Futebol, dizem os aguerridos amantes do esporte, é uma
guerra. Mas, nas eliminatórias para a Copa de 1970, El Salvador e Honduras,
dois países da América Central, resolveram testar na prática as terríveis
consequências desse bordão. Antes do apito inicial, a batalha já tinha um
potencial explosivo. A primeira dividida era a questão fundiária: El Salvador,
apesar de ser cinco vezes menor, possuía uma população igual à de Honduras
(cerca de 3,2 milhões de habitantes). Essa disparidade estimulou a migração de quase
300 mil salvadorenhos para o país vizinho na década de 60. Disputando terras e
emprego com os hondurenhos, os imigrantes foram marginalizados pela ditadura
local. O meio de campo embolou de vez quando começaram as eliminatórias. Em 8
de junho de 1969, os salvadorenhos foram a Honduras para disputar uma partida e
não tiveram paz. Na véspera, os donos da casa organizaram um apitaço que
impediu os adversários de dormir, venceram por 1 a 0 e agrediram os
salvadorenhos que foram ao estádio. O troco veio uma semana depois, quando El
Salvador, agora como anfitrião, goleou por 3 a 0 e revidou a violência fora de
campo. Aí, o tempo fechou de vez: estimulados por notícias distorcidas na
imprensa, os dois governos cortaram relações diplomáticas e, no dia 14 de julho,
El Salvador bombardeou Tegucigalpa, capital de Honduras, dando início à batalha
fora das quatro linhas. "Certamente, o jogo foi um catalisador da
guerra", diz a advogada Eduarda Passarelli, da PUC do Rio de Janeiro, que
fez uma tese de mestrado sobre o episódio. Foram quatro dias de conflito até
que a Organização dos Estados Americanos conseguisse negociar uma trégua. No
campo, a batalha futebolística foi decidida em uma terceira partida, em
território neutro. Vitória de El Salvador por 3 a 2, que carimbaria passagem
para a Copa. Derrotada mesmo saiu a população: entre salvadorenhos e
hondurenhos, foram mais de 2 mil mortos.
Revista Mundo Estranho Edição 32/ 2004
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