Os povos engalfinham-se no conflito mais feroz de nosso tempo. A ironia é que os dois povos têm origem em comum e conviveram em paz durante milhares de anos.
Por volta de 1850 a.C., um velho mercador da cidade de Ur, na Mesopotâmia (atual Iraque), recebeu um chamado de Deus. O Senhor ordenou-lhe que juntasse todos os seus pertences, abandonasse seu país natal e partisse em busca de um novo lar, rumo ao oeste: a terra de Canaã. Lá o mercador devia estabelecer sua descendência e dedicar-se ao culto de seu benfeitor, Jeová, o Deus único – uma novidade naqueles tempos politeístas. E lá se foi Abraão, com seu séqüito de parentes, escravos e concubinas.Ao longo da jornada, o favorito divino teve dois filhos. O mais velho, nascido de sua serva Agar, foi batizado de Ismael. O segundo, filho de Sara, esposa legítima do patriarca, recebeu o nome de Isaac. O país prometido aos descendentes de Abraão era uma terra de desertos e oliveiras, banhada pelas águas do rio Jordão. Ficou conhecida ao longo dos séculos como a Terra Santa – paisagem dos grandes dramas da Bíblia, adorada pelas três maiores religiões do planeta e, hoje, palco do conflito mais importante de nosso tempo. Segundo a lenda, os tataranetos de Abraão deram origem a dois povos de aparência, língua e cultura muito parecidas, mas que agora se entrincheiram em lados opostos no front da política internacional: árabes e judeus.
Quatro mil anos após a época do mais famoso profeta da Bíblia, os historiadores ainda não sabem se ele realmente existiu. Essa história vem inteiramente de relatos religiosos. A Torá, livro sagrado judaico que corresponde ao Velho Testamento cristão, aponta Isaac como o antepassado dos judeus. O Alcorão, por sua vez, remonta a genealogia dos árabes até Ismael, o primogênito de Abraão. Todos esses personagens talvez não passem de mitos. Mas o estreito parentesco entre árabes e judeus é consenso científico. Em 2000, cientistas europeus, israelenses e africanos coletaram os cromossomos de 1,3 mil homens de ambas as etnias, em mais de 30 países ao redor do mundo. A conclusão dos estudos é que os DNAs árabe e judeu são idênticos. As duas nações descendem de uma mesma tribo, que viveu em algum lugar do Oriente Médio por volta de 4000 a.C. – muito antes de Abraão. Israelenses, palestinos, sírios, egípcios e libaneses não são apenas primos. São irmãos genéticos.
Explosões de ódio e violência entre povos irmãos não é novidade alguma na história. Pelo contrário – é quase um padrão. Ingleses, franceses, alemães e italianos, todos descendentes dos antigos germânicos, passaram séculos massacrando uns aos outros e atravessaram duas guerras homéricas antes de alcançarem uma paz duradoura. Durante muito tempo, árabes e judeus desfrutaram de uma convivência criativa, que deu origem a pérolas de arte, tolerância e filosofia.
A briga começou para valer no início do século 20, tendo como pomo da discórdia a mesma terra celebrada nos tomos da Bíblia e nos versos do Alcorão – a antiga Canaã, que hoje corresponde a Israel, os territórios palestinos e partes do Líbano. A luta pela supremacia na Terra Santa estourou com a criação do Estado de Israel, em 1948, e foi uma das peças mais importantes nas disputas estratégicas entre Estados Unidos e União Soviética durante a Guerra Fria. Hoje, mais de dez anos após a queda do Muro de Berlim, a briga ainda não acabou – ao contrário, ela define grande parte do quebra-cabeça geopolítico de nosso tempo.
Ao longo dos últimos 60 anos, árabes e israelenses atacaram-se com fúria, retaliaram com impiedade, apostaram alto, perderam muito e mancharam de sangue a Terra Santa. Ambos têm sua parcela de razão e erro. E estão distantes da paz.
Do rei Davi ao sultão Omar
Por volta do ano 2000 a.C., a Terra Santa era habitada por diversas tribos aparentadas, que lutavam entre si pela posse de fontes de água e pasto para animais: amoritas, canaanitas, jebulitas, hebreus. Os últimos levaram a melhor: em 1030 a.C., unificaram a região, criando os poderosos reinos de Judá e Israel. Sob a égide do mitológico rei Davi, Jerusalém virou a capital dos judeus e tornou-se uma das maiores cidades da época. No século 1º a.C., a região – conhecida como Judéia – caiu sob o domínio de Roma.
Cerca de 130 anos após o nascimento de Cristo, uma insurreição de nacionalistas hebreus tentou quebrar o jugo romano (leia mais na página 58). A reação do Império foi radical: os judeus foram deportados em massa e proibidos de colocar os pés na Terra Santa. No evento conhecido como Diáspora, milhares de judeus espalharam-se pelo mundo. Eles se estabeleceram na Europa, em outras regiões do Oriente Médio e até na China.
Após a queda do Império Romano, a antiga Judéia foi conquistada pelo Islã. Saídos dos desertos da Península Arábica (pedaço da Ásia cercado pelo Mar Vermelho e pelo Golfo Pérsico), os árabes espalharam-se pelo Oriente Médio na Antiguidade, como guerreiros e comerciantes. Mas foi só no século 6o a.C., com a fundação da religião islâmica pelo profeta Muhammad (ou Maomé, como é chamado no Ocidente), que os árabes transformaram-se em uma potência militar e política. Exércitos muçulmanos unificaram o Oriente Médio a partir do século 7o a.C., criando um império gigantesco que se estendia das fronteiras da Índia até a Espanha.
O califa árabe Omar, sucessor de Maomé, ocupou Jerusalém em 680 a.C., sem derramamento de sangue, e permitiu que famílias judias voltassem a habitar a cidade. Os árabes deram o nome de Jund Filistin à região que fica entre o rio Jordão e o mar Mediterrâneo – o que hoje equivale mais ou menos a Israel, a Faixa de Gaza e a Cisjordânia. Durante a Idade Média, os judeus da Terra Santa viveram sob governo muçulmano. O convívio foi marcado por alguns surtos de perseguição e longos períodos de convivência pacífica.
A partir do século 13, o poder do Império Árabe decaiu. Pouco a pouco, os árabes e judeus do Oriente Médio foram subjugados por outro povo muçulmano: os turcos. No século 15, a região foi unificada sob o Império Turco Otomano, com capital em Istambul (atual Turquia), que dominou a antiga Terra Santa até o final da Primeira Guerra Mundial.
O enfermo do Oriente
Os atuais conflitos no Oriente Médio são em grande parte conseqüência de um terremoto político e social que abalou o mundo no início do século 20: a queda do Império Turco Otomano. Na época, esse estado imenso dominava uma bela fatia do Oriente Médio, o norte da África e o leste da Europa – incluindo as regiões que hoje formam a Síria, o Iraque, Israel e os territórios palestinos. Mas, na metade do século 19, o gigante turco já andava mal de saúde – tanto que os diplomatas europeus se referiam a ele como “o Homem Enfermo do Oriente”. Empobrecido, o Estado otomano entrou em colapso e, pouco a pouco, foi perdendo território para as potências européias. A partilha culminou em 1919, logo após a Primeira Guerra Mundial. Os turcos aliaram-se ao lado perdedor – o Eixo formado pela Alemanha e pelo Império Austro-Húngaro – e perderam a maior parte de suas posses. Assim, o Líbano e a Síria viraram “protetorados” franceses. Já a Palestina, que havia sido província dos otomanos durante 600 anos, ficou sob administração inglesa.
O problema é que a região era habitada por dois povos cansados do jugo estrangeiro. Árabes e judeus queriam chutar os colonizadores e formar seus próprios estados. Foram à luta – primeiro, contra os britânicos, e depois, uns contra os outros. Foi durante o período de dominação inglesa que o conflito entre os dois povos tomou forma, até explodir com a controversa criação do Estado de Israel, em 1948.
Linha do tempo
1882- Na Palestina, a população é formada por 6% de judeus e mais de 90% de árabes. Ocorre a primeira migração em massa de judeus, que fogem do anti- semitismo na Europa Oriental. Até 1903, são 35 mil imigrantes.
1904-1914- Período da segunda migração: cerca de 40 mil judeus chegam à Palestina.1919- Com o fim da Primeira Guerra, os europeus dividem entre si as terras do império otomano no Oriente Médio. A Palestina vira território britânico em 1922.
1919-1939- Os judeus continuam perseguidos na Europa. Fugindo do fascismo, que se espalha pelo continente, cerca de 400 mil hebreus migram para a Palestina.1939-1945- Segunda Guerra na Europa. Milhares de judeus fogem clandestinamente para a Palestina, escapando do Holocausto. Chegando lá, são considerados como novos colonizadores pelos árabes.
Novembro de 1947- No dia 29, a ONU divide a Palestina: 55% para judeus, 45% para árabes.Maio de 1948- No dia 14, Ben Gurion funda o Estado de Israel. Começa a guerra com os árabes.
1948-1950- Mais de 900 mil árabes são expulsos da Palestina e um número semelhante de judeus é expulso de países árabes. Israel ocupa 80% do antiga porção britânica. A Jordânia anexa a Cisjordânia e Jerusalém Oriental. O Egito fica com Gaza.1964- A OLP é fundada no Cairo.
1967- Na Guerra dos Seis Dias, Israel derrota de forma fulminante a frente formada pelos países árabes, anexando a Cisjordânia, as colinas de Golã, o Deserto do Sinai e Jerusalém Oriental.1973- No feriado sagrado judaico do Yom Kippur (“Dia do Perdão”), o Egito e a Síria tentam recuperar – sem sucesso – os territórios ocupados por Israel.
1978- Begin e Sadat assinam o acordo de Camp David. Israel devolve o Sinai ao Egito, que se torna o primeiro país árabe a reconhecer o estado judeu.1982- Israel invade o Líbano para destruir bases da OLP. Arafat e seus líderes são obrigados a abandonar o país e vão para a Tunísia. Está plantada a semente da milícia armada Hezbollah.
1987- Começa a Primeira Intifada, ou rebelião dos territórios ocupados. Ataques contra as forças israelenses multiplicam-se na Cisjordânia e em Gaza. É fundado o Hamas.1993- Yasser Arafat e Yitzhak Rabin assinam acordo de paz em Washington, criando a Autoridade Palestina.
2000- Israel retira-se do sul do Líbano. Negociações entre Barak e Arafat falham. Em setembro, explode a Segunda Intifada, após a visita do líder da direita israelense, Ariel Sharon, à mesquita sagrada de Al-Aqsa, em Jerusalém.2001- Em meio à violência, Sharon é eleito primeiro-ministro de Israel.
2002- Sharon começa a construir um muro separando a Cisjordânia de Israel.2005- Sharon retira os colonos judeus de Gaza, em uma jogada unilateral. Alguns meses depois, o Hamas ganha a maioria do parlamento palestino.
2006- Em julho e agosto, conflito entre Israel e Hezbollah devasta o Líbano. A ONU declara que a Faixa de Gaza está em “uma crise humanitária intolerável”. Revista Aventuras na História n° 014
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