Nelson Bacic Olic
No último dia 26 de março, os principais jornais do Brasil e de quase todo o mundo estampavam manchetes que informavam que uma forte tempestade de areia havia retardado o avanço das forças militares da coalizão anglo-americana em ação no Iraque. As fotos das reportagens mostravam comboios militares envoltos numa espessa nuvem de poeira e areia de cor amarelo-alaranjada.
As tempestades de areia se constituem em fenômenos mais ou menos comuns em áreas desérticas como aquelas existentes em parcela significativa do território iraquiano. Esse fenômeno atmosférico é típico dessa época do ano, em que, no hemisfério norte, se inicia a primavera
As tempestades como esta são causadas pelo encontro de massas de ar frias, que no caso iraquiano, são oriundas especialmente do noroeste e quentes, vindas do sul. Na área de contato entre o ar frio e o quente, formam-se áreas de instabilidade que, em regiões mais úmidas, ocasionam normalmente chuvas mais ou menos torrenciais. No caso do Iraque, dada a secura do ar, o resultado é uma grande nebulosidade e ventos mais ou menos fortes que levantam areia e pó.
Quando isso acontece, visibilidade fica extremamente prejudicada e, em algumas áreas, ela não ultrapassa cinco metros. Embora os estrategistas norte-americanos e britânicos provavelmente tenham previsto essa situação, não há segurança para as tropas motorizadas que ficam mais vulneráveis a emboscadas ou podem ser atingidas pelo chamado "fogo amigo" - situação em que militares do mesmo lado abrem fogo contra suas próprias forças.
Assim como a atual Guerra do Golfo, alguns dos mais contemporâneos conflitos regionais se desenvolveram em regiões desérticas, como foi o caso da primeira Guerra do Golfo (1991), do conflito entre Irã e Iraque (1980/89) e dos vários conflitos entre árabes e israelenses.
Nos desertos, as chuvas são naturalmente escassas, não ultrapassando mais de 250 milímetros anuais. Por isso, o deserto não fornece quase nenhum recurso para os combatentes. A maior parte dos suprimentos (alimentos, água, combustível etc) tem que ser transportados, às vezes por longas distâncias, fato que gera a necessidade de uma logística bastante complexa. Durante a Segunda Guerra Mundial, as forças alemãs que lutaram no norte da África contra os britânicos, gastavam metade do combustível para transportar suprimentos.
Quando a infantaria motorizada faz avanços muito rápidos, as linhas de abastecimento têm que se espalhar por longas distâncias, o que as torna mais vulneráveis a emboscadas. Alguns dos primeiros norte-americanos aprisionados por forças iraquianas eram soldados que faziam parte do sistema de abastecimento das tropas.
Por outro lado, as condições de solo dos desertos dificultam em muito o uso de tanques e blindados, principais armas usadas em guerras em regiões com essas características. Por exemplo, na Guerra dos Seis Dias (1967), entre árabes e israelenses, os tanques desses últimos avançavam apenas 65 km por dia, embora pudessem desenvolver 24 km/hora. O calor, a areia e o pó são outras fontes de problemas. Os motores sofrem superaquecimento também por efeito de entupimentos causados pela areia.
As temperaturas no deserto iraquiano em função da proximidade do verão no hemisfério norte tendem a aumentar de forma brutal nos meses de abril, maio, junho e julho. Isso explica, pelo menos parcialmente, a pressa do governo norte-americano em desencadear o conflito nos meses que antecedem o verão.
Em amplas áreas do Iraque, as temperaturas podem atingir mais de 50 ºC, entre as 11 e 15 horas. Na madrugada estas mesmas temperaturas podem cair até próximo de zero graus. Como os soldados anglo-americanos carregam uma grande parafernália de equipamentos, o desconforto é muito grande. Além disso, os soldados ficam sujeitos a eventuais ataques de insetos e répteis e podem sofrer de doenças associadas ao calor como assaduras , brotoejas e insolação.
Nas guerras em desertos, a aviação apresenta uma ampla vantagem tática, porque do alto dispõe-se de uma grande visibilidade, e os alvos em terra (soldados de infantaria e veículos) ficam completamente expostos. Apesar dos helicópteros e aviões que voam em baixa altitude serem vulneráveis às tempestades de areia e baterias antiaéreas, o domínio aéreo é fundamental. Não fosse por isso, a Guerra dos Seis Dias não teria durado os dias que deram nome à guerra e os Estados Unidos não teriam derrotado tão rapidamente o Iraque em 1991.
Por fim, uma curiosidade. Durante a Segunda Guerra Mundial, o general Erwin Rommel, famoso comandante das tropas alemãs que lutaram no norte da África, especialmente nos desertos da Líbia, tinha o apelido de "Raposa do Deserto", em função de suas estratégias militares pouco ortodoxas. Várias unidades britânicas daquela época, assim como algumas das norte-americanas em ação atualmente no Iraque, receberam a alcunha de "ratos do deserto", identificando-as com a característica desse roedor em se adaptar e sobreviver em condições particularmente difíceis.
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