A mulherada americana
teve que rebolar muito para driblar as patrulhas e leis dos bons costumes que
as proibiam de tirar a roupa no palco. Assim, aos poucos, nasceu o strip-tease.
Era uma noite quente de 1917. A platéia do modesto teatro
National Winter Garden, no Lower East Side, famoso por monólogos repletos de
piadas chulas e por dançarinas insinuantes, era majoritariamente masculina. No
palco, acalorada, a comediante Mae Dix decidiu remover a gola de seu vestido
para não manchá-lo de suor e assim economizar uma grana com a lavanderia. O
gesto banal, feito de modo distraído, levou a galera à loucura. Os homens gritavam
na expectativa do que estava por vir. Artista experiente, Mae percebeu o que
tinha em mãos e, de imediato, tirou os punhos, também removíveis, de seu
figurino. Saiu aplaudida entusiasticamente, após abrir os primeiros botões de
seu vestido. Estava criado, oficialmente, o strip-tease. A performance entrou
para a história como a primeira vez que uma mulher se despia sem ter uma
desculpa “artística” para isso. Resultado: os donos do teatro, os irmãos
Minsky, deram à atriz um aumento de 10 dólares por semana para voltar a repetir
o ato.Como não eram nada bobos, os Minsky também encomendaram uma campanha publicitária para divulgar o novo espetáculo. Pouco depois, foi cunhada a expressão strip-tease (tradução literal: despir-se provocando) para descrever a natureza excitante dos shows da casa. Assim, meio sem querer, o ato de tirar a roupa no palco foi virando um espetáculo exportado para o mundo inteiro pelos Estados Unidos. Muito embora esse acontecimento seja lembrado como o marco fundador da arte, a pesquisadora Jessica Glasscock vasculhou os primórdios dos shows de variedades e do burlesco (tipo de teatro popular nos Estados Unidos do início do século 20, famoso por piadas grosseiras, dançarinas ousadas e linguagem pouco refinada) e lá encontrou as raízes da arte do strip-tease, que publicou no livro Striptease – From Gaslight to Spotlight (algo como “Da iluminação a gás aos holofotes,” inédito no Brasil). Sem as desbravadoras de meados do século 19, talvez não tivesse existido Mae Dix.
QUADROS VIVOS
É preciso lembrar que no fim do século 19 as regras morais
eram extremamente rígidas. O menor sinal de conduta libidinosa, a exibição de
uma perna nua em cena, por exemplo, era enquadrado como contravenção. Um
decreto do estado de Minnesota, de 1891, dá a medida: “Qualquer mulher que, num
palco de teatro, casa de shows ou qualquer tipo de espaço público, em que
estejam reunidas outras pessoas, expuser partes do corpo, estejam elas vestidas
em malhas finas colantes ou em qualquer tipo de vestuário que torne o corpo
visível, será considerada culpada de conduta obscena explícita, cuja
contravenção poderá ser punida com multa não menor que 5 dólares e não acima de
100 dólares, ou prisão por no mínimo cinco dias e no máximo 30”. Para burlar
tais leis entra em cena a mirabolante criatividade humana.Nesse período, para fugir de processos valia tudo. Especialmente manter o strip-tease ou inocentes insinuações de nudez muito próximas da arte. Apoiado numa classificação “artística”, era possível montar espetáculos com várias mulheres seminuas ou em malhas colantes reveladoras sem que todo mundo fosse em cana. Os espertos diretores dos teatros burlescos descobriram na arte clássica, especialmente a greco-romana, uma ótima desculpa “educacional” para exibir garotas em trajes mínimos. Arte não pode ser tachada de obscena. Pelo menos, não sem que o acusador tenha de encarar a vergonha pública de ser considerado um ignorante. A idéia desses espetáculos batizados de “Tableaux Vivants” (Quadros Vivos) era utilizar modelos reais para reproduzir cenas clássicas de pinturas e passagens históricas. O nascimento de Vênus era uma das encenações favoritas. As ninfas, é claro, também pululavam aqui e ali. Detalhe: para esse tipo de show ser considerado um tableau vivant, as modelos não podiam se mover.
AS EUROPÉIAS
Os padrões de decência do início do século 19 eram os mesmos
da Era Vitoriana. Até o figurino das artistas estava sujeito a esses valores
morais. O corpete se tornou uma peça essencial: ele mantinha no lugar o que não
deveria ser revelado.Por volta de 1860, as primeiras transgressoras se livraram desse acessório e causaram reboliço. Pouco depois, com a chegada da trupe da inglesa Lydia Thompson, em 1868, um novo furor se instalou nos palcos americanos. As loiras oxigenadas de Lydia Thompson se apresentavam usando somente uma insinuante malha colante, que, apesar de cobrir o corpo todo, criava a ilusão de nudez.
O roteiro incluía piadas grosseiras, canções populares e textos com insinuações eróticas. No fim, as dançarinas lançavam as pernas ao ar como no cancã. A combinação explosiva de sex-appeal e ousadia não era novidade na Europa, mas nos Estados Unidos causou furor. O espetáculo foi aclamado, apesar das acusações de obscenidade. Depois de Lydia, os americanos começaram a montar shows semelhantes. Baseados em textos literários, esses espetáculos não se preocupavam quase nada com a qualidade da narrativa. Era claro que um belo par de pernas distraía suficientemente o público.
Na onda das inglesas surgiram as “skirt dancers” (dançarinas de saia), como se tornaram conhecidas as moças que não se limitavam ao pas-de-deux do balé clássico. O cancã era o carro-chefe das “dançarinas de saias”. Além de exibir vitalidade, elas mostravam parte das pernas e a roupa de baixo. Depois delas vieram as dançarinas orientais (ou exóticas). A dança do ventre, considerada imoral e provocante, era a alegria dos homens. Às orientais (muitas americanas vestidas como as originais) era permitido dançar com menos roupas, pois essa era considerada uma questão “cultural” não passível de processo.
O BURLESCO E AFINS
O burlesco, com suas dançarinas exóticas e piadas
grosseiras, caiu nas graças do povo. Paralelamente a este movimento, surgiu a
tentativa de criar um espetáculo mais leve, recomendado às senhoras
respeitáveis. Em 1907, Florenz Ziegfeld Jr. cria o Ziegfeld Follies, um
espetáculo de entretenimento refinado, como mandava o vaudeville (espetáculo de
variedades musicais, cômicas etc. mais sofisticado que o burlesco). Lindas
garotas em figurinos caros e elegantes insinuavam um leve erotismo. Num dos
espetáculos, por exemplo, uma garota aparecia numa banheira coberta apenas por
bolhas de salão. Em outro, um tableau vivant recriava a cena em que Lady Godiva
cavalgava nua para forçar o marido a reduzir imposto. Mas o público logo se
cansou desse tipo de show, mais caro que o burlesco.Depois de testemunhar o pioneirismo de Mae Dix, o National Winter Garden voltaria a ser palco de outro marco da história do strip-tease. Em 1931, a casa contratou uma garota que viria a ser a maior stripper da história dos Estados Unidos. Gypsy Rose Lee ficou famosa não só por sua beleza e um par de pernas sensacional, mas também por ser espirituosa e inteligente. Segundo Glasscock, o strip-tease é caracterizado por três elementos: revelar, provocar e divertir. Não necessariamente nessa ordem. “Um verdadeiro strip-tease é um espetáculo teatral, que requer um certo distanciamento entre quem provoca e quem é provocado”, diz ela. Gypsy Rose Lee entendeu isso perfeitamente.
As strippers que vieram depois de Gypsy Rose tiveram de se esforçar mais. Foi um festival de cenas sensacionais. Havia quem entrasse no palco vestindo apenas balões, estourados um a um. Outras se cobriam de pombos amestrados, que voavam durante o número. O sucesso desse tipo de espetáculo foi interrompido por uma lei que determinou o fechamento definitivo dos teatros burlescos. Strippers e empresários ficaram a ver navios. Mas as dançarinas logo encontram outros palcos para seus shows, em bares e cabarés. Nos anos 50, em Nova York, o strip- tease era comum em casas noturnas, mas acontecia de forma discreta. O fim dessa década viu o surgimento das pin-ups, lideradas pela maior de todas, Bettie Page. Pouco depois, diante da revolução sexual da década de 60, que sepultaria de vez os últimos resquícios do pudor vitoriano, até mesmo as pin-ups começaram a ser vistas como parte de uma cultura démodé.
Estrelas do strip-tease
Os maiores nomes de ontem e de hoje.
Little Egypt (1871)
Causou furor na Feira Mundial de Chicago em 1893 ao fazer a
dança do ventre, como uma rainha do Nilo. Depois, a anônima desapareceu.
Sarah Bernhardt (1844-1923)
Diva do teatro francês, leva a fama de ser uma das pioneiras
do strip-tease. Em 1890, o figurino da peça Cleópatra exibia sua pele.
Gypsy Rose Lee (1911-1970)
Fez fama e fortuna com sua beleza e inteligência. Além de
tirar a roupa, divertia a platéia com textos espirituosos e bem-humorados. Sua
vida virou filme e musical da Broadway, Um Sonho (Gypsy, 1962).
Ann Corio (1914-1999)
Estreou com apenas 15 anos. Ficou conhecida por seu show
inocente, no qual mostrava pouco o corpo. Em 1960 escreveu e produziu o
espetáculo teatral Isso Foi o Burlesco.
Lili St. Cyr (1918-1999)
Ex-bailarina clássica, ela era a mais refinada e classuda
das strippers. Destacava-se por criar elaborados números musicais, em que
dramatizava o momento de tirar a roupa.
Tempest Storm (1928)
Ao contrário da maioria das strippers, a ruiva da Geórgia
não precisava inventar moda nos palcos para ganhar fama. Seus seios levavam as
platéias ao delírio e lhe garantiram a fama.
Blaze Starr (1932)
Famosa nos anos 60, ficou conhecida por ser um vulcão em
cena. No auge, teve um caso com o então governador da Louisiana, Earl Long, que
virou o filme Blaze – O Escândalo.
Dita Von Teese (1972)
Ex-mulher do roqueiro Marilyn Manson, é uma devotada fã de
Bettie Page e das estrelas do teatro burlesco. Suas apresentações e figurinos homenageiam
pin-ups e estrelas do strip-tease.
Aventuras na História n° 050
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