quarta-feira, 2 de maio de 2012

Alexandre, o Grande

Celso Miranda
O general mais famoso de todos os tempos nos recebeu em seu palácio no outro mundo e disse que não assistiu ao filme de Oliver Stone.
Se nascesse hoje, Alexandre Felipe III seria grego. Mas em 356 a.C., quando veio ao mundo, sua cidade, Pela, pertencia à Macedônia. Filho do rei Felipe II, Alexandre antes de se tornar “O Grande”, tomou aulas com ninguém menos que Aristóteles, com quem aprendeu ética e filosofia e que o obrigou, ainda criança, a decorar trechos imensos da Ilíada, de Homero. A precoce morte do pai lançou Alexandre numa carreira meteórica. Com10 anos era rei. Aos 20, chefe do exército. Em seguida, partiu numa campanha militar sem precedentes, que expulsou os persas de seu território e foi além: conquistou um império que ia do Mediterrâneo à Índia. Quando não estava combatendo seus inimigos, o garoto superpoderoso gostava de passar o tempo montando, cuidando de seus cavalos e saindo para encher a cara com os amigos. Considerado um dos maiores gênios militares de todos os tempos – jamais teria perdido uma batalha –, ele morreu cedo, aos 32 anos, mas as causas nunca foram esclarecidas. Ele pode ter contraído malária, pode ter sido envenenado por algum inimigo ou bebido até cair.
Nessa entrevista, Alexandre, o Grande, rei da Macedônia, senhor de gregos e asiáticos, que tem fama de mal-humorado e brigão, revela um lado mais alegre, mostrando que não perdeu a força e o ímpeto da juventude. No entanto, ele também mostra maturidade ao falar sem rodeios sobre sexo, política e sua própria morte. Comenta a aparência do ator Colin Farrell (que o interpretou no filme de Oliver Stone) e a decadência da Mesopotâmia (atual Iraque), que foi centro de seu Império, abrigou seu magnífico palácio, e hoje enfrenta uma guerra que parece longe do fim.
AVENTURAS NA HISTÓRIA – Há 2 mil anos você e seus exércitos varreram a Ásia Menor e o norte da África, conquistaram cada cidade, cada nação do Mediterrâneo ao Afeganistão. Mas você escolheu a Mesopotâmia para instalar e construir seu palácio. O que você pensa hoje quando vê tanta guerra, tanta destruição em Bagdá, por exemplo? Existe uma solução para os conflitos naquela região?
ALEXANDRE, O GRANDE – A guerra não é exatamente um mal. A guerra é um momento de morte, de violência, sem dúvida. Mas é também um momento de conquista, de confronto entre dois modos de ver o mundo e, dependendo do vencedor, se ele for um bom vencedor,a guerra pode abrir caminho para uma terceira via. Meu pai dizia que a guerra não é um fim, mas uma renovação de valores, uma abertura para novas idéias se firmarem e ganharem terreno. No caso da Babilônia, no meu tempo pelo menos, ela era inevitável. Há 2 mil anos, ali ficava o centro do mundo. Bagdá não existia, mas a região já era pródiga em grandes e belas cidades. É uma região muito rica, próspera, um ótimo lugar para morar e trabalhar. É uma pena que tenha encontrado tão poucos momentos de paz.
Aventuras na História– Mas a invasão no século 4 a.C. não ajudou muito a paz, não é?
Alexandre, o Grande – Veja, eu não me via como um invasor. Mas um libertador. Os persas também não tinham direito a essas terras. Houve muito combate, mas também houve cidades que nos receberam de braços abertos.
Aventuras na História – Esse não é um discurso parecido com os argumentos de George W. Bush para invadir o Iraque? O que pensa sobre a presença dos americanos na região?
Alexandre, o Grande – Pode ser. Mas acho que as coincidências param por aí. Nós lutamos por coisas diferentes. Eu persegui os persas, admito, mas porque eles invadiram as terras de meu pai e de meu povo. Depois, eu nunca pedi a meus homens que fizessem o que eu não faria. Sei que hoje a guerra é muito diferente, mas eu liderei pessoalmente meus exércitos e quando venci, não os abandonei. Sabia que a Mesopotâmia era importante, era um lugar de história, de tradições milenares. Eu respeitei essas tradições, incluindo o modo deles de fazer política. Fiz alianças com os representantes deles. Me casei com uma jovem nobre da região e nomeei alguns de meus melhores generais para cuidar das principais cidades. Claro, eram outros tempos. Mas você sabe que construímos muita coisa por lá. Que muita coisa que levamos foi assimilada e ficou para sempre.
Aventuras na História – Você fala como um político. Não fica chateado que seu império tenha se dividido tão depressa?
Alexandre, o Grande – Olha, uma coisa que eu nunca fui foi político. Quando a poeira assentou e as batalhas acabaram, aí é que vieram os problemas. Eu achava que eram os meus generais que deviam governar. Pois é, eu sou um guerreiro, e os comandantes de meu exército sempre me foram leais, me parecia justo que fossem eles a governar as terras que conquistamos. E foi o que eu fiz. Alguns se deram bem, como Ptolomeu lá no Egito, outros não. Em alguns lugares os nossos ideais persistiram, em outros, logo foram superados.
Aventuras na História– Já pensou que poderia ter sido tudo diferente se você não tivesse... tão cedo?
Alexandre, o Grande– Tivesse o quê? Morrido?
Aventuras na História – É. Você se importa de falar disso?
Alexandre, o Grande – É claro que este não é meu tema predileto. Digo, a minha morte. No começo fiquei arrasado, sabe? Mas depois eu superei. Tive muita gente boa do meu lado para me ajudar. Hoje, consigo pensar na coisa toda como um fato natural. O que me incomodava era o fato de ter morrido jovem, mas depois pensei: “Cara, você se divertiu pacas. Fez coisa pra caramba. Viveu em 32 anos o que muita gente nunca vai viver”. Você já foi à Índia? Ao Afeganistão? Eu já. Já andou de elefante, já andou com reis, dormiu com rainhas? Eu não me arrependo de nada.
Aventuras na História – Você viu o filme Alexandre, de Oliver Stone?
Alexandre, o Grande – Não vi, sinceramente. Passei as férias fora e ainda não tive tempo de assistir. Vi apenas alguns trechos na TV.
Aventuras na História – Você não viu nem o ator irlandês Colin Farrell vestido como você?
Alexandre, o Grande – Vi.
Aventuras na História – E o que achou?
Alexandre, o Grande – Eu não tenho aquela cara de chorão, tenho? (risos). Se eu tivesse, nenhum soldado macedônio teria me seguido. Falando sério, eu nunca depilei as pernas (mais risos).
Aventuras na História – Mas você sabe da polêmica sobre as cenas de homossexualismo, não é? Você se incomoda de falar sobre isso?
Alexandre, o Grande – Não me incomoda falar disso, não. Acho que cada tempo, cada povo tem seu jeito de ver as coisas. Eu nunca quis que as pessoas pensassem como eu e, embora eu tenha conquistado muitos territórios, procurei respeitar as diferenças entre nós e aqueles que me receberam como aliado. Em relação ao sexo e aos códigos morais acho que acontece coisa parecida. Meus avós provavelmente não tinham a mesma opinião sobre as coisas que eu tenho. Certamente vocês aí, do século 21 devem ter suas dificuldades para entender o que fazíamos e como eram nossos relacionamentos de amizade, amor e sexo há 2 mil anos. No meu tempo, amar o amigo como a um irmão não provocava espanto. Abraçar e beijar quem você ama também não. E eu nunca me preocupei muito com o que as pessoas pudessem pensar.
Aventuras na História – Mas os livros escritos sobre você...
Alexandre, o Grande – Uma dica: não acredite em tudo que você lê. Você não pode pegar a obra de um cara e dizer que a coisa era assim ou assado. Imagina alguém que daqui a mil anos for estudar a sua civilização e o único documento que ele tiver for a novela das oito. Ela vai achar que no século 21 ninguém trabalhava, não havia miséria e que a Marília Gabriela era o ideal de beleza feminina.
Aventuras na História – Mas você teve relações homossexuais?
Alexandre, o Grande – Prefiro não responder a essa pergunta. Pois aquilo que eu acho que é homossexualismo, certamente não é a mesma coisa que você acha que é. Para encerrar o assunto, acho que cada um deve ter o sexo que quer, que pode e que merece.

Aventuras na História n° 019

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