundial.
Durante sua secular e contínua expansão, os ocidentais virtualmente eliminaram as civilizações ameríndias, praticando terríveis etnocídios. Além disso, as culturas indiana, islâmica e africana foram subjugadas enquanto a chinesa e a japonesa foram subordinadas aos "desejos" ocidentais. Por outro lado, as principais ideologias e doutrinas políticas dos séculos XIX e XX – o Liberalismo, o Anarquismo, o Socialismo, o Nazi-facismo, o Comunismo, o Nacionalismo – foram produtos da civilização ocidental.

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