O escândalo PC Farias reúne todos os ingredientes que caracterizam a crise de
governabilidade na América Latina: uma máquina estatal corrupta, uma “cúpula”
governante dividida e perplexa, organizações partidárias e sindicais convocando
manifestações contra o governo e, como pano de fundo, uma aguda crise social e econômica.
Estes ingredientes se combinam, de várias formas, nos demais países.
No Peru, o golpe de Alberto Fujimori teve como pretexto tornar mais eficaz o combate
à guerrilha (principalmente, o grupo maoísta Sendero Luminoso), e aos narcotraficantes.
Fujimori dissolveu o Congresso, e concentrou todos os poderes.
A prisão do líder do Sendero, Abimael Guzmán, em setembro, em circunstâncias
pouco claras, parece ter reforçado o esquema de Fujimori. O Sendero foi criado nos
anos 70, como um pequeno grupo da Universidade de Ayacucho. Inicialmente, era
rural, e adepto de métodos violentos. Cresceu tanto nos anos 80 que hoje controla bairros
de Lima (capital do país), onde abundam favelas enormes e miseráveis.
O narcotráfico no Peru não é tão importante quanto na Colômbia, mas corrompe até
generais (cujo salários médios são de 200 dólares mensais). É fácil imaginar a desmoralização
nas tropas. Muitas vezes, soldados que se quer têm botas.
Em países andinos (Peru, Colômbia e Bolívia), a repressão ao narcotráfico gera, não
raro, uma profunda injustiça social. A folha de coca é um alimento cultivado há milênios
por indígenas. Muitas vezes, é sua única fonte de proteínas vegetais. As pressões, feitas
principalmente por Washington, para que as culturas de coca sejam substituídas por outras
(milho, café, etc.) agravam as péssimas condições de vida destas populações.
Na Colômbia, a fuga de Pablo Escobar dissolveu a ficção de que o governo conseguira
controlar o narcotráfico. Escobar estava “preso” num cárcere construído para ele, em terreno
de sua propriedade situado no topo de uma montanha que domina o belíssimo vale
de Envigado. Bastou o governo ameaçar transferi-lo para que ele fugisse.
O narcotráfico é o segundo maior comércio do mundo. Movimenta, anualmente, 500
bilhões de dólares, dos quais boa parte é originada da Colômbia, maior produtora de cocaína.
As máfias de “Cáli” e Medellín formam um ”Estado dentro do Estado”. Compram juízes, políticos e militares, e controlam a maior parte do comércio legal. As empresas legais de Escobar em Medellín pagam salários altos, o que garante ao narcotraficante a simpatia de parte significativa da população.
Escobar entregou-se às autoridades em meados de 1991, em troca da promessa de
que não seria extraditado aos EUA. Exigiu, aliás, que a Assembléia Constituinte transformasse
a promessa em lei. O governo, com sua prisão, parecia ter consolidado uma nova fase na história do país. Mera aparência, que só oculta o barril de pólvora social e econômico
prestes a explodir.
Nos anos 80, em particular na segunda metade da década, um amplo processo de democratização parecia tornar irreversível o fim das ditaduras na América Latina. Um a um,
foram democratizados os regimes do Cone Sul (Argentina, Chile, Paraguai e Brasil), América
Andina (Peru, Colômbia, Venezuela, Bolívia) e Central (Salvador, Guatemala, Nicarágua).
Com exceção de Cuba, a realização de eleições livres tornou-se regra. Mas esse edifício democrático tem base frágil. A ingovernabilidade ameaça vários países, incluindo o Brasil.
Multiplicam-se os indícios de uma crise generalizada: golpe de Estado deferido pelo
presidente do Peru, Alberto Fujimori, em abril, e uma tentativa de golpe na Venezuela,
à mesma época; desmoralização do governo colombiano, dois meses depois, com
a fuga da prisão de Pablo Escobar, o “chefão” do bilionário Cartel de Medellín do
narcotráfico; o escândalo PC Farias no Brasil ,expondo a máquina de corrupção armada
no coração do poder.
Paradoxalmente, se houve democratização, a pobreza aumentou nos anos 80. Esse paradoxo
está na base de todas as crises, já que a democracia permite que os movimentos reivindicatórios se expressem nas ruas, fábricas, escolas e locais de trabalho, atemorizando
as elites. No limite, ou a democracia é capaz de gerar justiça social, ou a concentração de riquezas acabará por liquidar a democracia.
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