Em 1948, o mundo árabe entrou em transe. Por todos os lados, jovens sonhavam em viajar à Terra Santa para salvar os primos palestinos do que eles acreditavam ser uma nova colonização européia. Era o caso de um grupo de estudantes da Universidade do Cairo, no Egito, que, em 1947, em uma reunião solene, queimaram seus livros acadêmicos, abandonaram os cursos e juraram dedicar-se exclusivamente à causa. Eram comandados por um rapaz de 18 anos, nascido no Egito, mas filho de palestinos. Quando criança, brincava com amigos judeus nas calçadas do Cairo. Agora, jurava inimizade eterna ao Estado hebreu. Sua primeira e auto- imposta missão foi contrabandear armamentos para os camponeses árabes da Terra Santa – na mesma época em que Ben Gurion corria para aumentar os arsenais sionistas. Em 1948, quando começou a guerra, o bando atravessou a fronteira com a Faixa de Gaza para aderir ao combate. Mas foram presos pelo próprio exército egípcio, como combatentes clandestinos. Suas armas foram confiscadas e os garotos, mandados de volta para casa.
Um deles, em particular, ficou indignado. “Naquele momento, convenci-me de que os palestinos seriam traídos pelos outros regimes árabes”, diria, anos depois, o líder do grupo. Ele acreditava que os países vizinhos lutariam por seus próprios interesses – e, se fossem depender deles, os palestinos jamais teriam chance de virar o jogo. Com essa idéia na cabeça, o adolescente correu o mundo nas décadas seguintes e tornou-se o rosto, o nome e a identidade da causa palestina – para o bem e para o mal. Alguns o descrevem como um tirano e um terrorista sedento de sangue; outros, como um herói. O mundo enfim conhecia o nome e o rosto de Yasser Arafat.Em 1948, logo após a primeira guerra árabe-israelense, Arafat ainda estava longe de ser o líder absoluto dos palestinos. Mas tinha razão em suas conjeturas. O destino dos refugiados e a rivalidade com Israel viraram moeda de troca nas intrigas e maquinações entre países árabes – e nos jogos de poder entre os Estados Unidos e a União Soviética, as novas superpotências mundiais. O tabuleiro da Guerra Fria estava armado.
Traições e alianças
Na década de 50, enquanto o jovem Arafat corria o Oriente Médio para formar uma guerrilha palestina, Israel tornava-se uma potência – em tempo recorde. Com muito trabalho duro e dinheiro jorrando para os cofres do país – vindo dos Estados Unidos, de comunidades judaicas ao redor do mundo e de indenizações pagas pela Alemanha, por conta do Holocausto –, Israel construiu uma economia versátil, com alta tecnologia e agricultura de ponta. Em 1961, a população do país era de mais de 2 milhões de pessoas – sendo que apenas 10% eram palestinos cristãos e muçulmanos.
Os países árabes mais influentes e poderosos da época eram a Jordânia e o Egito. Abdullah, monarca jordaniano, aproveitou a guerra de 1948 para aumentar seu território, anexando a Cisjordânia. Em segredo, planejava assinar uma paz duradoura com Israel para manter o lucro. Para os palestinos, isso era traição. Além do mais, Abdullah era visto como fantoche dos ingleses, que lhe deram o trono jordaniano de bandeja em 1922. A vingança não tardou. Em julho de 1951, o rei Abdullah fazia uma visita aos santuários islâmicos de Jerusalém Oriental. Enquanto ele subia os degraus da Mesquita de Al-Aqsa, um dos locais mais sagrados do Islã, um militante palestino driblou os seguranças e disparou três tiros em sua cabeça. Abdullah soltou o último suspiro às portas do templo. Seu sucessor no trono, o príncipe Hussein, herdou as inclinações diplomáticas do pai. Embora teoricamente em guerra com Israel, a Jordânia manteve uma postura morna, evitando o confronto aberto.
Com a Jordânia de molho, o Egito emergiu como líder. Centro nervoso do mundo árabe nas décadas de 50 e 60, o país dos faraós tornou-se o maior inimigo do Estado judeu. Durante 20 anos, a política egípcia foi dominada por Gamal Abdel Nasser – líder de um golpe militar que derrubou a monarquia e proclamou a República em 1952. Carismático, patriota e excessivamente ambicioso, Nasser se tornaria um dos políticos árabes mais famosos dos tempos modernos e um ídolo das multidões. Seu sonho era o mesmo de muita gente: abolir as fronteiras impostas pela Europa e unir o Oriente Médio em um grande estado de língua árabe – a ideologia do pan-arabismo. Além disso, esbravejava contra a criação do Estado de Israel, que descrevia como uma aventura colonialista.
Enquanto isso, os bastidores do conflito passavam à batuta de novos maestros. O declínio do poder da Inglaterra e da França na região abriu espaço para a entrada de dois novos colossos geopolíticos: os Estados Unidos e a União Soviética. O Oriente Médio, cujas vastas reservas de petróleo já se tornavam um tesouro estratégico universalmente cobiçado, foi um dos tabuleiros favoritos para o xadrez dos novos gigantes.
Os EUA foram um dos primeiros países a apoiar a existência de Israel: Harry Truman, presidente americano na década de 40, emitiu seu reconhecimento oficial apenas alguns minutos após a Declaração de Independência de Ben Gurion. Mas foi mesmo na década de 50 que a relação entre os dois países tornou-se quase carnal: com uma grande e próspera população judaica, os EUA viam em Israel uma democracia liberal e avançada, com valores muito parecidos aos ocidentais e cercada por inimigos hostis. Hoje, a aliança entre os dois países ainda é firme e, da parte americana, praticamente incondicional. Os países árabes, encabeçados pelo Egito, mantinham uma postura oficial de neutralidade entre russos e americanos – mas só no plano oficial. Em 1955, os egípcios firmaram um acordo com a União Soviética, que a partir dali passaria a fornecer-lhes armamentos. Com a pistola recheada de munição russa, Nasser sentiu-se cada vez mais confiante e preparado para cutucar a onça do Ocidente.
A Crise de Suez
Em 1956, o presidente egípcio nacionalizou o Canal de Suez – importante ligação marítima entre a África e a Europa, que na época era controlada pelos britânicos e franceses. Inglaterra, França e Israel uniram-se para contra-atacar, dando início à segunda guerra envolvendo árabes e judeus – a Crise de Suez, que eclodiu em outubro de 1956.
A cartada audaciosa de Nasser quase custou- lhe a cabeça. O Egito foi invadido por 30 mil soldados israelenses, logo reforçados por britânicos e franceses. Embora a superioridade militar dos três aliados fosse clara como as águas do canal, a crise acabou em empate. O presidente americano, Dwight Eisenhower, e o líder soviético, Nikita Kruschev, embora inimigos mortais no painel da Guerra Fria, concordavam em uma coisa: nenhum deles estava interessado em um conflito aberto na região. Preferiam fazer seu jogo de modo mais velado e menos barulhento. Juntos, os dois inimigos puxaram as rédeas de seus protegidos. Europeus e israelenses, embora vitoriosos, bateram em retirada.
Nasser continuou no poder, e sua popularidade foi às alturas. Isso era demais para o gosto de Israel, que via na postura aventureira e agressiva do ditador egípcio uma constante ameaça a sua existência. O cenário estava armado para o terceiro – e mais decisivo – round da luta. Ele aconteceu em 1967. E suas conseqüências ainda estão vivas até hoje.
Do Fatah ao Hamas
Em 1959, exilado no Kuwait, Yasser Arafat fundou o Fatah – um grupo secular, embora radical, que agiria sem prestar contas aos governos árabes. Não tinha caráter puramente islâmico – havia cristãos e até ateus em suas fileiras, por exemplo. Seu objetivo era libertar a Palestina e acabar com o Estado de Israel. Cinco anos depois, surgiu a Organização para Libertação da Palestina (OLP), sob os auspícios de Nasser, que não queria perder o monopólio sobre a causa. No início, os dois grupos eram rivais, mas acabaram unindo-se em 1969, sob a liderança de Arafat, que após a morte de Nasser se tornou como o grande líder palestino.
Rivais até hoje
A luta polarizada entre a OLP e Israel atravessou mais de duas décadas e foi alimentada com o sangue de milhares de vítimas, incluindo civis. Aos poucos, a organização de Arafat abrandou o discurso e, em 1988, tornou-se o primeiro movimento palestino a reconhecer a existência do Estado judeu – mas continuou listado como grupo terrorista. No mesmo ano, o xeque Ahmed Yassin fundou o Hamas, grupo que clamava pelo fim de Israel e pela criação de um Estado de lei islâmica na antiga Palestina. Desde o início, Arafat e o Hamas foram inimigos mortais. O líder palestino morreu em 2004, na França, politicamente isolado por apoiar Saddam Hussein.
Hoje, o Fatah representa a ala moderada. Já o Hamas mantém a linha-dura e não reconhece Israel. Em 2006, nas eleições para o parlamento, o grupo de Yassin ganhou a maior parte dos assentos e praticamente controla o governo – o primeiro-ministro Ismail Hanyah é um de seus correligionários.
Líbano dilacerado
Até a década de 70, o Líbano era um país aparentemente calmo, simpático e cheio de turistas. Beirute, a sofisticada capital, era a “Paris do Oriente Médio”. Mas tudo começou a mudar em 1976, quando estourou uma bomba-relógio ativada décadas antes. Desde sua independência da França, em 1947, o Líbano era uma democracia frágil, celeiro de seitas e religiões. Esse equilíbrio delicado foi sacudido com a chegada de milhares de refugiados palestinos, primeiro em 1948, depois em 1967. Para completar o cenário, Arafat estabeleceu a base da OLP nos campos de refugiados do Líbano, em 1970 – e tornou-se tão poderoso que acabou criando um estado dentro do estado. Em 1976, começou a guerra civil: grupos de cristãos radicais lançaram- se contra os palestinos, que retaliaram furiosamente. Enquanto combatia os cristãos, a OLP lançava ataques contra a fronteira norte de Israel. Em 1982, o então ministro da defesa israelense, Ariel Sharon (que mais tarde se tornaria primeiro-ministro), lançou a operação Paz na Galiléia: uma invasão em larga escala do Líbano, para destroçar de uma vez por todas a OLP.
MASSACRE DE CIVIS
Sharon bombardeou o país e massacrou cerca de 17 mil libaneses, a maioria civis muçulmanos e cristãos, segundo dados da Cruz Vermelha. Após um cerco arrasador, marchou por Beirute e expulsou Arafat e todo o comando da OLP para a Tunísia. A opinião mundial começava a voltar-se contra Israel, quando o céu fechou definitivamente em 16 de setembro de 1982. Na ocasião, cristãos da Falange, aliados de Israel, invadiram os campos palestinos de Sabra e Chatila. Em uma orgia de estupros e assassinatos que durou três dias, centenas de velhos, mulheres e crianças foram chacinados. O exército israelense, estacionado a poucos quilômetros, não fez nada para impedir. As tropas retiraram-se de parte do país, mas continuaram no sul do Líbano até o ano 2000.
Revista Aventuras na História n° 014
Nenhum comentário:
Postar um comentário