segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Ossétia do Norte: Baluarte Ortodoxo do Cáucaso

Nelson Bacic Olic  
Este artigo, como havíamos informado, é uma continuação daquele apresentado na edição de 8/9/2004 . Aquele texto tratava, em linhas gerais, dos conflitos e tensões geopolíticas que, nos últimos anos, têm ensangüentado a região do Cáucaso (clique aqui para ler o artigo).
As quase 400 vítimas fatais do atentado atribuído a extremistas chechenos em setembro de 2004, na cidade Beslan, trouxeram ao conhecimento dos brasileiros a existência da Ossétia do Norte, uma das repúblicas componentes da Federação Russa.
Localizada na porção setentrional do Cáucaso, área conhecida como Ciscaucásia, a Ossétia do Norte possui um território de aproximadamente 8.000 km2, extensão que é cerca de 2,5 vezes menor que Sergipe.Todavia, há ainda uma outra Ossétia, a do Sul, com um território bem menor que a sua homônima do norte (3.900 km2) e que é parte integrante da República da Geórgia. Enquanto a Ossétia do Norte localiza-se na vertente norte do Cáucaso, a Ossétia do Sul tem seu território na porção meridional dessa cadeia montanhosa.
As duas "ossétias" situam-se numa área estratégica pois localizam-se entre a Ciscaucásia e a Transcaucásia, junto ao desfiladeiro de Dariali, a única via de penetração norte-sul através do Cáucaso, excetuando-se os caminhos costeiros que margeiam os litorais dos mares Negro e Cáspio. O controle sobre este eixo de comunicação foi crucial para a histórica penetração Império Russo no resto da região, tanto que os czares russos construíram uma importante rota militar que conectou a antiga fortaleza de Vladikavkaz (atual capital da Ossétia do Norte) à Tibilissi, capital da Geórgia.
Os ossetas formam uma população de aproximadamente 700 mil pessoas, sendo que cerca de 65% estão na Ossétia do Norte, 25% na Ossétia do Sul e o restante espalhado pela Federação Rússia. Na Ossétia do Norte, os ossetas são quase 2/3 da população total (há uma expressiva minoria russa) e estão presentes, mais ou menos na mesma proporção, na Ossétia do Sul, onde os georgianos formam cerca de 30% do contingente populacional. Todavia, no conjunto da população da Geórgia, os ossetas são menos de 5% do total
Os ossetas falam uma língua do tronco indo-europeu e a maioria deles segue o cristianismo ortodoxo, embora na Ossétia do Norte exista uma minoria que professa o islamismo. Do ponto de vista religioso, os ossetas correspondem ao único povo dominantemente cristão ortodoxo do Cáucaso norte, já que os demais povos dessa região são majoritariamente muçulmanos.
Como se sabe, as fronteiras da região do Cáucaso foram estabelecidas pelo regime soviético fundamentalmente entre 1922 e 1936. Durante este período, os ossetas do norte  formavam, com um povo vizinho (os ingushes) uma mesma região autônoma. Em 1936, em função de reformulações nos quadros da divisão administrativa da URSS, ingushes e chechenos foram juntados numa só região autônoma, enquanto os ossetas passaram a ter uma região própria. Fato curioso, é que em todo esse imbróglio, não se questionou a formação de uma república autônoma da Ossétia do Sul, região integrante da República Socialista Soviética da Geórgia.

Quando da deportação em massa de chechenos e ingushes por Stalin (1943-1944), de suas regiões de origem para o Casquistão, uma parte do território ingushe, o distrito de Prigorodni, foi incorporado à Ossétia do Norte. Quando os "povos punidos" pelo ditador soviético foram reabilitados (1957), esse território não foi restituído aos ingushes, embora muitos deles tenham ali se instalado.
A desintegração da União Soviética em 1991, levou a um acirramento dos ânimos nacionalistas entre os povos da região. Em outubro de 1992, graves incidentes aconteceram em Vladikavkaz que envolveram ossetas e ingushes, cujo resultado foi a expulsão desses últimos da região, com o beneplácito das forças de interposição russas, presentes na área para "evitar" conflitos.
Mais ou menos na mesma época eclodiram conflitos entre os ossetas do sul e o governo da Geórgia. Embora sejam cerca de 5% da população total do país, os ossetas correspondem a mais ou menos 2/3 da população da Ossétia do Sul. As discriminações promovidas pelos georgianos, levaram os ossetas buscarem o caminho do separatismo e do confronto. O objetivo final seria o de promover a união com seus irmãos do norte. Os acordos que puseram fim aos conflitos, mas não ao problema, foram implementados pela Rússia.
Chechênia, a república rebelde
A Chechênia possui cerca de pouco mais de 19.000 km2 (um pouco menor que Sergipe, o menor estado brasileiro) e uma população que em 1989, data do último censo, contava com pouco mais de 1 milhão de pessoas. Atualmente é difícil se saber o número da população chechena, já que se acredita que por conta da guerra, pelo menos metade do efetivo populacional do grupo esteja presente em repúblicas vizinhas na condição de refugiados.
Do ponto de vista geográfico, pode-se dividir a Chechênia em três regiões distintas. A primeira é a porção centro-norte do país, marcada pelo domínio de planícies e por onde correm, paralelamente a cadeia do Cáucaso, os dois rios mais importantes (o Terek e seu principal afluente Sonja). Estão também aí localizadas as duas cidades mais importantes do país - Grozni, a capital, e Gudermes, o mais importante entrocamento viário do norte do Cáucaso. Por fim, aí também estão as atividades econômicas ligadas ao refino do petróleo e onde a presença de russos étnicos é significativa. Foi ao longo desses eixos fluviais que se verificou a conquista russa e é essa a parte da Chechênia que se encontra atualmente sob o controle de Moscou.
A segunda área fica, um pouco mais ao sul da primeira e é marcada por um relevo mais acidentado correspondendo aos contrafortes do Cáucaso. Essa região é cortada por uma série de afluentes da margem direita do Terek e do Sonja, que correm perpendicularmente á cadeia do Cáucaso. A disposição dessa rede hidrográfica criou uma ocupação fragmentada de vales que de certa forma os isolou das planícies setentrionais e, ao mesmo tempo, induziu a formação de estruturas sociais baseadas em clãs. Historicamente, a vida econômico-social dos chechenos (as transferências sazonais dos rebanhos, as viagens, as incursões e as migrações) esteve centrada em movimentos seguindo o eixo norte-sul. Atualmente, grande parte dessa área tem estado em disputa entre as forças russas de segurança e os separatistas.

Por fim, a terceira área corresponde as partes mais acidentadas e elevadas do Cáucaso. Nelas a população é bem mais rarefeita sendo a área que, há muitos anos, tem estado sob controle dos separatistas chechenos. Estes não só conhecem muito bem o meio natural, facilitando a guerra de guerrilhas, como também vêm desenvolvendo os mais variados tipos de tráfico, especialmente de armas e drogas.
Atualmente é difícil se estimar a população absoluta da Chechênia, por conta dos efeitos da guerra, especialmente no que se refere ao número de pessoas que morreram e dos refugiados que buscaram abrigo nas repúblicas vizinhas. Pode-se estimar seu contingente em cerca de  1,1 milhão sendo que 60% deles vivem na república e os demais espalhados pelas republicas vizinhas (Ingushétia e Daguestão), no Casaquistão e em cidades da Federação Russa, especialmente em Moscou. Dentro da Chechênia há uma importante minoria russa, cerca de 20%  da população total e que habita principalmente a porção centro-norte do país
A crise atual tem suas raízes na implosão da União Soviética (1991), quando foram removidos os pilares que sustentavam as fronteiras regionais. O complexo e heterogêneo mosaico humano caucasiano entrou em fluxo incontrolável. A eclosão da guerra separatista na Chechênia acendeu uma chama que ameaça incendiar toda a arquitetura geopolítica da Ciscaucásia.
No momento da desintegração da União Soviética, o governo da Chechênia declarou independência, mas o novo país não foi reconhecido por Moscou ou pela comunidade internacional. Nos anos seguintes, as tensões entre o governo separatista checheno e a oposição pró-russa degeneraram em verdadeira guerra civil. Em meio ao caos, Moscou promoveu a intervenção militar, deflagrando a primeira Guerra da Chechênia (1994-1996).
As forças separatistas resistiram à ofensiva de 20 mil soldados russos durante quase dois anos. Grozni, a capital, local dos principais combates, foi virtualmente arrasada. Os acordos de Kassaviurt, firmados em agosto de 1996, puseram fim ao conflito. Para a humilhação do governo russo, os acordos determinavam que o estatuto político definitivo da Chechênia seria negociado em 2001.
As eleições chechenas de 1997 deram a vitória ao líder separatista Aslan Mashkhadov. Contudo, o novo presidente jamais conseguiu controlar um país imerso em profunda crise econômica, dividido em facções armadas hostis e pressionado pelo crescimento do fundamentalismo islâmico. Grupos de fanáticos islâmicos da Chechênia tentaram invadir a vizinha república do Daguestão, em 1999 e, ao que tudo indica, promoveram sucessivos atentados em Moscou e outras cidades russas nesse mesmo ano.
A ascensão de Vladimir Putin ao poder na Rússia deveu-se, em grande medida, ao terror checheno. Como presidente interino, em fevereiro de 2000, Putin deflagrou a segunda Guerra da Chechênia. Pouco depois, Putin era eleito presidente russo, na trilha da operação militar. As forças russas ocuparam Grozni e a maior parte da Chechênia, com exceção das quase inacessíveis montanhas meridionais que, como já vimos, servem de principal refúgio para os guerrilheiros separatistas. Há mais de três anos, retaliando contra os guerrilheiros, o exército russo tem promovido ações que têm atingem principalmente a população civil. As entidades de defesa de direitos humanos têm registrado práticas sistemáticas de tortura e estupros.
Nos últimos anos, o conflito vem atravessando uma espiral crescente de violência. Aproveitando-se espertamente da doutrina da “guerra ao terror” levada a cabo pelo governo Bush, Putin tem insistido em identificar todos os separatistas chechenos ao fundamentalismo islâmico global. Com isso, tem aprofundado a repressão e reduzindo as pressões internacionais contra a violação sistemática dos direitos humanos.
Por outro lado, os terroristas chechenos têm tomado o lugar dos líderes políticos separatistas, promovendo, em 2004, vários atentados suicidas como os do metrô de Moscou (fevereiro), os que derrubaram dois aviões russos, (agosto), e a bárbara invasão da escola da Ossétia do Norte (setembro).

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