domingo, 26 de dezembro de 2010

A Questão Nordestina: Permanências e Mudanças

 Nelson Bacic Olic  
A noção espacial que temos hoje daquilo que se convencionou chamar de Região Nordeste é recente, datando do início do século XX. Antes desta época existiam vários “nordestes”, áreas com características geoeconômicas bastante diferenciadas e que não mantinham quase nenhuma relação entre si.
Só quando o processo de integração nacional, induzido pelo desenvolvimento da industrialização, atingiu o país é que o Nordeste passou a ser encarado como uma região individualizada no espaço brasileiro. O processo de industrialização teve como uma de suas principais conseqüências a concentração da atividade industrial no Sudeste fato que agravou a dependência do Nordeste em relação aquela região
Pode-se afirmar que os debates mais pertinentes sobre a questão regional nordestina surgiram no final da década de 1950, no contexto internacional da Guerra Fria, num momento marcado pelo sucesso da Revolução Cubana (1959), que foi encarado por muitos movimentos de esquerda tanto no Brasil, como no resto da América Latina, como um fato precursor de profundas mudanças sociais, políticas e econômicas.
Foi nessa época que surgiu o primeiro órgão de planejamento regional do Brasil, a Sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste, atual Agência de Desenvolvimento do Nordeste) cuja estratégia principal dava ênfase à industrialização, com base em recursos obtidos através de incentivos fiscais e financeiros e também por investimentos estatais que visavam ampliar a infra-estrutura viária e energética da região.
No setor agropecuário, a Sudene tinha como objetivos promover reformas que objetivassem a ampliação da produção agrícola, através da utilização de técnicas modernas, especialmente de irrigação no semi-árido e introduzindo profundas modificações nas atividades agrárias da Zona da Mata. Acreditava-se naquela época que esse conjunto de transformações contribuiriam para mudar o trágico perfil social da região.
Desde 1960, data de criação da Sudene, até os dias atuais, o Nordeste mudou muito. Demograficamente, por exemplo, a região tinha em 1960 cerca de 22 milhões de habitantes (31,7% da população brasileira); hoje a população regional é de aproximadamente 47 milhões (27%). Nesse período, a região deixou de ser uma área onde a maioria da população vivia em áreas rurais. Atualmente, mais de 2/3 dos nordestinos vivem em áreas urbanas.
Uma avaliação da ação da Sudene do ponto de vista econômico permite várias interpretações. Todavia, não se pode esquecer nessa avaliação que, a atuação desse órgão verificou-se num contexto mundial em rápida transformação e numa região periférica de um país periférico.
De um lado, verificou-se uma diversificação da estrutura industrial, com o maior crescimento do setor de bens intermediários em detrimento dos bens de consumo não-duráveis que, antes da Sudene, era o segmento industrial principal. Quanto ao setor agropecuário, alguns espaços agrícolas apresentaram significativo processo de modernização, sobretudo naqueles onde se desenvolveram as técnicas de irrigação. O setor serviços, especialmente nas capitais estaduais e regionais, passou a ter importante presença na vida urbana. O turismo, em especial, teve um crescimento vertiginoso.
Paradoxalmente, a participação do PIB (Produto Interno Bruto) nordestino no conjunto do PIB nacional pouco se modificou. Se, em 1960, o PIB regional era de cerca de 12% e hoje ele é de 13,12% (só para efeito de comparação, a participação do PIB de São Paulo – 34,95% - é quase três vezes maior).
No interior da região, os desequilíbrios geoeconômicos são enormes: três estados da região, Bahia, Pernambuco e Ceará, respondem por cerca de 75% da produção das riquezas regionais. Em termos estaduais os desequilíbrios continuam: a Bahia contribui com 31% e, no extremo oposto, Sergipe gera apenas 4% do PIB regional.
A situação social da região, apesar de algumas melhoras, é ainda muito ruim. Os índices que avaliam as condições de vida da população mostram seus valores mais baixos na região. Assim, segundo o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da ONU, todos os estados nordestinos apresentam resultados inferiores à média brasileira. Entre os dez menores índices de IDH do país, oito são de estados do Nordeste. A região também apresenta as maiores taxas de mortalidade infantil e a menor expectativa de vida dentre as regiões brasileiras.
Novos focos de dinamização geoeconômica
Querer se interpretar o Nordeste apenas como região-problema, com áreas assoladas periodicamente pela seca, com enormes bolsões de pobreza, onde a ação do Estado quase sempre só fez por consolidar velhas estruturas e perpetuou situações de miséria é insuficiente, na atualidade, para entender as dinâmicas do espaço regional.
Hoje, mais do que em qualquer época do passado, um dos principais aspectos a ser destacado é a crescente diversidade de sua organização espacial interna . Assim, convivem lado a lado na região, focos de expressivo dinamismo econômico ao lado de áreas onde as estruturas tradicionais estão cristalizadas há muito tempo. Não resta dúvida que a maior diversidade geoeconômica do Nordeste na atualidade, especialmente nos focos de maior dinamismo, deve-se, embora não exclusivamente, à ação da Sudene.
Podemos distinguir pelo menos sete áreas de maior dinamismo econômico no interior da região:
1. o pólo petroquímico de Camaçari, na Bahia;
2. o pólo têxtil e de confecções de Fortaleza, no Ceará;
3. complexo mineral-metalúrgico de Carajás, que abrange extensas áreas do Maranhão;
4. o pólo agroindustrial de Petrolina-Juazeiro, no médio vale do São Francisco (Bahia e Pernambuco, cuja a base é a fruticultura irrigada);
5. as áreas de moderna agricultura de grãos, especialmente soja, do oeste da Bahia e porções meridionais do Maranhão e Piauí.
6. o pólo de fruticultura irrigada do vale do rio Açu, no Rio Grande do Norte;
7. os diversos pólos turísticos implantados nas principais cidades da região, especialmente as capitais, e em áreas adjacentes a elas.
As áreas do Nordeste nas quais a resistência às mudanças continua sendo a “marca registrada” do ambiente sócio-econômico, correspondem a aquelas onde se pratica a tradicional cultura canavieira e no Sertão semi-árido. Nessas amplas porções do território nordestino, o processo de modernização, quando ocorreu, foi espacialmente seletivo e restrito, fato que contribuiu para a manutenção das estruturas tradicionais.
Essas áreas têm em comum o fato de serem de ocupação antiga nas quais as oligarquias criaram sucessivos mecanismos de preservação. A questão agrária, hoje como no passado, continua sendo dramática e vem se agravando, mesmo onde a irrigação introduziu uma agricultura mais modernizada.
Nesses espaços resistentes às mudanças, os velhos esquemas sociais, econômicos e políticos têm, na injusta estrutura fundiária e no controle do acesso à água, suas bases de sustentação e dominação.

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