domingo, 26 de dezembro de 2010

A Bacia Platina no Contexto das Relações Brasil- Argentina

Nelson Bacic Olic  
A bacia do Prata ou Platina, área drenada pelos rios Paraná, Paraguai e Uruguai, é um dos principais conjuntos fluviais do mundo e o segundo maior da América do Sul, superado apenas pela bacia Amazônica. Com mais de 2,5 milhões de km2, ocupa cerca de 20% do território sul-americano e abrange, além do Brasil, áreas de outros quatros países da América do Sul: Argentina, Paraguai, Uruguai e, em escala bem mais reduzida, a Bolívia. Este último país, dado suas condições histórico-geográficas, é considerado tradicionalmente um país andino.
Os três principais cursos fluviais formadores da bacia, nascem em território brasileiro. O eixo principal da bacia tem, grosseiramente, sentido norte-sul e as águas de todo o conjunto convergem para o Atlântico, desaguando no estuário do Prata, junto à Buenos Aires e Montevidéu. Os territórios de Brasil e Argentina, os dois mais extensos países do conjunto, abrigam cerca de 70% da superfície total da bacia.
As amplas áreas da Bacia Platina compreendem quatro domínios morfoclimáticos, além de áreas de transição entre eles. No alto vale do rio Paraguai e em algumas áreas do curso superior dos rios formadores do Paraná, especialmente o centro-oeste de São Paulo, localiza-se o domínio dos mares de morros, originariamente recobertos pela floresta tropical, hoje, quase totalmente devastada pela intensa e desregrada ocupação humana.
Porções do médio vale do rio Paraná e do curso superior do rio Uruguai apresentam-se como o domínio dos planaltos subtropicais recobertos originalmente por matas de araucária, hoje quase totalmente devastadas. Por fim, em áreas do baixo curso do Paraná e do médio e baixo vales do Uruguai, aparecem as pradarias subtropicais e temperadas, conhecidas genericamente como Pampas. Dentre as extensas áreas de transição que separam os vários domínios, destaca-se o Pantanal Matogrossense , cujo prolongamento para a porção setentrional da Argentina, ocidental do Paraguai e meridional da Bolívia forma a região conhecida como Chaco.
Os espaços mais densamente povoados dos países platinos situam-se em áreas que fazem parte da bacia ou então em suas proximidades. É o caso das capitais políticas e das maiores cidades da Argentina (Buenos Aires, Rosário e Córdoba), do Uruguai (Montevidéu), do Paraguai (Assunção) e do Brasil (São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro e Belo Horizonte).
Do ponto de vista econômico, as regiões mais dinâmicas desses quatro países também se localizam em áreas da bacia como é o caso do Pampa argentino (onde se situa Buenos Aires), que concentra cerca de 75% de toda a atividade econômica do país. No Brasil, as regiões platinas correspondem a parcelas consideráveis do Centro-Sul do país, onde é gerada aproximadamente dois terços da riqueza nacional.
Rivalidade e cooperação

Durante muito tempo, as áreas da bacia Platina foram focos de tensão geopolítica. Na época colonial, ela foi palco dos interesses geopolíticos antagônicos de portugueses e espanhóis. A partir do século XIX, as tensões passaram a ser entre os novos Estados independentes, cujas fronteiras políticas não se encontravam totalmente reconhecidas.
Especialmente Brasil e Argentina viveram fases de conturbado relacionamento político e diplomático, em função dos mitos de hegemonia regional que ambos desenvolveram. Os mitos argentinos estavam baseados sobre ideologias de caráter racial. A grande onda migratória da segunda metade do século XIX, fez efetivamente desaparecer a base mestiça (e ameríndia) da população do Pampa argentino.
Valorizando e alardeando a condição de país eminentemente formado por populações brancas, setores significativos da elite argentina desenvolveram idéias de superioridade civilizacional diante de seus vizinhos sul-americanos. Julgavam os líderes argentinos que apenas um país com essas características étnicas poderia dialogar de igual para igual com as potências “brancas” da Europa e com os Estados Unidos.
Por seu turno, os mitos brasileiros tinham como referência a grandeza, riqueza e potencialidade do território. Um país de rios imensos, florestas fantásticas e tamanho colossal só poderia ter um destino semelhante aos seus atributos físicos.
Recentemente, as bases do relacionamento entre Brasil e Argentina foram reconstruídas, com ênfase na cooperação. A crise econômica dos anos 1980 – a chamada “década perdida” da América Latina - e a globalização da economia mundial condicionaram mudanças nas posturas diplomáticas dos dois países. Não há dúvida também que a redemocratização dos dois países, expressas nas eleições presidenciais de 1983 na Argentina e pela volta dos civis ao poder no Brasil, em 1984, foi mais um fator a impulsionar esse processo.
Começaram aí a serem lançadas as sementes que germinariam alguns anos depois, em 1991, quando pelo Tratado de Assunção foi criado o Mercosul. Estariam os rios da bacia Platina deixando de ser os rios da discórdia e passando a ser os rios da cooperação?

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